José Mendes: Habitação “não pode estar em competição” com o turismo

Portugal enfrenta hoje um grave problema de falta de oferta de habitação, mas o crescimento do turismo não é o culpado direto, e os dois não devem competir um com o outro. É o que acredita José Mendes, ex-secretário de Estado do Planeamento, Adjunto e da Mobilidade e do Ambiente. José Mendes foi o orador convidado da 46ª Executive Breakfast Session que a APPII organizou em outubro na loja da Cosentino, em Lisboa, sob o mote “Habitação e turismo: duas faces de um desafio existencial”. Defende que «a habitação não pode estar em competição com o ‘core’ da nossa competitividade», e que o turismo é «um valor seguro. Diversificou-se muito em Portugal nos últimos anos, teve as suas consequências nas cidades, mas qualquer atividade ‘core’ tem as suas externalidades», que devem ser tidas em conta. O turismo é essencial, mas José Mendes acredita que «não estamos falhados se o turismo cair. Mas é uma atividade extremamente resiliente, e talvez seja a indústria mais antiga do mundo. É muito distribuída no território, e dá muito emprego». Seja como for, «somos um país diferenciador, um país europeu, muito seguro, com clima agradável, e temos de aproveitar os nossos elementos diferenciadores, quer para residentes permanentes, quer para residentes temporários. Acho que vamos fazendo o nosso caminho», completa. Falta de oferta de habitação é “o ponto mais crítico” A par desta dinâmica, os preços da habitação continuam a subir, como em vários países, e «o nosso rendimento disponível não acompanha» essa subida. «Temos mais procura que oferta, e mais agregados familiares, porque as famílias são hoje mais pequenas», e isso pressiona os preços em alta. «A escassez de oferta é, para mim, o ponto mais crítico», afirma José Mendes, que recorda que «muitas empresas de construção desapareceram, e com esse redimensionamento do setor perdemos capacidade de execução, e não temos construção suficiente». Por outro lado, quem constrói hoje enfrenta um «sistema administrativo que ficou bastante mais complexo. Os processos de licenciamento são muito difíceis, e o ‘time to market’ é demasiado grande». Nos últimos anos, admite que «os governos não têm feito o necessário, e apontam sempre para os ‘alvos fáceis’ que não respondem nem se manifestam», como os investidores estrangeiros. Acredita que o programa “Mais Habitação” é «uma tentativa genuína de resolver o problema, mas tem um grande problema de inexperiência». José Mendes aponta que este pacote «tem vários problemas e é insipiente, as alterações não alteram as bases da equação do setor, e o problema mantém-se do lado da promoção. O veto presidencial foi uma ótima oportunidade [perdida] para rever o programa». Medidas dos Vistos Gold e AL “são trágicas” Uma das medidas que critica é a do arrendamento coercivo, mas ressalva que «sabemos que dificilmente se consegue que o Estado faça alguma coisa, pois as entidades que tutelam o património do Estado não estão interessadas. É um erro de comunicação», considera. Já as medidas para o mercado do alojamento local e o fim dos Vistos Gold considera «trágicas». Recorda que o AL tem estado «debaixo de fogo nos últimos anos, mas foi o AL que recuperou as nossas cidades, isso só aconteceu desde que houve uma equação financeira que permitiu realizar isso, temos de ter isso em conta». Quanto aos Vistos Gold, considera que são um dos «alvos fáceis». O investimento já feito nos últimos 10 anos, de cerca de 6.000 milhões de euros, «não é significativo no conjunto das transações» de habitação, por isso diz não compreender «como é que ‘contamina’ todas as outras transações. São segmentos de mercado que não se confundem». E remata ainda que «Achar que as transações contaminam o conjunto total é algo que não tem demonstração estatística». Regime do Residente Não Habitual: “O dano reputacional já está feito” José Mendes não apoia a medida do fim do Regime do Residente Não Habitual (RNH), previsto no Orçamento do Estado para o próximo ano, pois considera que «ficamos todos mais pobres». Aponta que «estas pessoas têm benefícios no IRS, mas não têm mais isenções, pagam tudo o resto como qualquer pessoa, e são uma fonte de receitas. E nós precisamos de estrangeiros, têm impacto nas transferências sociais, na economia». Mas acredita que os termos efetivos da medida podem não ser tão rígidos ou danosos para o investimento imobiliário. Ainda assim, «o dano reputacional está lá», e «temos de ter cuidado com os sinais que damos e com os danos reputacionais», pois «as montanhas russas não dão confiança a ninguém» para investir, num mundo de «grande concorrência». Acredita que «eram precisos mais consensos e mais trabalho de concertação». E apesar de considerar que «os investidores que já nos conhecem há algum tempo não se devem assustar tanto», considera que «o setor não se deve calar».

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