Alterações ao regime do Processo de Inventário: um regresso ao velho paradigma

Constatou-se a existência de um grande número de processos com tempos desrazoáveis de resolução com prejuízos graves, tanto para a situação jurídica dos cidadãos, bem como para o mercado imobiliário em consequência do número considerável de prédios em situação indivisa a aguardar a partilha da herança ou a dissolução do património conjugal. Por forma a superar estes constrangimentos e a assegurar a concordância prática de todos os interesses em presença, estabeleceu-se com a nova Lei 117/2019 de 13 de Setembro, um princípio de competências concorrentes permitindo ao cidadão a escolha pelo tribunal ou pelo cartório notarial em que pretende instaurar o inventário. Esta liberdade de escolha sofre, contudo, algumas restrições que importa salientar: desde logo nas situações em que algum dos interessados não possa, por motivos de ausência em parte incerta ou de incapacidade, intervir na partilha; também não existirá liberdade de escolha quando o inventário está na dependência de outro processo judicial; e, finalmente, também não existe escolha de competência quando os inventários são requeridos pelo Ministério Público, ou quando este entenda que o interesse do incapaz a quem a herança é diferida implica aceitação beneficiária. Em todos estes casos, a competência para a tramitação dos processos de inventário é exclusiva dos tribunais, não se aplicando, portanto, o princípio de competências concorrentes. A partir de Janeiro de 2020, com a entrada em vigor deste regime, é instituída a intervenção facultativa do notário nos processos de inventário. Deixará de ser obrigatório todos os cartórios assegurarem o exercício destas funções, dependendo da livre opção dos cartórios que estejam interessados e disponíveis. A Ordem dos Notários elaborará uma lista dos notários que estarão disponíveis procedendo à sua divulgação no seu sítio eletrónico na internet. Os interessados vão poder escolher qualquer um dos cartórios constantes da lista, desde que exista uma conexão relevante com a partilha, designadamente o local da abertura da sucessão, da situação da maioria dos imóveis ou do estabelecimento comercial que integra a herança, ou ainda da residência da maioria dos interessados diretos na partilha. Em caso de impedimento ou indisponibilidade do cartório, os interessados poderão optar pelo cartório sediado em circunscrições confinantes ou próximas. Outro dos aspetos inovatórios assinaláveis que a nova Lei de 117/2019 de 13 de setembro procura solucionar, são as dificuldades que os cartórios sentiam quando o processo de inventário implicava, ou dizia respeito, aos interesses de incapazes, maiores acompanhados e ausentes, uma vez que não se exigia a intervenção do Ministério Público. Ora, de acordo com as novas regras, os tutores e curadores desses incapazes deixaram de ter legitimidade para requerer o processo de inventário, transmitindo-se esse papel para o Ministério Público, que naturalmente estará mais apto à defesa dos seus interesses. Este novo quadro normativo aplicar-se-á a todos os processos iniciados depois de 1 de Janeiro de 2020, bem como àqueles que nesta data estejam pendentes nos cartórios mas que sejam remetidos ao tribunal, seja oficiosamente por passarem a ser da competência exclusiva dos tribunais ou por os interessados requererem a sua remessa para este meio. A partir da remessa para o tribunal, o processo de inventário passará a reger-se por este novo regime cujas normas foram incorporadas, à semelhança do paradigma anterior à reforma de 2009, no Código de Processo Civil (artigos 1082.º e seguintes). Cabe, assim, ao juiz determinar, com base nos poderes de gestão e adequação processual, a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar os atos processuais já praticados pelo cartório com o ulterior processamento judicial. Quanto ao anterior regime do inventário, cuja exclusividade pertencia até agora aos cartórios - estatuído pela Lei 23/2013 de 5 de Março – este não será de imediato revogado, continuando a aplicar-se (com algumas das alterações introduzidas pela nova Lei 117/2019), aos processos que em 1 de Janeiro de 2020 estejam pendentes nos cartórios e aí prossigam a respetiva tramitação. Já os processos que se iniciem após o dia 1 de Janeiro de 2020, e cuja escolha dos cidadãos recaiu pelo cartório, serão estes regulados pelo novo regime do inventário notarial aprovado em anexo à aludida Lei 117/2019. Numa sucinta nota conclusiva, e numa primeira abordagem critica ao novo enquadramento legal dos Processos de Inventário – e não obstante todos os seus aspetos positivos – a nova Lei de 117/2019 de 13 de setembro comporta um real risco de, com o regresso à competência primordial dos tribunais, regressar o anterior congestionamento processual. E nem se diga que que a competência concorrente é suficiente, já que sendo essa a opção, a tendência dos interessados será a de optar pelos tribunais, considerando a morosa tramitação nos cartórios e a generalizada desconfiança que, por norma, os cidadãos depositam na justiça privada. Será, contudo, um risco que o legislador aceitou. Tendo-se tornado evidente que a tramitação dos processos de inventário nos cartórios não foi uma experiencia com resultados positivos, o regresso ao modelo que existia antes da lei 29/2009 de 29 de Junho, é um assumir por parte de todos os operadores judiciários e não judiciários que a atribuição de tais competências aos cartórios falhou e que a solução para o descongestionamento dos tribunais não é seguramente a redução das suas competências.

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