Quais são hoje, no seu entender, os principais desafios habitacionais da cidade de Lisboa?
Relatórios do Observatório de Habitação Europeu revelam que vivemos uma crise habitacional desde 2015, com impacto na vida concreta das pessoas aumentando o risco de pobreza e exclusão social. Em 2017, 10,2% dos agregados familiares na UE gastaram mais de 40% do seu rendimento disponível em custos de habitação, mas esta percentagem aumenta para 37,8% quando se considera os agregados familiares em risco de pobreza.
É por isso inquestionável a necessidade do apoio social ao nível da habitação e de abordagens integradas que permitam dar respostas aos problemas existentes, alguns deles estruturais. Este talvez seja o momento ideal para repensar as políticas de habitação, a nível europeu, integrando-as no investimento previsto no Plano de Recuperação e Resiliência.
Os desafios em termos habitacionais são transversais às grandes cidades, nomeadamente às capitais dos países europeus. O grande fator diferencial de Lisboa é a capacidade de reação rápida, com uma ação forte e bem-sucedida, na criação de respostas habitacionais diversificadas, com sustentabilidade, qualidade e inovação.
Da construção de casas de última geração nos Bairros da Boavista, Padre Cruz e Cruz Vermelha – sustentáveis, modernas e que crescem com a família- à requalificação, em curso, de 30 bairros municipais - Programa “Aqui Há Mais Bairro”, à implementação do Programa Renda Acessível e do Programa Renda Segura, que viabilizam o acesso à habitação a jovens e famílias de classe média, é evidente o impacto positivo na regeneração urbana e na coesão territorial.
Esta estratégia municipal permite fixar população na cidade, diminuindo os movimentos pendulares entre a cidade e os concelhos limítrofes, com efeitos positivos na qualidade de vida das famílias e na qualidade ambiental, em toda a linha com a estratégia Lisboa, Capital Verde.
A GEBALIS completou 25 anos em 2020. Como encara este marco, e quais os principais focos/prioridades para os próximos anos? E porquê estas escolhas?
Enquanto gestor público é um privilégio fazer parte deste momento da empresa. São 25 anos de um trabalho por Lisboa, pelas comunidades dos bairros e pela melhoria da qualidade de vida dos seus residentes. Um trabalho quotidiano de proximidade que nos permite todos os dias impulsionar, participar e testemunhar o crescimento social e cívico das comunidades dos bairros, os projetos inovadores e empreendedores que nelas surgem, ao mesmo tempo que assistimos a uma operação ímpar de requalificação do património habitacional. São 25 anos a promover o crescimento sustentável da cidade.
Nos próximos anos manteremos o modelo de gestão próximo das pessoas, executando a estratégia do município, nosso acionista único, alicerçada nos eixos estratégicos core da empresa - promoção da vida coletiva e melhoria dos níveis de participação e coresponsabilização dos residentes e parceiros; a aposta na imagem pública dos bairros e da apropriação do património; a conservação, requalificação e inovação; a proximidade e orientação para os residentes.
Continuaremos a forte aposta na inovação, tanto nas metodologias ao nível da sociologia urbana e da ciência comportamental, como na aplicação das mais recentes e sustentáveis técnicas de reabilitação de edifícios e na aplicação de novas tecnologias para a gestão do património edificado.
Continuaremos a desenvolver iniciativas de elevado impacto como: o Programa Lotes ComVida – uma abordagem integrada de governação, com os residentes, na organização do seu lote; a aplicação da metodologia Nudge – em duas grandes áreas: alteração comportamental ao nível da utilização dos elevadores e no cumprimento regular do pagamento das rendas; o Community Champions League – uma parceria com a Fundação Benfica e as Juntas de Freguesia da cidade, desenvolvendo um projeto de desporto comunitário; o Projeto Radar da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa identificando a população 65+, as suas necessidades e expectativas; e o Programa LIFE- habitações para uso universal.
Orgulho-me de dizer que a equipa GEBALIS tem no seu ADN a capacidade de acompanhar as constantes alterações do tecido social das comunidades em que atua, estando sempre recetiva à implementação de novos projetos e metodologias inovadoras, com vista a resultados duradouros.
Quais as lições mais importantes que foram aprendidas pela Gebalis no passado, e que terão efeito no futuro?
Estas lições são essencialmente ao nível da gestão social. As pessoas assumem um papel preponderante e o trabalho nesta área pressupõe transformações todos os dias, quer sejam as das necessidades específicas das famílias, quer sejam as das comunidades em que estão inseridas. É por isso uma aprendizagem contínua que nos motiva a construir futuro todos os dias.
Do passado trazemos os nossos valores essenciais e algumas aprendizagens do que correu menos bem, de projetos que tendo corrido bem não foram impactantes e de outros que se foram adaptando às necessidades das pessoas e às inovações dos modelos de intervenção social. A nossa capacidade de acompanhar a realidade, tem permitido antecipar mutações mais relevantes, ajustando continuadamente a nossa intervenção.
Nesse sentido, há naturalmente matérias que têm merecido a nossa particular atenção sobre o ponto de vista de impacto no futuro, dos bairros e das comunidades, Como exemplo deixo dois grandes desafios, entre tantos outros, que têm exigido muita reflexão interna e desenvolvimento de métodos de trabalho inovadores: o envelhecimento da população residente nos nossos bairros e a vetustez do património.
Quantos fogos/empreendimentos gere atualmente a Gebalis? E como se espera que evolua este parque habitacional nos próximos anos?
Gerimos 66 bairros em Lisboa, de habitação pública municipal, cerca de 23 mil fogos, localizadas nas 24 freguesias da cidade e com uma população residente estimada em cerca de 64 mil pessoas. São mais de 3 200 prédios, 1 200 elevadores, mais de 1 000 espaços não habitacionais e mais de 91 000 m2 de estacionamentos integrados nos edifícios.
Considerando a bem-sucedida política de habitação que tem vindo a ser implementada pelo município, baseada na forte aposta no aumento de habitação disponível na cidade, podemos dizer que a tendência natural é para um crescimento do número de frações municipais.
Quais as principais novidades da Gebalis para os próximos tempos, nomeadamente em termos de programas municipais, ou no seguimento das políticas europeias, por exemplo?
Em termos de programas municipais continuaremos a executar aqueles que o município vier a adotar, colocando ao serviço todo o nosso know-how e capacidade de execução, característica que faz da GEBALIS uma empresa de grande centralidade no sector público da habitação.
No caso das políticas públicas europeias julgo que a nossa recente integração na Housing Europe, a Federação Europeia de Habitação Pública, que reúne cerca de 43.000 providers de habitação pública, social e cooperativa de 23 países, permite-me afirmar que, em conjunto com o município, estaremos na linha da frente, tanto na EU como em Portugal, para participar na discussão e desenho de novas políticas de habitação pública.
A reabilitação do parque edificado é uma das principais preocupações deste setor. Como tem sido feito este investimento nos últimos anos, e quanto prevê a autarquia investir nesta área nos próximos tempos?
No âmbito da atuação da GEBALIS, em termos de reabilitação, o município de Lisboa está a investir 52,5 milhões de euros no Programa de Requalificação de Bairros Municipais “Aqui há mais Bairro”, investimento ímpar executado pela GEBALIS. Até 2022 serão requalificados 30 bairros, com datas de construção diversas e com edifícios de diferentes volumetrias. Trata-se de uma operação de regeneração urbana de grande escala que beneficiará um total de mais de 9 000 frações e com impacto na vida de mais de 26 000 munícipes.
Este investimento contempla obras profundas nos edifícios – fachadas, coberturas e espaços comuns– e também nas redes de infraestruturas. São obras que aportam aos edifícios e às frações mais eficiência energética e mais qualidade de vida aos seus residentes.
Paralelamente ao Programa “Aqui há Mais Bairro” salientamos ainda o investimento de 1 milhão de euros para instalação e modernização de elevadores, já em execução.
Como avalia atualmente a necessidade de habitação acessível para o semento médio na cidade de Lisboa? O que está a ser feito pela Gebalis nesse sentido?
Há uma necessidade de habitação neste segmento, face à qual o município tem criado respostas muito amplas recorrendo a diversas soluções que permitem ampliar o número de fogos disponível: a reabilitação e mobilização de património municipal para atribuição através dos programas municipais; as parcerias com privados para construção de mais habitação; a reconversão de património público para habitação, como é o caso dos edifícios da Segurança Social na Av. EUA e Entrecampos; e, mais recentemente, o Programa Renda Segura, arrendando casas a proprietários privados e subarrendando-as no Programa Renda Acessível, com contratos cuja duração é igual ou superior a 5 anos. A GEBALIS é parte integrante desde esforço municipal, enquanto entidade gestora e na concretização da reabilitação, tanto do edificado dos bairros municipais como de fogos municipais.
A pandemia trouxe novas preocupações/desafios para a Gebalis no que toca à oferta de habitação para quem mais precisa?
A pandemia trouxe enormes desafios de gestão à GEBALIS. Um deles, o mais importante, foi manter a proximidade aos residentes continuando a acompanhar as famílias em situação de vulnerabilidade. Objetivo amplamente alcançado, com o profissionalismo e sentido de serviço público da equipa GEBALIS e com o trabalho de parceria com a Rede Social de Lisboa e com o Projeto Radar, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Outro foi ir ao encontro das famílias que manifestaram incumprimento no pagamento das rendas, desde o primeiro momento, e com elas aferir a diminuição de rendimentos e proceder aos necessários ajustes na renda.
Outro foi trabalhar o impacto económico da pandemia junto dos nossos arrendatários. Neste âmbito as medidas extraordinárias de apoio às famílias, às empresas e ao emprego, aprovadas pela Câmara Municipal de Lisboa e aplicadas pela GEBALIS permitiram aos residentes e comerciantes encarar este momento com mais tranquilidade. As medidas aplicadas pela GEBALIS fazem parte dos Programas Lisboa Protege e Lisboa Protege+ do Câmara Municipal de Lisboa, que mobilizou 90 milhões de euros para minorar os impactos na economia da cidade e na vida dos lisboetas, preparando o futuro DE Lisboa.
E no que toca as condições de habitabilidade, há novos fatores a ter em conta?
Há dois fatores preponderantes a ter em conta: o crescimento das famílias e o envelhecimento da população residente, e que necessariamente alteram os requisitos das condições de habitabilidade.
Em relação ao crescimento das famílias, os novos projetos de habitação publica municipal, como são exemplo as novas habitações dos Bairros da Boavista, Padre Cruz e Cruz Vermelha já contemplam este aspeto através da implementação das chamadas tipologias evolutivas. Casas construídas com divisões que podem ser separadas entre si criando novos espaços sem que a casa perca a sua organização espacial.
Em relação ao envelhecimento é um tema que se cruza com o nosso eixo de acessibilidades/mobilidade e que se aplica não só ao interior das casas, mas a todo o percurso até ela. Este eixo abarca a realização de pequenas obras nas casas que facilitam a vivência no interior das habitações com grande impacto na vida das pessoas - substituição de banheira por poliban, aplicação de pegas e cadeiras de banho, alargamento das portas, adaptação de estendais, relocalização de interruptores e tomadas - a construção de rampas ou instalação de plataformas elevatórias de acesso aos prédios e a manutenção e pleno funcionamento dos elevadores.
Ainda neste âmbito, realçar aquele que é o mais inovador programa da GEBALIS na área das condições de habitabilidade, o Programa LIFE. Lançado em 2010 incorpora princípios de inovação na requalificação de habitações para uso universal: adapta-as a qualquer realidade concreta e as necessidades especiais dos moradores com deficiências profundas.
Cumprindo 25 de existência, a GEBALIS prepara o seu futuro com base nas experiências do passado e as céleres respostas ao presente construindo assim uma base sólida para o sucesso da intervenção da empresa no futuro da cidade. Um sucesso que conta com o ativo mais importante da GEBALIS, os seus 222 trabalhadores.
Gerir aquele que é o bem maior na vida das famílias, a sua casa, coloca-nos um elevado grau de responsabilidade e de comprometimento com os princípios de eficácia e eficiência na prestação de um serviço público de qualidade e de gestão da coisa pública. O futuro trará desafios e também alguns obstáculos, mas é com a mesma resiliência dos últimos 25 anos que a eles a equipa GEBALIS saberá responder.