Há sinais positivos para o setor imobiliário no novo pacote legislativo para a habitação que o Governo já entregou no Parlamento, que será discutido em breve. Mas a clarificação das medidas e a sua continuidade no tempo são fundamentais para o seu sucesso e, no limite, para criar, efetivamente, mais oferta de habitação. Este foi um dos temas discutidos durante o pequeno-almoço executivo que a EY e a APPII organizaram em Lisboa a 11 de dezembro, sob o mote “Perspetivas e oportunidades no setor imobiliário: o que esperar de 2026?”. Fazendo um enquadramento do momento atual, Bruna Melo, da EY, recordou que o Governo já apresentou na Assembleia da República um pedido de autorização para fazer um conjunto de alterações em sede fiscal para incentivar a colocação de mais habitação no mercado. “São três grandes linhas de atuação: benefícios fiscais para a construção, venda e arrendamento a valores considerados moderados; um novo regime de contratos de investimento para arrendamento e um regime simplificado de arrendamento acessível”. Os especialistas do mercado têm-se mostrado otimistas com estas medidas, mas aguardam pela confirmação dos detalhes. Bruna Melo refere que “várias questões terão de ser discutidas e confirmadas no Parlamento, nomeadamente os prazos e a data a partir da qual o regime do IVA reduzido vigora”. Por outro lado, no que diz respeito ao agravamento da taxa de IMT na compra de habitação por não-residentes, considera que “é uma medida política e de negociação com o Parlamento”. Nota que o agravamento é para 7,5%, a taxa já aplicada a imóveis com valores superiores a 1,1 milhões de euros, "o que talvez não mexa muito o ponteiro [dos valores], mas a mensagem está passada lá para fora. Esta medida não fica bem num pacote que até parece ser bastante coerente”. Seja como for, considera que, neste pacote “muito focado em colocar mais casas no mercado, a medida da redução do IVA poderá ter o impacto mais significativo, não diretamente no preço, mas no lançamento de mais projetos. Fica a dúvida se esta é a melhor forma de apoiar o segmento que se pretende”. Cláudia Beirão Lopes, da Reify., vê estas medidas “com bons olhos, e acreditamos que teremos melhores condições para trabalhar”, mas defende que “o licenciamento e o projeto têm de estar no início da conversa, logo quando se começa a olhar para o terreno”, destacando a “grande importância” da due dilligence urbanística. “Não há pacotes de legislação que resistam se não começarmos a olhar com atenção para os projetos desde o início”. A responsável alerta também que “a maturidade urbanística das autarquias é muito relevante na sua capacidade em adaptar-se às novas exigências”, mas isso ainda não é comum. “Nas maiores câmaras do país, temos agora novos executivos, o que aumenta ainda mais o desafio, e nesse aspeto não estou tão otimista”, confessa. Paulo Jervell, da Openbook, concorda que “os modelos dos arquitetos têm de ser mais integrados e verticalizados, não devem ser meramente funcionais. Precisamos de mais diálogo entre todas as expertises”, e refere que “estes pacotes são ainda pouco previsíveis, tendo em conta as interpretações que podem ser feitas pelos técnicos, além da própria imprevisibilidade europeia. Precisamos de continuidade”. E defende um instrumento único de regulação urbanística para evitar a arbitrariedade na apreciação dos projetos. “Os técnicos deveriam fazer apenas validações, e é fundamental a articulação entre os diferentes órgãos de análise urbanística, não basta ter as regras bem definidas, a sua aplicabilidade está muito nas mãos do Governo. Há projetos que não saem do papel porque os instrumentos de regulação não são eficientes”. Do lado dos promotores, Miguel Santana, da Fidelidade Property, confessa que “estes cenários aumentam-nos o apetite, sim, mas depois vem a necessidade de estabilidade”, e recorda que “consumimos muito do nosso tempo com temas de fiscalidade e urbanismo”. Por isso, todo este novo pacote legislativo “tem de estabilizar, se não, será assustador para qualquer investidor”. Questionado sobre o interesse em desenvolver projetos de Build to Rent, que estão também contemplados e beneficiados nas novas medidas apresentadas pelo Governo, Miguel Santana admitiu que essa possibilidade está a ser discutida internamente na Fidelidade, e que se enquadra no posicionamento da seguradora, que “quer ser também um parceiro social. Está nos nossos planos poder fazer algo bem feito de raiz para arrendamento puro e duro”. Bruna Melo concluiu o debate referindo que “a prioridade é que este pacote saia o mais rapidamente possível, de forma clara e objetiva. Os promotores estão muito expectantes, mas é a sua clareza que vai permitir que funcione”.