A Retoma do Imobiliário: “A esperança é o sonho do homem acordado.”

Com efeito, se por um lado, urge garantir a segurança de todos os cidadãos e manter o combate à Covid-19, por outro, torna-se imperioso reativar a atividade, ainda que de forma paulatina, sobretudo nos setores mais fustigados, que viram as respetivas atividades suspensas ou drasticamente reduzidas. Em particular, no que toca ao Mercado Imobiliário, há uma consciência coletiva da absoluta necessidade de relançar rapidamente o setor, procurando, numa primeira fase, auxiliar as empresas e agentes que foram mais penalizados, como é exemplo o setor do retalho e hotelaria e, concomitantemente, procurar soluções de curto e médio prazo que permitam fazer face à crise que assola(rá) esta área de atividade, e cuja importância para o nosso PIB é comummente reconhecida. Durante a fase de confinamento e enquanto durou o estado de emergência, a esmagadora maioria dos players, nomeadamente, promotores imobiliários, construtores, hoteleiros, gestores de ativos, senhorios, prestadores de serviços nas mais variadas áreas como arquitetos, engenheiros, consultores, mediadores, advogados, etc., demonstraram uma capacidade de resiliência ímpar, tentando inventar e reinventar modos de produção e manutenção do exercício da respetiva atividade profissional. Do feedback que fomos colhendo, o recurso à tecnologia e ao teletrabalho foi um forte aliado, permitindo, por um lado, manter ligados os colaboradores das empresas às equipas de gestão e, bem assim, externamente, continuar o contacto com fornecedores e clientes. À semelhança da crise sanitária, numa primeira fase, a preocupação foi, de facto, acudir e tratar os casos de maior emergência, maxime, a manutenção dos postos de trabalho (ainda que com recurso ao lay off), gestão de tesouraria, candidatura às linhas de apoio entretanto criadas, gestão dos contratos em vigor, seja com fornecedores, clientes ou credores financeiros, a par da preocupação de manutenção e angariação da clientela. Foram semanas inéditas, intensas e cujos efeitos ainda estamos a avaliar, em todos os domínios da vida social e económica, havendo, contudo, um denominador comum que se traduz na busca de respostas e soluções para a tão almejada recuperação económica, não sendo um caminho fácil, nem óbvio, atentas as especificidades da presente crise, cuja origem sanitária e afetação global, não tem, na história da humanidade, caso precedente. Sem prejuízo, e à semelhança do que se assiste no panorama da saúde publica internacional, enquanto não for produzida (e distribuída) uma vacina eficaz, há que ir tratando e assistindo os doentes, com as terapêuticas e fármacos existentes e concomitantemente, evitar o contágio e propagação da doença. Fazendo o possível paralelismo com o setor imobiliário, partimos de uma premissa que nos dá, desde logo, uma esperança reforçada que se consubstancia no reconhecimento que este setor estava mais saudável e robusto que em crises anteriores, nomeadamente a crise de 2008 do subprime ou posteriormente das dívidas públicas, com início em 2010. Neste cenário, não devemos olvidar que a generalidade do tecido empresarial que atua nesta área de atividade apresentava, antes da crise, menos exposição ao recurso e efeitos de alavancagem, melhores rácios de autonomia financeira, tesouraria mais sólida decorrente da performance absolutamente histórica que se assistiu nos últimos anos ao nível do investimento imobiliário, com acentuado acréscimo de produção, vendas e valorização real e consistente dos ativos subjacentes, num cenário em que o mercado tinha liquidez e a procura continuava a superar a oferta. São conhecidas as causas deste diagnóstico, com particular destaque para o turismos e forte atração de investimento estrangeiro em território nacional a que acresce a diversificação de oferta relativamente a segmentos alternativos e soluções imobiliárias que, de forma progressiva, soubemos importar de mercados mais maduros, em áreas inovadoras: Co-working, Co-living, Senior Housing, Student Housing, etc. A crueldade da realidade confronta-nos, pois, com este sentimento de injustiça, no sentido de reconhecer que após tantos anos de sacrifício, de aumento da competitividade e profissionalismo dos agentes, o setor imobiliário/turístico e da construção não merecia “cair às mãos de um vírus”. Mas a palavra de ordem é resiliência e “não baixar os braços!”, devendo haver, por parte da estrutura governante, em estreita articulação direta com as instituições da União Europeia, a implementação de políticas económicas e monetárias que permitam, para além do tratamento urgente “dos feridos”, através de moratórias e refinanciando a economia, criar condições estruturais que possibilitem a inflexão célere da perda de rendimento das famílias e das empresas, devolvendo a confiança generalizada aos investidores para que os mesmos, através do seu aforro e equity, proporcionem a liquidez fundamental à atividade económica. Para o efeito, para além da injeção urgente de capital na economia (a já famosa “Bazuca” da EU) em condições que tornem viável a manutenção das atividades, ao nível do setor imobiliário será necessário relançar, com urgência, os programas de atração ao investimento estrangeiro, como são exemplo o Regime do Residente Não habitual e o denominado “Golden Visa”, o qual, desde a respetiva criação, já arrecadou mais de 5 mil milhões de euros, sendo 90% em bens imóveis. Nesta matéria específica, valerá a pena refletir na mensagem inequívoca que Portugal deverá transmitir aos mercados internacionais, reafirmando-se a total recetividade aos investidores estrangeiros, consolidando o nosso país como um destino seguro (incluindo do ponto de vista da saúde publica) e profícuo ao Investimento. Com efeito, considerando o atual momento de crise, não nos parece aconselhável sobrepor uma determinada agenda política que condicione geograficamente (exclusão de Lisboa e Porto) a apetência natural dos investidores que pretendem fazer um investimento imobiliário, ao abrigo do princípio de coesão territorial, criando-se administrativamente eventuais (porventura artificiais?) destinos de mercado, o que poderá gerar, a curto prazo, a deslocalização do investimento para outras geografias concorrentes. Se há lição que devemos retirar das crises anteriores, é que o setor imobiliário surge como “porto de abrigo”, quer aos investidores nacionais e estrangeiros, oferecendo um retorno mais atrativo e seguro, quando comparado com outras classes de ativos. Mas esta terapêutica, é manifestamente insuficiente. Para combater a doença (a crise) será necessário adotar, ainda, um conjunto de medidas que estimulem a produção e devolvam a confiança aos players do mercado, designadamente pela adoção de incentivos. Com efeito, nesta matéria, o mercado imobiliário carece do (i) alargamento da aplicação das taxas reduzidas de IVA na construção, quer na reabilitação urbana (estendendo o “conceito fiscal” da mesma), quer no desenvolvimento de projetos turísticos, alojamento local ou equipamento coletivo (Residências seniores ou de Estudantes, por exemplo); (ii) revisão do quadro de incentivos fiscais sobre os impostos no património (IMI e IMT) atribuindo-se novas isenções ou redução de taxas, em função de natureza subjetiva do sujeito (exemplo dos Organismos de Investimento Coletivo e as SIGI)[1], ou por via da natureza objetiva das operações/bens imóveis que estimulem a transmissão de ativos e encorajem a promoção imobiliária e turística (a título de exemplo, repristine-se, com urgência, o regime da Declaração de Utilidade Turística). Importa, ainda, sublinhar que, em matéria de incentivos aos investidores do setor imobiliário, tão importante como a atribuição de benefícios fiscais (e estabilidade dos mesmos!) é, sem sombra de dúvida, o (iii) encurtamento dos prazos de licenciamento, concretizando-se, definitivamente, o princípio basilar que foi introduzido em 2007 com a revisão do regime jurídico da Urbanização e Edificação, conferindo-se maior responsabilidade aos promotores e autores/técnicos do projeto, garantindo, em contrapartida, a celeridade (e certeza) na aprovação das operações urbanísticas, com recurso, ainda, à efetiva digitalização integral da tramitação processual nas operações de controlo prévio, a aplicar em todos os municípios, como é exemplo, a recém criada plataforma digital da CML. Por outro lado, para todos aqueles que “já se encontram infetados”, ou possam vir a ser contaminados a breve prazo, sobretudo nos considerados “grupos de risco” (Micro e PMEs com falta de liquidez e dificuldade para cumprir com as respetivas obrigações), deverão ser acionados planos preventivos de restruturação financeira, devendo os gestores diligenciar junto dos respetivos credores, principalmente as Instituições de Crédito, a renegociação atempada dos seus passivos, tendo em vista a concretização extrajudicial dos acordos que permitam a sobrevivência e fortalecimento das empresas e, concomitantemente, que os credores alcancem a recuperação dos seus créditos. Contudo, para além dos auxílios de Estado e refinanciamento das empresas, será fundamental que os agentes económicos procurem adotar “terapêuticas” complementares ou alternativas (formas alternativas de financiamento) das respetivas atividades, por forma a evitar o sobreendividamento a médio prazo, e oneração excessiva dos seus ativos, destruindo os rácios de autonomia financeira. Nesta conformidade, o Capital Empreendedor poderá ter um papel fundamental, nomeadamente por via do investimento em instrumentos de capital próprio ou alheio (em condições mais favoráveis que aquelas que a Banca clássica oferece), comummente utilizado pelos Business Angels, pelas sociedades de capital de risco, fundos de capital de risco, incluindo os fundos europeus de capital de risco designados "EuVECA». Note-se que a atividade dos Organismos de Investimento Colectivo em Capital de Risco (OICR) recorre frequentemente a instrumentos de financiamento híbridos que conjugam características de capital e de dívida, tendentes a desenvolver e financiar um determinado modelo de negócio com vista ao crescimento de empresas target. Em regra, o OICR toma parte do capital social da empresa subsidiária e, concomitantemente, realiza suprimentos, remunerados, os quais poderão ser convertidos posteriormente em capital. Promove-se, deste modo, um tipo de empréstimo mais flexível, ficando, ab initio prevista a possibilidade de conversão ulterior em capital próprio, caso o reembolso não seja satisfeito integralmente ou dentro do prazo e condições contratualmente fixadas. A grande vantagem para o tecido empresarial em cenários de crise, com as inerentes dificuldades de obtenção de financiamento clássico, como é exemplo o crédito bancário, onde a exigência da prestação de garantias patrimoniais e/ou pessoais representa um dos principais encargos ou obstáculos para as empresas, consiste na utilização do capital destes Veículos, enquanto forma alternativa de financiamento, por via de injeção de equity no capital social das empresas em dificuldade, por um determinado período de tempo, que permita uma consolidação e retorno do investimento. Adicionalmente, os OICR, quer pelo seu quadro regulatório, quer pelo enquadramento fiscal diferenciado, reúnem, ainda, condições privilegiadas para a estruturação de parcerias entre investidores locais e/ou internacionais, nomeadamente oriundos de mercados mais maduros, e propiciam esquemas de fund raising, admitindo-se a constituição de diferentes categorias de unidades de participação, de forma a acomodar a diferente natureza dos investidores e, em alguns casos, o perfil de risco diferenciado. Cumpre, ainda, referir que as operações de financiamento às empresas por Organismos de Investimento em capital de risco poderão realizar-se (i) na fase de constituição da empresa (Seed Capital e Startup) mas também na fase de expansão da atividade ou de reestruturação empresarial e/ou revitalização financeira da empresa; como suporte a iniciativas de Management Buy Out (MBO) ou Management Buy In (MBI); e em momentos de reorientação estratégica, como é o caso do turnaround, pelo que o existe, de facto, uma multiplicidade de ativos (empresas) elegíveis para a atividade do capital empreendedor. De igual modo, em face do atual cenário e previsível detioração das condições sociais, urge refletir na oportunidade de estimular a constituição de sociedades de empreendedorismo social e fundos de empreendedorismo social (criados em 2015), a que acresce os recentemente criados organismos de investimento alternativo especializado de créditos que poderão constituir alternativas viáveis a novas formas de financiamento. Por fim, permitimo-nos dar uma breve nota sobre a importância do papel do advogado na condução e gestão da atual crise, com a missão de procurar compreender os desafios que a crise pandémica acarreta para os seus clientes, promovendo, junto dos mesmos, quer o acesso célere à informação sobre a proliferação legislativa e medidas extraordinárias, para o correto suporte às tomadas de decisão, quer privilegiando a advocacia preventiva, por forma a garantir a tranquilidade e confiança que as empresas necessitam, para lidar com os efeitos da crise. No que toca ao Direito Imobiliário, identificamos, desde logo, a necessidade de reinventar ou alargar a interpretação e aplicação de determinados institutos, maxime em matéria de execução dos contratos, nomeadamente a alteração das circunstâncias, causa e eventos de força maior, impossibilidade de cumprimento, reequilíbrio contratual, entre outros. Enquanto durar a atual crise sanitária e económica, trazemos, finalmente, à colação um ensinamento da Grécia Clássica, de Aristóteles: “A esperança é o sonho do homem acordado”. [1] Representam estruturas profissionais de investimento, dotadas ou não de personalidade jurídica, sujeitas a quadro regulatório autónomo, os quais aplicam os capitais dos investidores/aforradores na aquisição ou desenvolvimento de ativos imobiliários, tendencialmente de larga escala, destinados a revenda ou exploração onerosa de imóveis, mediante regras prudenciais e sujeitos a princípios de repartição de riscos, sendo alvo de uma atividade fortemente regulada e supervisionada pela CMVM

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