Há falta de habitação que responda às verdadeiras necessidades da procura em Portugal. É necessário aumentar o stock e construir mais, mas o principal problema deste setor está no acesso ao mercado, principalmente por parte dos jovens e dos segmentos mais baixos. A habitação foi um dos principais temas de debate da convenção APEMIP | IMOCIONATE, que decorreu esta quinta-feira no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Num painel dedicado a este assunto, António Ramalho, economista e consultor internacional, afirmou não ter dúvidas de que «a leitura de uma crise geral na habitação fez com que não se distingam as várias crises que existem na habitação», e a principal delas é o acesso ao mercado. Até porque, recorda, «a maior parte dos portugueses são proprietários, e muitos deles nem são afetados pelo aumento das taxas de juro, porque já são donos das suas habitações». E mesmo as poupanças dos portugueses têm vindo a aumentar neste período de subida de taxa de juro, segundo os números mais recentes. Por isso, António Ramalho defende que os pacotes de medidas governamentais se deveriam focar neste problema específico, incentivando esta oferta. Admitindo os preços «efetivamente caros» das novas casas que surgem no mercado, lembra que os custos estão no terreno, na construção e na fiscalidade, e considera que «é fácil mexer no terreno, dada a quantidade de terrenos que as autarquias têm e o que permitem ou não fazer com os seus licenciamentos». Os custos fiscais também podem ser alterados. Mas, a «promessa» do IVA a 6% na construção nova pode ter um efeito perverso, e «pode fazer com que alguns construtores esperem para ver e não construam ainda». Mais rígidos são os custos de construção, porque a maior parte diz respeito à mão-de-obra. Pedro Siza Vieira, ex-ministro da Economia e sócio da PLMJ, também orador convidado deste painel, destacou que Portugal tem falta de oferta de habitação, depois da diminuição «radical» que se registou depois da crise financeira, e sem retoma do ritmo normal de produção de novos fogos. Acredita que algumas das novas medidas do Governo, nomeadamente do pacote “Construir Portugal”, «vão-se focando no importante, como a redução de custos da fiscalidade associada à produção de imobiliário, a disponibilização de terrenos, mas as coisas levam tempo, e o acesso à habitação por parte de quem ainda não tem casa é uma emergência». Mas alerta para algumas opções «ineficazes ou contraproducentes, como a garantia pública para compra de habitação ou a redução do IMT. Se não aumenta a oferta e se facilita a procura, a pressão dos preços vai continuar a ser grande. Sou muito crítico em medidas que não se foquem em colocar casas a preços que as pessoas possam pagar». Defende a cedência de terrenos públicos e o incentivo da construção nova. Sobre o Simplex, está convencido de que «não é uma receita mágica», pois «mais do que um problema de licenciamento, temos um problema com as regras de construção, que torna mais difícil aos decisores públicos tomar decisões. Mas o Simplex é um passo». «Nada disto se fará sem que o acesso à habitação seja facilitado pelo crédito» António Ramalho está convencido de que «nada disto se fará sem que o acesso à habitação seja facilitado pelo crédito», assumindo o problema da taxa de esforço permitida. Considera que «o acesso não pode ser feito seguindo as mesmas regras da Alemanha. A taxa de esforço com que trabalhamos é exatamente a mesma de todos os países regulados pelo Banco Central Europeu, e não pode ser. Essa negociação será muito difícil». Seja como for, António Ramalho desvaloriza o mediatismo da crise na habitação. Com a descida das taxas de juro já anunciada pelo Banco Central Europeu, as prestações da habitação deverão aliviar em breve. «Os salários também vão subir, as famílias vão sentir algum alívio», e o tema deixará de ser tão mediático. Construção mais sustentável não tem de ser mais cara O desafio do combate às alterações climáticas soma-se a este cenário. Há que aumentar a oferta, mas ela deverá ser também mais sustentável. Enfrentando esta «ameaça clara», a Vanguard Properties tem apostado na construção industrializada e modular, e está a transitar do betão para a madeira, para reduzir a sua pegada carbónica. A industrialização trará vantagens ao nível dos tempos de construção, da mão-de-obra disponível, ou do custo final do produto. Manuel Collares Pereira, investigador e Scientific Advisor da promotora imobiliária, garante que a construção mais sustentável não tem de ser mais cara. «O custo final do meu produto pode ser, pelo menos, equivalente em preço para quem compra», lembrando que «em betão também posso fazer um edifício caríssimo», e que o custo não está diretamente ligado à questão da sustentabilidade. Outra parte da solução pode estar na criação de mais “cidades dos 15 minutos”, não necessariamente numa capital consolidada, mas em pequenos centros urbanos nas áreas metropolitanas. A redução das necessidades de deslocação e de emissões «é outra forma de resolver o problema». Manuel Collares Pereira considera que «temos de confiar no nosso engenho e na nossa criatividade, não podemos fechar as portas à inovação». Isaltino Morais: Falta oferta para outros segmentos Encerrando a Convenção, Isaltino Morais, presidente da Câmara Municipal de Oeiras, reconheceu a questão da habitação como «um problema político», e defendeu que «é preciso fazer construção nova, pública e privada, para quem precisa», e não só para quem tem um determinado poder de compra. O autarca acredita que a solução pode estar nos terrenos, que têm hoje custos muito elevados. Criticando a lei nº31/2014, lembrou que os custos do potencial construtivo dos edifícios degradados aumentaram muito desde então, «porque a lei terminou com os solos urbanizáveis, fez com que existam só terrenos rústicos ou terrenos urbanos. É importante falar nos custos dos terrenos», e disponibilizá-los para construir mais habitação.