Empresas devem “aproveitar esta onda de investimento público para ganharem escala”

Na conferência “Portugal 2030: Futuro Estratégico para o Setor da Construção”, organizada pela AICCOPN, Carlos Mota Santos, presidente-executivo da Mota-Engil, defendeu a necessidade de uma maior consolidação do setor e de uma estratégia de internacionalização estruturada. A crise que atingiu o setor da construção há 15 anos deixou marcas profundas. «Olhando para o top 20 de então e para o atual, cerca de 70% das empresas já não existem. Isso aconteceu porque, de um dia para o outro, o mercado da construção praticamente desapareceu, e as empresas não estavam preparadas para enfrentar esse impacto», afirmou. Fusões e internacionalização como caminho Carlos Mota Santos criticou a visão «demasiado individualista» do setor e lamentou que Portugal não tenha seguido o exemplo de países como Espanha, onde «a fusão de empresas permitiu criar grupos mais sólidos, promovendo sinergias e aumentando a competitividade. Em Portugal, não seguimos esse caminho e muitas empresas acabaram então por desaparecer». Para o presidente da Mota-Engil, o crescimento e a internacionalização são cruciais para o futuro do setor. «Temos de aproveitar esta onda de investimento público para dois objetivos: garantir um balanço financeiro mais saudável e preparar as empresas para o desafio da internacionalização», afirmou, sublinhando que «para ganhar escala, devia haver movimentos de fusão no setor». “Uma oportunidade que o setor não pode desperdiçar” O atual ciclo de investimento em infraestruturas representa, para Mota Santos, uma oportunidade que o setor não pode desperdiçar. «O que é que o setor quer fazer com o investimento em infraestruturas nos próximos anos? Quer internacionalizar-se? Quer ganhar dimensão? Quer trabalhar de forma simbiótica com outros atores para essa internacionalização?», questionou, alertando que «não creio que haverá muito mais oportunidades destas no futuro. É melhor aproveitar esta do que esperar por uma próxima». No que diz respeito à habitação, reconheceu que a industrialização não é uma solução única, mas considera que deve ser um eixo a desenvolver. «Não é a resposta para o problema, mas é um dos eixos que se deve fomentar, para ter maior celeridade na execução de projetos», afirmou. O gestor apelou ainda «a concursos estandardizados de maior dimensão», considerando que essa é «a única maneira de tentar começar a mitigar o problema da habitação». Código de Contração Pública e Lei dos Solos O responsável da Mota-Engil não poupou críticas ao atual código de contração pública. «O nosso código é bizarro em diversos aspetos. Penaliza a inovação, inibe práticas mais sustentáveis e a capacidade de ter soluções economicamente mais benéficas», apontou. Sobre a nova Lei dos Solos, mostrou-se cauteloso, mas favorável a medidas que promovam a construção. «Veremos qual é o efeito. Tudo o que seja dentro dos limites da legalidade e facilitador da construção de mais habitação é positivo», concluiu. CGD está a reforçar o financiamento para empresas de construção «Estamos a reforçar o financiamento para habitação individual e às empresas de construção. Demos 27 mil milhões de euros ao setor. Não há outro banco no país com estes valores», disse Paulo Macedo, presidente da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos (CGD). O responsável pelo banco reconheceu que as empresas do setor estão hoje mais preparadas para aceder a financiamento. «As empresas de construção têm, em média, melhores autonomias financeiras, e os projetos são mais aprováveis do que eram no passado». O banqueiro lembrou que os níveis de investimento público em Portugal mantêm-se baixos há mais de 15 anos, afetando a dinâmica do setor da construção. O financiamento habitacional continua a ser expressivo, com a maioria dos empréstimos a destinar-se à aquisição de casas usadas. «70% dos empréstimos à habitação concedidos pelo banco público são para compra de imóveis usados», referiu. Além disso, destacou que a média dos financiamentos ronda os 170 mil euros. Apesar dos avanços, o CEO do banco alertou que a crise da habitação não terá uma solução imediata. «Não vale a pena dizer que o problema da habitação vai ficar resolvido para o ano. Isso é um disparate», afirmou, defendendo que a resposta exige múltiplas abordagens. «Vão ter de existir várias ações ou soluções para o mesmo objetivo, porque não só temos falta de habitação para os jovens, como temos falta de habitação para os imigrantes», explicou. Falta de previsibilidade no investimento público Miguel Saraiva, CEO da Saraiva + Associados, apontou a falta de previsibilidade como um dos principais entraves ao crescimento sustentado das empresas. «Não há previsibilidade nenhuma no investimento público. Não havendo uma estratégia política de investimento na construção, as empresas crescem abruptamente e depois caem», afirmou, alertando que esta instabilidade prejudica o setor. «As empresas de construção vivem dentro destes ciclos que lhes subtraem know-how, investimento e conhecimento. É muito difícil uma empresa de construção abraçar novas tecnologias porque o investimento é feito para aquele momento e não ao longo dos tempos. Se não houver previsibilidade, não haverá formação de carteira», acrescentou. Para Miguel Saraiva, a solução passa por uma reorganização do setor, aliando a internacionalização a uma maior estabilidade. «As construtoras não conseguem ter uma carteira equilibrada, que podia ser acrescentada, em parte, pela internacionalização. O setor tem de se reinventar, reorganizar e estruturar», defendeu. O arquitecto apontou também críticas à gestão da crise da habitação, atribuindo responsabilidades aos decisores políticos. «O problema foi criado pelos políticos e não pelo setor», afirmou, acrescentando que «este problema não é tratado de uma forma estruturada, séria e com vontade. É feita de uma forma bruta para responder a uma situação de emergência», criticou. Na sua perspetiva, a falta de habitação não será resolvida a curto prazo. «Não é possível resolver isto em menos de 20 anos. Os programas habitacionais, quando respondem à emergência, respondem mal», inferiu. Já para Miguel Mateus, CTO da ANA – Aeroportos de Portugal, a adoção de novas tecnologias pode ser determinante para o investimento e a competitividade da construção em Portugal. O responsável destacou o impacto de ferramentas digitais, como o Building Information Modeling (BIM), no setor. «Estes novos avanços também podem ser incentivos ao investimento, mas a sua não adoção pode ser uma barreira à entrada de internacionais», alertou.

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