Intermediação de crédito afirma-se como instrumento de confiança no acesso à habitação

A Finance21 reuniu esta quarta-feira, em Lisboa, especialistas e decisores para debater “O Futuro do Crédito à Habitação”. Em foco estiveram o papel dos intermediários de crédito na transformação do mercado, a inovação e o compliance como fatores de confiança, bem como o impacto das políticas públicas no acesso à habitação. A Secretária de Estado da Habitação, Patrícia Costa, esteve presente na conferência. Transformar o desafio da habitação numa oportunidade coletiva foi a ideia central deixada pela Secretária de Estado da Habitação. Portugal vive hoje uma crise de “falta de oferta, desajuste entre as casas disponíveis e as necessidades das famílias e ainda dificuldades no acesso à habitação”. Nesse contexto, recordou que o crédito à habitação, aliado ao desenvolvimento da propriedade horizontal, “desempenhou um papel fundamental na democratização do acesso à casa própria. Os bancos nacionais tiveram também um papel-chave no financiamento da construção e, depois, no acesso ao crédito pelas famílias. Este financiamento permitiu criar uma infraestrutura de parque habitacional e fomentou a mobilidade social e a criação de gerações mais qualificadas”. “Há uma grande falta de confiança no mercado de arrendamento. É um dos “nós” que temos de trabalhar: o arrendamento urbano” O arrendamento urbano foi outro dos pontos em destaque. “Há uma grande falta de confiança no mercado de arrendamento. É preciso estabilidade legislativa, segurança jurídica e equilíbrio entre senhorios e arrendatários”, defendeu Patrícia Costa, recordando que “no tempo dos prédios pombalinos, já construíamos prédios de rendimento, destinados ao arrendamento urbano. A conjuntura mudou, a cadeia de produção mudou, mas o foco continua a ser o mesmo: criar um produto que seja disponibilizado no mercado a um preço que as famílias consigam pagar”. Como referiu, “a conjuntura mudou, o contexto mudou, e nós próprios temos de mudar: mudar o paradigma da construção e a imagem das nossas cidades. Conseguimos ter qualidade habitacional desde que seja definida, planeada e feita a preços que as famílias consigam pagar”. “O arrendamento acessível tem de ser totalmente reforçado, para ser um produto interessante tanto para particulares como para investidores. Estamos a avançar em todas as frentes para criar um mercado de arrendamento com condições que as famílias possam pagar” Destacou a necessidade de terrenos a preços acessíveis, sem os quais “não haverá habitação a preços acessíveis” e sublinhou ainda o reforço do arrendamento acessível, “para ser um produto interessante tanto para particulares como para investidores. Há grande vontade de investidores em entrar no mercado de arrendamento”. O Governo está a trabalhar com o Banco Europeu de Investimento num contrato de 1.340 milhões de euros para financiar habitação a custos controlados, que será “uma bandeira nos próximos anos”. Em paralelo, Patrícia Costa estão a ser desenhadas parcerias público-privadas para colocar património devoluto do Estado ao serviço das famílias: “este património será disponibilizado em concursos públicos, para que o concessionário construa e arrende”. Patrícia Costa reforçou, por fim, que “temos de reanimar toda a cadeia de produção e a fileira da construção. Temos de lhe devolver o papel de motor da economia, que já foi seu, mas que, por várias vicissitudes, acabou por ser desmantelado. Desejo que todos, em conjunto, consigamos voltar a ter um mercado de habitação que sirva as nossas famílias”. “O crédito à habitação é aquele que mais se destina à concretização dos sonhos das pessoas” O crédito à habitação continua a ser um dos pilares do desenvolvimento económico e social em Portugal, sublinhou António Ramalho, membro do Advisory Board da Century 21. “Hoje temos dois milhões de famílias com casa própria, e essas já liquidaram integralmente os seus créditos. Representam, provavelmente, o maior centro de poupança em Portugal”, afirmou, destacando este instrumento como “um dos grandes casos de sucesso do país”. Para o responsável, o crédito à habitação tem um peso simbólico, no entanto, alertou para a gravidade da crise atual, “maior e mais profunda do que parece”, porque cria uma clivagem entre quem tem acesso e quem não tem. “Pode surgir uma convulsão social em toda a Europa. Desenganem-se aqueles que pensam poder resolver esta situação sem recurso ao crédito, porque a obtenção de uma casa, naturalmente mais relevante no início da vida, significa que essa poupança ainda não existe”, afirmou. Nesse enquadramento, António Ramalho destacou a aposta da Century 21 numa estratégia de intermediação de crédito, materializada na criação da Finance 21. “Queremos dar às pessoas um sonho que não se transforme num pesadelo”, sublinhou, apontando três prioridades para a nova unidade: regulação do mercado, sofisticação do produto e elevado profissionalismo dos agentes. A Administradora do Banco de Portugal, Francisca Guedes da Silva, também marcou presença no evento. A excessiva burocracia e a necessidade de simplificação marcaram a sua intervenção: “há burocracia a mais, requisitos a mais. Nestes seis mil intermediários, cada vez que surge um novo, a quantidade de requisitos que temos de validar é brutal”. A responsável apontou ainda “muito desconhecimento nos intermediários não vinculados e, no crédito à habitação, sobretudo nos acessórios”, acrescentando que “há uma relação com o cliente que nem sempre é clara, falta transparência no mercado quanto à forma como os intermediários são remunerados. Vamos propor uma série de alterações no sentido de maior eficácia, transparência e simplificação”. Francisca Guedes Oliveira explicou ainda que estas propostas estão a ser construídas de forma colaborativa: “Nada disto é pensado apenas nos escritórios, sem falar com ninguém. Falar com todos faz parte do processo”. “Queremos facilitar o nosso trabalho e o dos intermediários, simplificar a burocracia” O objetivo, sublinhou, é múltiplo. “Queremos facilitar o nosso trabalho e o dos intermediários, simplificar a burocracia, envolver mais as entidades mutuantes, garantir uma comunicação mais célere, automática e digital - muitas coisas ainda são feitas por carta registada - e apostar na pedagogia, porque muitas vezes existe desconhecimento”. Do lado do cliente, a prioridade é a clareza: “É fundamental que o cliente perceba exatamente o serviço que está a usar”. A administradora do Banco de Portugal salientou ainda o crescimento da intermediação: “Quase 60% dos contratos de crédito à habitação foram intermediados”. Também destacou o peso dos jovens neste segmento: “em 2024 e no primeiro trimestre de 2025, 54% do novo crédito foi concedido a jovens até aos 35 anos. As medidas fiscais contribuíram para isso”. Questionada sobre o impacto destas medidas nos preços da casas, reconheceu que “o excesso de procura faz os preços aumentar”, mas sublinhou que “há vários fatores que contribuem para a subida do valor das casas”. Inovação e ética podem transformar o acesso à habitação O papel da mediação e da intermediação de crédito na vida das famílias esteve em destaque na intervenção de Ricardo Sousa, CEO da Century 21 e da Finance 21. “Estamos num momento determinante da vida das pessoas, que é a compra ou venda da casa; assumimos esta responsabilidade do lado da solução, da inovação e da criatividade, e não do lado da crítica”, afirmou. Ricardo Sousa destacou a importância do intermediário de crédito como guia no processo e na literacia financeira das famílias. No entanto, reconheceu que “o processo é ainda muito lento e burocrático”, sobretudo entre a viabilidade e a escritura da casa. “Hoje temos muitos clientes que estão a perder as suas casas por esta demora. A tecnologia já nos permite encurtar tempos, com recolha de documentação de fontes oficiais de forma automatizada”. A ligação entre mediação imobiliária e intermediação de crédito foi sublinhada como decisiva para ganhar eficiência e segurança. “O agente imobiliário angaria a casa e prepara-a para venda; quando chega o momento de concretizar, um lado do processo já está totalmente validado”, explicou. “A tecnologia vai permitir ao intermediário de crédito dar mais tempo ao seu cliente” Durante a pandemia, recordou, “o processo de avaliações e aberturas de contas facilitou-se e a banca abriu as portas dos seus sistemas informáticos, permitindo através de APIs comunicar diretamente e apresentar todas as propostas ao cliente no momento em que fala com o intermediário de crédito”. Na sua perspetiva, a tecnologia é uma aliada essencial, uma vez que “vai permitir ao intermediário de crédito dar tempo ao seu cliente. Facilita, elimina tudo o que é opaco e subjetivo, e dá-nos maior rigor e controlo sobre o que circula”. Ricardo Sousa sublinhou ainda a resiliência dos portugueses no mercado, na sua capacidade de se adaptarem. “Porque razão estão a ocorrer tantas transações? As transações são com os portugueses. Estamos a ajustar critérios, a procurar casas mais pequenas, a mudar de zonas. Mas se não fizermos nada, facilmente antecipamos uma contração do número de vendas no final deste ano e em 2026, não por falta de vontade, mas porque a taxa de esforço não acompanha os preços das casas disponíveis”. Quanto ao aumento do preço das casas, considerou que a análise deve ser feita com cautela: “Os preços das casas subiram, sim, mas subiram porque alguém comprou, remodelou, acrescentou valor, melhorou a eficiência energética e colocou o imóvel no mercado com valor superior. A interpretação dos números é complexa”. O CEO da Century 21 e da Finance 21 defendeu ainda o reforço da confiança no setor. “Há uma confiança cada vez maior das pessoas no agente imobiliário e no intermediário de crédito. Por isso certificámos a nossa empresa como entidade formadora, para garantir formação contínua dos nossos intermediários e agentes imobiliários, ajudando cada um a perceber melhor o seu papel”. Crédito à habitação cresceu 42% no primeiro semestre O crédito à habitação registou um crescimento expressivo de 42% no primeiro semestre de 2025, face ao mesmo período do ano anterior, já descontando o efeito das renegociações. A conclusão foi deixada por Ricardo Guimarães, Diretor da Confidencial Imobiliário, que destacou que “o crédito teve uma performance acima daquilo que foi a realidade do mercado, superando os 19% de aumento no número de transações de habitação”. Segundo o responsável, a leitura dos dados da Confidencial Imobiliário mostra que o crédito tem evoluído de forma saudável, sem sinais de desequilíbrio. “Não podemos imputar ao crédito uma situação de bolha. Desde 2015, a correlação entre a evolução do crédito e dos preços é negativa, na ordem dos -70%. Quando uma variável acelera, a outra desacelera”, explicou. Ricardo Guimarães sublinhou que o peso do crédito nas transações caiu de 80% antes da crise financeira para cerca de 50% desde 2017, valor que se mantém estável. “O crédito tem sido uma solução, mas não tem a relação umbilical com o mercado que teve no passado. Não há hoje uma alavancagem excessiva como a que se verificou antes da crise financeira”. O papel dos jovens foi também destacado. A garantia jovem do Estado já representa 21% do total dos contratos de crédito e 39% entre os mutuários até 35 anos, o que significa que “mais de metade do novo crédito à habitação é concedido a jovens”. Para Ricardo Guimarães, este é um sinal de eficácia da medida: “Os jovens que têm rendimento mas não tinham poupança conseguem agora aceder à habitação com a garantia adicional”. O responsável destacou ainda a necessidade de analisar o crédito à escala local, já que a dependência varia muito entre territórios: “Há concelhos onde o crédito pesa 30% e outros onde ultrapassa os 100%. Isto mostra que podem existir mercados locais mais sujeitos a riscos, mas em termos agregados não se verifica um perfil de bolha”. O responsável reforçou que o crédito tem desempenhado “um papel positivo no mercado” e que não existem sinais de alavancagem excessiva: “o mercado não está em bolha. Mas há trabalho a fazer na produção de dados e na leitura detalhada da realidade, para podermos ser mais úteis e relevantes”. “Os clientes foram os grandes vencedores da parceria com os intermediários de crédito” Na mesa-redonda de debate “O futuro do crédito à habitação”, o CEO do BPI, João Pedro Oliveira e Costa, afirmou que a relação entre a banca e os intermediários de crédito assenta na qualidade de serviço e na confiança. “Se os intermediários de crédito fossem apenas uns comissionistas, hoje já não teríamos esta parceria. O que temos verificado é que se trata de relações de médio e longo prazo, que vão criando confiança e integração entre intermediários e os processos dos bancos”, sublinhou. “Quando conseguimos juntar a análise do risco, do rendimento, toda a parte processual e o acompanhamento próximo do cliente com o trabalho do banco, proporcionamos um serviço muito melhor. Hoje o serviço prestado nesta área é claramente melhor graças aos intermediários de crédito”, acrescentou o CEO do BPI. Sobre o crescimento da intermediação, Luís Pereira Coutinho, da comissão executiva da Caixa Geral de Depósitos (CGD), reconheceu que “mais de 50% do crédito já é feito através deste canal”, salientando a proximidade dos intermediários ao cliente. “Conhecem bem as suas preocupações e dificuldades e desempenham um papel fundamental na ligação entre o banco e o cliente final. Os clientes gostam, estão satisfeitos e recebem um serviço útil. No fim do dia, o que nos interessa é exclusivamente o interesse dos clientes”. Já Rui Fontes, Chief Credit Officer no novobanco, sublinhou a relação do banco com os intermediários de crédito, considerando-os “parceiros fundamentais”, pois “ajudam-nos a chegar a clientes que, de outra forma, não conseguiríamos alcançar, e permitem-nos apresentar soluções de forma mais eficiente”. Face ao crescimento do peso dos intermediários no mercado, o banco reconhece o sucesso do canal. “Hoje já conseguimos dar respostas rápidas, com pré-validações nos sites e processos comerciais que podem ser concluídos em 24 horas. Mesmo nos casos mais complexos, conseguimos apresentar soluções adequadas”, referiu Rui Fontes. Por outro lado, Rui Teixeira, membro da Comissão Executiva do Millennium bcp, afirmou que a banca não se surpreende com o crescimento dos intermediários de crédito, pois “sempre trabalhámos num contexto em que a referenciação feita pelos mediadores já existia. Agora essa função está regulada, supervisionada e transparente, e isso é o que lhe traz valor acrescentado”. O responsável destacou que mais de 80% das aprovações de crédito à habitação do banco são feitas online, sem intervenção humana, graças à tecnologia e processos desenvolvidos. “A grande mudança é termos intermediários especializados e autónomos, capazes de apoiar os clientes na filtragem do risco e na literacia financeira”, acrescentou. Miguel Belo de Carvalho, administrador executivo do Santander, sublinhou que a regulação dos intermediários de crédito veio “normalizar e definir regras, o que foi uma grande iniciativa”. Para o responsável, não houve uma mudança de paradigma no conceito de parceria, mas sim na forma como estas relações se concretizam. “O Santander trabalha há mais de 25 anos com intermediários e cerca de 30% a 40% da produção que fazemos vem de não clientes, muitos através desta via”, afirmou. O responsável destacou ainda a rapidez dos processos, sendo que “atualmente, 95% das nossas operações são aprovadas automaticamente. Conseguimos prazos médios de 33 a 34 dias entre a decisão de comprar a casa e a escritura, incluindo o período de reflexão obrigatório por lei”.

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