Especialistas concordam que "é tempo de acelerar a construção de habitação"

Na conferência "Acelerar a construção de habitação", promovido pelo Grupo Casais e que se realizou na terça-feira na Ordem dos Engenheiros, em Lisboa, especialistas sublinharam a necessidade urgente de acelerar a construção de habitação em Portugal. Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário, abriu a discussão refletindo sobre as lições que podem ser extraídas da crise financeira. «Uma das lições que podemos tirar da crise financeira é que a situação em cada momento não é necessariamente uma situação de longo prazo», alertou, enfatizando que «quem assumiu a crise como uma situação de longo prazo e vendeu ativos, certamente arrependeu-se de o ter feito». Com a subida das taxas de juro, observou-se uma queda nas transações de imóveis, passando de cerca de 44 mil no pico de 2021 para 33 mil no final de 2023. «Tivemos crise atrás de crise», destacou, referindo-se à expectativa de que essas crises poderiam trazer soluções para os problemas de acesso à habitação e discrepâncias entre preços e rendimentos. «Finalmente, veio outra crise que vai fazer com que talvez o problema da habitação se resolva», acrescentou. "Estamos num momento em que regressou a procura, há um aumento de transações e os preços voltaram a subir. É tempo de acelerar a construção da habitação" Neste momento, há sinais de recuperação, apontou. «Estamos outra vez a ver uma aceleração no número de transações», com um aumento de quase 7% no terceiro trimestre, de acordo com o SIR. O diretor da Confidencial Imobiliário afirmou que uma fatia da procura que tinha saído do mercado devido à dificuldade de acesso ao crédito «está progressivamente a voltar». Além disso, mencionou que «deixou de haver o debate de 'será que é agora que vem a bolha imobiliária?’», algo que «gera confiança nos investidores, que estão a voltar ao mercado, resultando assim num aumento das transações». António Ramalho, economista e consultor internacional, trouxe também uma perspetiva importante ao painel. «Nós temos 5.981.482 fogos disponíveis para quatro milhões de famílias», disse, sublinhando que, apesar de ser o terceiro país da Europa com mais casas, «este número é perfeitamente satisfatório para satisfazer todas as necessidades». O ex-CEO do Novobanco sublinhou que «quando olhamos para os números de mercado, que são subidas significativas do preço e níveis de transação insuficientes face àquilo que são as necessidades, só sobem preços quando a procura é maior que a oferta». Assim, afirmou que «aparentemente haverá fogos a mais, mas afinal, do ponto de vista prático, isso não acontece. E este Governo segue este modelo». "É preciso construir mais, uma vez que o mercado está precisamente a demonstrar que há fogos a menos" António Ramalho argumentou que «este Governo tem razão quando diz que é preciso construir mais, uma vez que o mercado está precisamente a demonstrar que há fogos a menos», acrescentando que, embora se diga que os preços sobem «porque não há habitação nova», é importante lembrar que «80,2% da transação é feita sobre os bens usados e que são estes que estão a marcar a valorização dos preços no mercado». «Os números em si colocam imensas questões novas que muitas delas não são refletidas», continuou Ramalho. «Já dizia há dois anos que não existia nenhuma crise na habitação, é uma crise mediática», afirmou, acrescentando que Portugal «é o país do mundo que é mais rico, sem saber que é rico, isto é, tem um conjunto de património significativo, mas não consegue tornar este património líquido. Um dos problemas centrais do país é ter muitas pessoas a viver com imensas dificuldades, algumas delas até nos indicadores de pobreza e que, curiosamente, têm imenso património ativo e guardam esse património para dar aos filhos, mas eles não precisam, porque também já têm casa própria e já a pagaram». O responsável considera que, «quanto mais construção for feita, mais rapidamente se resolve o acesso à habitação e se controla a subida de preços». “A habitação é vista como um bem de luxo, um rendimento” Fernando Santo, ex-Bastonário da Ordem dos Engenheiros e ex-Secretário de Estado, destacou que a habitação é atualmente vista «como um bem de luxo, um rendimento» e criticou a degradação do setor da construção ao longo do século XXI. «O custo de construção tem de ser ajustado, pois não é acessível ao rendimento das famílias», afirmou, acrescentando que «temos low cost em todo o lado, então porque não temos na habitação?». No entanto, Filipa Roseta, vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, pensa o contrário. «Não tenho interesse nenhum em baixar os custos de construção», começou por afirmar, recordando as obras de 2008, onde se pagava 800 euros por metro quadrado. «As pessoas devem receber pelo seu trabalho», defendeu, enfatizando que existem caminhos alternativos que podem ser explorados para facilitar o acesso à habitação. Lisboa tem terrenos vazios com potencial para construir 30 mil casas A vereadora considera «escandaloso» que Lisboa tenha terrenos totalmente vazios com potencial para construir habitação. Segundo a vereadora, «nestes terrenos vazios há capacidade para construir 30 mil casas, e metade são terrenos públicos». Destes, 15 mil pertencem à câmara e a outros setores do Estado. «Isto tem de acabar de ser assim. Falo disto desde 2019. Lisboa é um caso excecional; não há capitais europeias com este tipo de solo público», afirmou. “O PRR é mínimo relativamente aquilo que estamos a investir” «Estamos a construir programas de todas as maneiras e feitios para estes terrenos não ficarem vazios», garantiu Filipa Roseta, acrescentando que «uma parte vai ser construída pela Câmara», com a meta de que «desses sete mil terrenos, três mil vamos conseguir fazer em 10 anos com um esforço brutal. O Plano de Recuperação e Resiliência é mínimo relativamente aquilo que estamos a investir». A vereadora fez uma comparação com Madrid, que está a construir 6 mil casas em parceria, onde «o custo de investimento público é zero para arrendar». «Porque é que não conseguimos fazer isto aqui?», questionou, sublinhando que uma proposta para desenvolver dois dos maiores terrenos em Lisboa «não avançou devido à falta de consenso político». Filipa Roseta reitera que «este investimento vai ter mesmo de acontecer, porque se daqui a dez anos estes terrenos continuarem vazios, será uma vergonha para a cidade» e se estes terrenos estiverem vazios, «não vai ser por falha minha, mas vai ser por falha de quem não foi connosco fazer isto». O único resultado que se entrega na habitação «é entregar chaves às pessoas», afirmou. A vereadora também destacou a importância da reabilitação urbana, afirmando que «a câmara tinha muitas casas construídas que estavam vazias porque precisavam de obras, estas são as mais rápidas de colocar no mercado». Além disso, citou a tecnologia BIM, que «deu finalmente aos arquitetos a possibilidade de tirar todo o potencial da pré-fabricação».

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