Incerteza continua a pressionar o investimento: desce -46% até setembro

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O contexto de incerteza global continua a pressionar o investimento em baixa, e Portugal não escapa à tendência internacional. Os investidores estão mais cautelosos e atrasam decisões de negócio, o que levou a que o investimento imobiliário comercial somasse os 1.050 milhões de euros entre janeiro e setembro, -46% face a igual período do ano passado.

De acordo com o mais recente Market Pulse, o relatório trimestral da JLL que analisa o desempenho do mercado imobiliário português na área do investimento, destes 1.050 milhões de euros, 275 foram investidos no terceiro trimestre. 39% do volume investido nos primeiros 9 meses do ano dizem respeito ao mercado hoteleiro, marcado por uma operação de aquisição de um portfólio que representa quase ¼ do volume total. O retalho somou outros 36%, também refletindo o peso de uma operação de um portfólio com 40 supermercados.

O capital estrangeiro representa 70% deste volume de investimento, quota que tem vindo a aumentar, especialmente no terceiro trimestre.

Por outro lado, as yields registaram uma expansão nos escritórios prime, comprimindo 75 pontos base em termos homólogos para 5%, aumentando 55 pontos base nos centros comerciais prime para 5,9%. Nos hotéis, a yield foi de 5,65%.

Esta descida do volume de investimento «resulta, de uma postura mais cautelosa dos investidores e de um atraso na concretização de muitas operações, reflexo da crescente incerteza devido ao quadro macroeconómico e geopolítico, numa tendência que é global e que está a afetar também Portugal».

Pedro Lancastre, CEO da JLL Portugal, comenta em comunicado que «os resultados do 3º trimestre não surpreendem. Os ciclos económicos afetam o mercado imobiliário e o final do 1º semestre já deu sinais de abrandamento na atividade transacional de ocupação e investimento». Analisa que «apesar de a pressão inflacionista estar a aliviar e de o BCE não ter subido os juros na última reunião, continua a haver muita incerteza em relação à evolução macroeconómica e em como os consumidores de imóveis, sejam empresas sejam famílias, e a banca se vão adaptar. Naturalmente que isso coloca os operadores em alerta e aumenta os níveis de cautela, atrasando decisões, reformulando planos e reajustando processos».

O responsável da JLL completa ainda que «este é um sentimento que predomina a nível global e não apenas em Portugal. Em reflexo do percurso que fizemos nos últimos anos, somos um mercado de exposição internacional e não somos imunes às tendências que afetam as estratégias de alocação de capital. Não é uma questão de perda de atratividade ou de fragilidade dos nossos indicadores de desempenho», garante.

Pedro Lancastre dá, inclusive, o exemplo do mercado de escritórios, onde esta tendência é mais visível: «uma área onde temos seguido a tendência europeia de retração de atividade num quadro de desafios macroeconómicos acrescidos».

Por seu turno, Joana Fonseca, Head of Strategic Consultancy & Research da JLL, nota que «de qualquer forma, nos escritórios e na habitação, principalmente, o principal impacto desta envolvente mais pressionante tem sido observada na perda de volume, realizando-se menos transações do que na média dos anos anteriores. Os indicadores de valorização, ou seja, os preços e as rendas, têm-se mantido estáveis ou até crescido, com ajustes apenas em segmentos e localizações mais secundárias».

“O mais preocupante é que não se veem soluções de incentivo que permitam estimular o crescimento da oferta”

Nos meses em análise, o mercado de escritórios, sem prejuízo de uma quebra no take-up de 70% em Lisboa, esta região segurou a renda prime nos 27 euros por metro quadrado. No Porto, a absorção desceu -10%, e a renda prime subiu ligeiramente para os 19 euros por metro quadrado.

Sobre os restantes segmentos, Joana Fonseca nota que «a logística mantém um bom desempenho, que é pressionado apenas pelas limitações da oferta disponível», razão pela qual as rendas voltaram a crescer em quase todas as zonas no 3º trimestre apesar de uma ligeira quebra nos níveis de absorção. A renda mais elevada na região de Lisboa é atingida no eixo Carnaxide-Alfragide e Lisboa-cidade, em 6,25€/m². No eixo Norte do Porto atinge os 4,75€/m².

Já os setores da hotelaria e retalho, os mais afetados durante a pandemia, «seguem em rota de recuperação», apesar da conjuntura macroeconómica: «os fluxos turísticos voltaram a estar alinhados com o melhor ano pré-Covid, garantindo diárias e retornos históricos, ao passo que, no comércio, os retalhistas continuam a procurar lojas, num momento em que, apesar da perda de poder de compra das famílias, as vendas a retalho sustentam os níveis de 2022».

Quanto à habitação, os preços de venda mantiveram-se estabilizados (em Lisboa( nos 4.580 euros por metro quadrado, e nos 3.030 euros no Porto, uma contração marginal de 2% face ao período homólogo.

Para Pedro Lancastre, «o comportamento das rendas e preços num quadro de adversidade macroeconómica comprova que temos um mercado maduro, com uma base sólida de procura, mas também que continuamos a enfrentar um problema grave de falta de oferta, que sustenta os níveis de valorização num momento de quebra de atividade». Contudo, na sua perspetiva, o «mais preocupante é que não se vêm soluções de incentivo que permitam estimular o crescimento da oferta a curto e médio-prazo, especialmente na habitação, onde a falta de imóveis tem estado na base do encarecimento do mercado e restringido o acesso de muitos consumidores. A criação de nova oferta tem de ser feita pelos privados, mas há que criar condições para que estes investimentos sejam concretizados», defende o CEO da JLL Portugal.

Cenário de incerteza deverá continuar

Joana Fonseca afirma ser «difícil traçar perspetivas» para o resto do ano. «Sabemos que apesar de algum alívio no crescimento da inflação e no aumento dos juros, não estamos ainda em terreno de estabilização destes indicadores e não podemos estar certos de como vão evoluir. Este é um cenário de grande incerteza que abala a confiança dos investidores, e em que efetivamente há uma redução dos rendimentos disponíveis das famílias e maiores dificuldades de acesso a financiamento. Contudo, há uma outra coisa que sabemos: o mercado imobiliário é muito resiliente e já deu provas da sua capacidade de enfrentar conjunturas adversas com sucesso».