O regulamento n.º 603/2021 do IMPIC e as novidades nos procedimentos gerais de identificação e diligência

Antes de mais, este regulamento estabelece as condições de exercício e define os procedimentos, instrumentos, mecanismos e formalidades inerentes ao cumprimento dos deveres, gerais e específicos, estabelecidos na Lei de Branqueamento de Capitais (Lei 58/2020) e os demais aspetos necessários a assegurar o cumprimento dos deveres de prevenção e combate de branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (BC/FT), por parte das entidades que exerçam, em território nacional, atividades imobiliárias, sujeitas à fiscalização do IMPIC, I. P.Estão sujeitas à disciplina do regulamento as entidades, independentemente da sua natureza financeira ou não financeira, designadas por entidades imobiliárias, que exerçam as seguintes atividades imobiliárias ou, nos casos aplicáveis, pratiquem actos materiais de: a) Mediação imobiliária; b) Compra, venda, compra para revenda ou permuta de imóveis; c) Promoção imobiliária, consistindo no impulsionamento, programação, direção e financiamento, direta ou indiretamente, com recursos próprios ou alheios, de obras de construção de edifícios, com vista à sua posterior transmissão ou cedência, seja a que título for; d) Arrendamento de bens imóveis.Estas entidades têm, no cumprimento do dever de identificação e diligência, recolher os elementos de identificação referidos nos artigos 24.º a 28.º da supra referida Lei, bem como os elementos referidos nos artigos 5.º e seguintes do Regulamento 603/2021, respeitantes aos seus clientes, a cada um dos intervenientes na transação imobiliária e, sendo o caso, aos respetivos representantes. Temos, desde logo, e como já constava do anterior Regulamento, um leque alargado de sujeitos/intervenientes negociais objeto daquele dever de identificação e diligência. Se o anterior regulamento estipulava, apenas, duas condições em que esse dever de recolha e identificação devia operar - (a) Estabeleçam relações de negócio; b) Efetuem transações ocasionais de montante igual ou superior a (euro) 15 000, independentemente de a transação ser realizada através de uma única operação ou de várias operações aparentemente relacionadas entre si.), - veio este Regulamento 603/2021 considerar e prever, ainda, duas outras situações nas agora inseridas alíneas c) e d): quando se suspeite que as operações, independentemente do seu valor e de qualquer exceção ou limiar, possam estar relacionadas com o branqueamento de capitais ou com o financiamento do terrorismo (alínea c)); e quando existam dúvidas sobre a veracidade ou a adequação dos dados de identificação dos clientes previamente obtidos (alínea d)). Ora parece haver aqui uma clara intenção de alargamento (do âmbito e peso) dos deveres existentes, que pode constituir um ónus claro sobre as entidades obrigadas que veem, agora, a execução do dever de identificação e diligência assumidamente mais lata e complexa. Por um lado, a alínea c) supra referida constitui uma cláusula de independência do valor e desconsideração de qualquer exceção e limiar, que fazem com que esse dever de identificação tenha que ser cumprido, virtualmente, em qualquer situação desde que haja uma qualquer suspeição que tal movimento negocial possa estar relacionada com uma atividade de branqueamento de capitais. Por outro lado, a alínea d) supra referida, faz um alargamento legal concêntrico da alínea precedente, obrigando ao cumprimento daquele dever sempre que exista qualquer dúvida sobre a veracidade ou adequação dos dados de identificação obtidos. Qualquer das novas alíneas mencionadas , propugnando a já referida extensão, acaba por depender, também, largamente, do preenchimento de conceitos subjetivos e indefinidos (“uma qualquer suspeição”; “qualquer situação”; “sempre que exista qualquer dúvida”; “veracidade ou adequação”) que podem obstar à sua eficácia e operacionalização. Acresce que, na verdade, este novo desenho introduzido pelas novas alíneas mencionadas acaba por, estranhamente, esvaziar o âmbito das alíneas a) e b) originais, comprometendo a leitura harmonizada do preceito. Alargando-se o espectro do dever de forma desmedida, acaba-se também por perder o fio condutor que definia o seu objetivo e ratio. Aqui, com possíveis sacrificados: as entidades obrigadas que, sem grano salis, acabam por ver impender sobre si novas responsabilidades de identificação e diligência que exigem que, para o seu cumprimento, devam aquelas fazer o necessário esforço/investimento na preparação técnico-jurídica dos seus colaboradores. No fundo, confirma-se, com esta alteração, uma enorme dificuldade e agravamento do ónus do dever de diligência a que estas entidades estão sujeitas, passando a haver, ainda mais, um poder discricionário na avaliação da dita suspeita, que, consequentemente, só fará com que a probabilidade de comunicação dos casos suspeitos ou abstenção da prática de negócios imobiliários seja mais diminuta (tendo um efeito contrário ao previsto pelo legislador), atenta a subjetividade e abrangência.

CONTEÚDO EXCLUSIVO PARA ASSINANTES