Habitação: aprofundar o diálogo para qualificar as decisões

Portugal enfrenta uma crise na habitação, que não é de hoje, mas que os anos recentes agravaram. A uma subida consistente dos preços da habitação desde o pós-troika, com uma escalada no período pós pandemia que a inflação global dos últimos dois anos veio agravar – e que a subida acentuada das taxas de juro não foi, ainda, capaz de corrigir –, junta-se um labirinto burocrático que perdura, com enormes prejuízos sociais. Os arquitetos deparam-se com dificuldades estruturais no exercício da profissão. Uma profissão que é crescentemente exigente face ao complexo quadro regulatório existente. A isto somam-se as incompreensíveis demoras administrativas e processuais em todos os níveis da administração. Enquanto estes custos de contexto, que limitam o exercício da profissão, não forem eliminados será difícil que os arquitetos, profissionais fundamentais nas soluções para a Habitação, contribuam com todo o seu potencial e conhecimento. Temos, neste momento, mais de dois mil diplomas legais avulsos, que regulam ou impactam no exercício da profissão, e que limitam a atividade profissional. Nos licenciamentos tudo demora muito, demasiado tempo, o que não contribui para valorizar e dignificar a profissão de arquiteto, que na vasta maioria das vezes – para não dizer sempre – é totalmente alheia às enormes demoras nos prazos de licenciamento. Somos a favor da simplificação, mas a simplificação não pode ser feita sacrificando uma classe profissional, à qual são dados cada vez menos meios e cada vez mais responsabilidades. Finalmente, o "Mais Habitação" é muito ambicioso no papel, mas, no que respeita ao PRR, não oferece instrumentos que sejam verdadeiramente capazes de fazer a diferença que o país precisa. São 2,7 mil milhões de euros para reforçar o Parque Habitacional público – e para reabilitar fogos sem condições de habitabilidade –, mas ainda há menos de 3 meses assistimos a uma demissão do estado no que se refere a controlar a qualidade destas construções, com a alteração do código dos contratos públicos para generalizar o recurso ao regime de “conceção-construção”. E, por isso, há alguns indicadores positivos. Medidas que o setor reclama há muito e que, podendo ser menos claras para a sociedade em geral, são determinantes para os investidores e para os projetistas: promover a codificação da legislação num todo coerente, com a participação das ordens; desenvolver e implementar uma plataforma digital única e interoperável, de âmbito nacional, destinada às operações urbanísticas.Mas, por exemplo, o pacote de medidas não oferece condições claras para mitigar os custos de construção e oferecer habitações acessíveis. Sem medidas para corrigir essa distorção dificilmente teremos habitação acessível.Como referi no início: este pacote é um ponto de partida, não é, de todo, um ponto de chegada. Há muito por fazer para que o direito à habitação seja mais universal e mais pleno. A Ordem dos Arquitectos cá está para trabalhar com os poderes públicos e os decisores, mas não prescindirá nunca da sua liberdade e autonomia para apontar caminhos e soluções.

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