Habitação em Lisboa e Porto evidencia “exuberância de preços”

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Os preços da habitação estão sobrevalorizados em algumas zonas do país, nomeadamente em Lisboa e Porto, conclui um novo relatório da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre “A crise da habitação nas grandes cidades”.

Os autores do relatório concluem, através dos modelos utilizados nesta análise, que «os preços da habitação em Portugal estão acima do que seria explicado pelos fatores macroeconómicos, sugerindo uma possível sobrevalorização do preço das casas». Durante a pandemia, «identificaram-se períodos de exuberância nos preços da habitação em Lisboa e no Porto, que se mantêm no final de 2022».

Uma primeira análise concluiu que, a partir de 2017, os preços da habitação «estão claramente acima daquilo que os determinantes utilizados conseguem explicar», sobrevalorização esta que se esbateu um pouco no final de 2022. Mas os autores do estudo recorreram a um teste econométrico concebido «especificamente para analisar a existência de períodos de exuberância para Lisboa, Porto e respetivas áreas metropolitanas ao longo de quase três décadas». E este teste, que recorre também a dados da Confidencial Imobiliário, «deteta esse tipo de comportamento exuberante nos preços da habitação em Lisboa e no Porto no final de 2022».

Acesso à habitação agravou-se especialmente desde 2017

«O aumento dos preços das casas a partir de 2017 em Portugal levou a uma deterioração na acessibilidade ao mercado de habitação, tanto na aquisição como no arrendamento, especialmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto». Ou seja, «as famílias precisam de gastar uma maior percentagem do seu rendimento para comprar ou alugar uma casa. Por exemplo, o rendimento necessário para adquirir uma habitação mediana aumentou consideravelmente nos últimos anos». Um mercado que, nos últimos anos, sofreu várias alterações demográficas, como uma diminuição nos pedidos de crédito por parte dos mais jovens e aumento do número de agregados familiares mais velhos. «Hoje, um jovem (ou casal), para adquirir ou arrendar casa, tem de estar inserido com muito sucesso no mercado de trabalho; no caso de aquisição, tem de ser capaz de acumular poupanças a um ritmo acelerado, ou obter financiamento particular, muitas vezes proveniente do seu contexto familiar», refere o estudo.

É de salientar a subida do investimento estrangeiro em imóveis dos últimos anos, principalmente por parte de europeus. «O investimento é primordialmente executado por cidadãos europeus, que têm direitos constituídos, e impossíveis de limitar a nível nacional, para aceder ao mercado, sendo os Vistos Gold uma parte reduzida desse investimento». Assim como o aumento do uso do parque habitacional para atividades turísticas, como o alojamento local, o que teve «um impacto significativo nos preços das habitações (aquisição e arrendamento), especialmente em áreas turísticas».

Pouca construção é um dos principais motivos para a falta de habitação

De acordo com o estudo, Portugal é, a par de vários países europeus, «um mercado com uma oferta inelástica, ou seja, em que esta se expande pouco perante as subidas de preços, tornando-os mais voláteis». O agravamento do acesso à habitação em Portugal e o contínuo aumento dos preços «resulta particularmente do efeito da pressão da procura por habitação e de uma relativamente fraca dinâmica de oferta de casas». Prova disso, é que foram construídas 150.000 casas entre 2013 e 2022, e 630.000 na década anterior. Dinâmica para a qual têm contribuído, o aumento dos custos de construção, dos materiais e da mão-de-obra, o enquadramento regulatório do arrendamento e da construção, a evolução da rentabilidade e segurança dos investimentos e o sistema tributário associado.

Este forte abrandamento da construção é, segundo o estudo, transversal a todas as regiões do país, «em parte resultado do foco no processo mais moroso, complexo, mas necessário da reabilitação urbana», mas também resultou «de vários condicionalismos, nomeadamente de uma maior restrição financeira ao setor da construção, e de prováveis cicatrizes ainda existentes da crise financeira, que resultaram numa perda da capacidade instalada do setor. Assim, o parque habitacional evidencia alguma dinâmica de envelhecimento, de maior reabilitação e menor construção nova».

Burocracias condicionam o mercado da habitação

De acordo com os vários especialistas do mercado imobiliário consultados no âmbito deste estudo, a morosidade dos processos e excesso de burocracia é um dos principais entraves à atividade e à colocação de mais oferta de habitação, assim como a imprevisibilidade nos processos de licenciamento, que variam muito entre municípios: «é teoricamente possível que o mesmo processo a correr termos no mesmo município possa ter desfechos significativamente diferentes do ponto de vista temporal consoante os técnicos concretos que os analisam».

«É teoricamente possível que o mesmo processo a correr termos no mesmo município possa ter desfechos significativamente diferentes do ponto de vista temporal»

Assim como a pouca estabilidade legislativa, já que o quadro legal «passa por frequentes alterações ao longo do tempo e pode ser pouco claro para investidores. A falta de confiança resultante dessa instabilidade afasta potenciais investidores, especialmente seguradoras e fundos de pensões, que necessitam de previsibilidade para garantir o retorno dos seus investimentos a longo prazo».

Por outro lado, a fiscalidade elevada, já que «em comparação com outras jurisdições, Portugal enfrenta um nível elevado de taxação no setor imobiliário», nomeadamente o IVA de 23% na construção nova não dedutível, ou o IMI e IMT.

É também apontada a dificuldade de acesso ao financiamento bancário, principalmente agora em contexto de taxas de juro elevadas.

“Medidas absolutas para limitar a procura não são eficazes nem desejáveis”

Segundo os autores, «não existem soluções imediatas para o problema de acessibilidade, que previsivelmente continuará a agravar-se nos próximos anos. Lidar com este problema requer uma visão de longo prazo e exige uma abordagem integrada: a nível macro, por meio de políticas governamentais e municipais coerentes, e a nível micro, através de projetos individuais».

No curto prazo, defendem que «a estratégia deve ser direcionada para políticas do lado da procura, que apoiem, num horizonte temporal limitado e definido, as famílias em situações mais débeis, enquanto as bases da estratégia de médio prazo são implementadas e começam a surtir os seus efeitos». Nomeadamente a subsidiação na aquisição, tendo em conta a subida galopante dos juros, ou no arrendamento.

«Não existem soluções imediatas para o problema de acessibilidade, que previsivelmente continuará a agravar-se nos próximos anos»

Sobre o controlo de rendas, o estudo defende que este «deve ser de curta duração, circunscrito a limitação de crescimento de rendas e, idealmente, complementado com um regime mais flexível de proteção de arrendatários a implementar no médio prazo», pois «o risco de efeitos negativos é particularmente elevado».

Já a médio prazo, «deve ser implementada uma estratégia assente na expansão da oferta efetiva (pública e privada), num aumento da sua elasticidade, num planeamento das cidades que queremos ter, numa política integrada de provisão de sistemas de transportes sustentáveis e de bens e serviços públicos, e providenciando qualidade habitacional aos cidadãos de forma sustentável, inclusiva, harmoniosa, acessível e com menor volatilidade de preços e rendas». É defendido o estímulo a projetos de “build to rent” «com garantias reais de estabilidade fiscal num horizonte temporal alargado», ou o aumento do parque habitacional público e estabilidade fiscal geral. Mas salientam que «soluções do lado da oferta são fundamentais, mas não garantem respostas imediatas para o problema da acessibilidade».

«Soluções do lado da oferta são fundamentais, mas não garantem respostas imediatas para o problema da acessibilidade».

E os autores estão convictos de que «medidas absolutas para limitar a procura quer no alojamento local quer por parte de estrangeiros não são eficazes nem desejáveis, devido, por um lado, à grande heterogeneidade espacial do alojamento local e, por outro, à incapacidade de implementar limitações à entrada de estrangeiros nos mercados de habitação e ao reduzido impacto que teriam essas limitações e correspondente alteração da fiscalidade específica».

Sobre o alojamento local em particular, os autores defendem que as restrições «devem ser adotadas a nível local atendendo à realidade de cada bairro/freguesia, procurando proteger as unidades de maior valor acrescentado e os investimentos passados, e evitando uma excessiva gentrificação turística».

«Importa repensar o valor económico obtido pela fiscalidade mais favorável atribuída a cidadãos estrangeiros no regime de residente não habitual».

Por outro lado, «restrições absolutas à procura de estrangeiros são de evitar, porque deprimem a atividade económica e têm impacto reduzido, dados os direitos constituídos a nível europeu. Porém, importa repensar o valor económico obtido pela fiscalidade mais favorável atribuída a cidadãos estrangeiros no regime de residente não habitual».