Revista

Alívio fiscal dá pontapé de saída ao investimento em Built-to-Rent

O setor imobiliário olha com entusiasmo para o novo pacote de medidas do Governo, que promete dar o arranque definitivo ao investimento em habitação acessível para a classe média e, em particular, no formato de Built-to-Rent (BTR). A seu ver iniciativa pode ser o motor de duas mudanças cruciais: dinamizar o acesso à habitação e tornar o arrendamento um mercado atrativo para novos investidores.

Susana Correia 11 Novembro 2025

Esta foi, aliás, uma das ideias dominantes ao longo do pequeno-almoço debate realizado pela Vida Imobiliária com o apoio da DILS no passado dia 14 de outubro, dedicado ao tema “A transformação urbana e a nova forma de fazer cidades”. Os participantes aplaudiram o alívio fiscal e as medidas de simplificação e agilização dos processos de licenciamento previstas no novo pacote, considerando-as um passo importante para dinamizar a promoção de habitação. Ainda assim, sublinharam que o caminho é longo e continua a enfrentar desafios estruturais, nomeadamente a excessiva regulamentação, a escassez de terrenos urbanos e, naturalmente, o elevado custo da construção — questões indissociáveis da limitada capacidade construtiva existente no país.

No caso da Solyd, “começámos na reabilitação urbana e fomos trilhando um caminho que nos permitiu produzir fogos direcionados para a classe média-alta. Mas, o nosso sonho é conseguir produzir casas mais baratas, que sejam acessíveis à classe média”, afirmou o Chief Investment Officer, João Paula Santos. Por isso, diz, o IVA a 6% na construção para valores de venda até 648.000 euros (uma das principais novidades) “é um ótimo começo e uma boa ajuda para trazer mais fogos ao mercado, pois segundo as nossas contas, só isso permitirá baixar o preço 12% a 13% em projetos como os que desenvolvemos. Mas, existe muito mais que se pode fazer e que efetivamente nos ajudaria a endereçar mais oferta para a classe média”, considera. “Uma das principais razões pelas quais a nossa construção é tão cara tem a ver com os regulamentos obrigatórios que, como sempre, por cá são extremamente exigentes; já que Portugal, como bom aluno na transposição dos regulamentos europeus vai sempre in extremis”, afirmou, dando como exemplo a obrigatoriedade de todas as casas num prédio terem de ter a priori casas de banho acessíveis, entre várias outras regras a que qualquer projeto residencial está obrigado.

Embora concorde que esta poderá ser uma solução “muito importante” e que “a poupança que se consegue na estrutura de custos com a redução do IVA poderá ter reflexo nos preços”, Gonçalo Santos, Head of Development, Living and Capital Markets da DILS adverte que “também é preciso ter muito cuidado na questão da definição dos projetos e perceber como é que isto será regulamentado, para não cairmos num extremo em que um T0 ou um T1 numa zona super-prime passem a custar 648.00 euros, mas mantendo o IVA a 6%”. Pois, reconhece, “o mercado privado ajusta-se e tende a posicionar-se de modo a explorar as lacunas que são produzidas na lei”.

Código da Construção “é essencial”...

O quadro legal onera imenso os projetos”, concorda o arquiteto Miguel Saraiva, CEO da Saraiva+Associados, sublinhando que alguns dos atuais requisitos impostos a um projeto de habitação coletiva não fazem sentido, “até porque a construção também é adaptável ao longo do seu ciclo de vida. A família aumenta, depois os filhos saem de casa, as pessoas envelhecem... as necessidades mudam. E o novo Código da Construção poderá ser útil nisto, mas terá de ser muito bem feito” defende. Considerando-o um instrumento “essencial para facilitar a produção e reduzir a onerosidade da construção”, o arquiteto sugere que poderá ser ainda uma oportunidade para introduzir novas opções no mercado português, como “permitir entregar os projetos em gris”, algo que já é comum em vários mercados residenciais sul-americanos, por exemplo.

Embora a compra em gris seja um novo paradigma para o mercado residencial português, é algo que já fazemos por cá no mercado de escritórios”, observa a arquiteta Margarida Caldeira, diretora da Broadway Malyan. E, a seu ver, “embora por agora pareça ainda algo pouco provável, este modelo também chegará ao mercado residencial, não só porque permite baixar significativamente a estrutura de custos da construção, mas também porque vem reduzir significativamente a pegada do edificado, evitando muitas demolições e obras desnecessárias”, considera.

Para a Vice-Presidente da Porto Vivo, SRU, Raquel Maia, o tema passa sobretudo “eliminar as questões discricionárias na apreciação urbanística. Por isso mesmo, o código da construção é essencial para clarificar, definir planos de pormenor e por aí fora, para que saiba como as autarquias vão entender os projetos” defende. “Não adianta avançar com SIMPLEXes se continuar a haver critérios discricionários ao invés de vigorar um código de construção; e enquanto essa situação persistir vamos continuar a ter problemas no licenciamento. Pelo contrário, e como nos mostra a experiência de outros países, a existência de um código da construção, que define de forma clara o que se pode e não pode fazer, não só facilitará muito o trabalho quer dos técnicos quer dos promotores, que saberão a priori, preto no branco, o que poderão ou não fazer, como dará confiança a todos e retira o receio de avançar”.

... mas continuam a faltar terrenos urbanos

Seja como for, é preciso não perder de vista que “o problema do preço da habitação não reside apenas na construção das casas, está também na génese: a falta de terrenos urbanos! Hoje, não há ativos destes disponíveis no mercado, ou muito poucos, e considerando que a média de revisão de um PDM é de 25 anos, vão continuar a faltar”, frisou Miguel Saraiva.

Neste sentido, acrescenta Pedro Barreto, Head of Residential Development da DILS, “existe o risco de transferirmos o peso do IVA da construção para o custo do terreno”, sendo esse seja um cenário mais provável no caso das operações de grande escala, para as quais há menos ativos.

Pedro Barreto DILS
Pedro Barreto DILS

Pela positiva, outro dos efeitos indiretos desta medida [descida do IVA] será travar o ritmo de subida dos preços das casas existentes, “descolando mais o preço dos usados face ao preço dos novos, o que também será uma das vias para responder à procura da classe média”, antecipa Tiago Pereira, Asset Manager na Nhood.

Investimento em built-to-rent é inevitável

Os vários incentivos fiscais a quem investir em projetos de Built-to-Rent direcionados para rendas moderadas, ou seja, até um teto máximo de 2.300 euros, é uma das grandes novidades que constam no pacote de medidas propostas pelo Governo, incluindo, entre outros, a redução do IVA na construção para 6%, isenção de IMI e IMT nos primeiros oito anos, a redução para 50% do IMI depois desse prazo e a isenção total de AIMI. No caso dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC) que invistam em produto de arrendamento a valores “moderados” é ainda proposta a taxação a 5% dos dividendos.

Tipicamente, existem duas tipologias distintas de investidores em residencial: de um lado, os investidores/promotores, que desenvolvem built-to-sell (BTS) e, do outro lado, os investidores que querem built-to-rent. Os primeiros assumem o risco de desenvolvimento e têm menos acesso a financiamento – que exclui a aquisição do terreno, e geralmente prefere vender o produto, pois é mais rentável. Os segundos querem um produto pronto a consumir, para o qual havia poucos ou quase nenhuns incentivos, e que por isso é quase inexistente. Mas, finalmente temos uma estrutura fiscal que dá vantagem ao BTR versus BTS, e isso é fundamental, pois os promotores têm de ser incentivados a criar produto para arrendar ao invés de vender; já que a estrutura de custos de desenvolvimento é exatamente igual em ambos os casos, mas depois tem sido muito mais fácil vender do que arrendar as casas”, observa Gonçalo Santos.

Devido aos regulamentos, “não podemos desenvolver casas diferentes em se tratando de BTR ou de BTS, por isso para um promotor a tentação é muito grande em direcionar todo o produto para o mercado de venda uma vez que conseguimos vender todo o edifício num curto espaço de tempo, muitas vezes ainda em planta” e, assim, obter retorno muito mais rapidamente, confirma João Paula Santos.

Na experiência da Nhood, no que se refere a contactos com investidores, em Portugal “a procura mais insatisfeita sempre foi o BTR. Há efetivamente apetite, mas até aqui não conseguíamos entregar projetos, por não terem escala suficiente, por exemplo”, relata Tiago Pereira. A seu ver, “estas medidas fiscais vêm verdadeiramente incentivar o arranque do BTR” e, entre outros atrativos, “podem ajudar a criar essa escala” que é o que os investidores procuram neste tipo de produto, ao contrário das parcerias e dos tetos de rendas, considera.

Em Espanha temos hoje um mercado brutal de BTR. Não podemos parar os ventos de mudança e, é claro que esse movimento vai chegar até nós”, afirma Pedro Seabra, sénior partner da Refundos Explorer. E, agora com o atrativo destas medidas, “é quase inevitável que vá haver investimento institucional em habitação no nosso país, acredita. Ainda assim, continua a haver riscos; sobretudo quando “existe um estigma histórico contra um mercado de investimento profissional em arrendamento em Portugal”, observa. “Quando temos um decisor político que coloca um teto nas rendas – ainda que de forma a abranger 90% do mercado – isso assusta os investidores, e, neste caso, corremos um sério risco de inundarmos o mercado com tipologias mais pequenas”, diz.

Além disso, concordam os presentes, e devido precisamente ao histórico deste setor, é preciso também clarificar e melhorar outras matérias de natureza jurídica, relacionadas não só com a questão dos despejos e dos incumprimentos, mas também com a atualização das rendas. “Precisamos que os vários sistemas funcionem e que haja patos de regime, pois tudo isto dá segurança ao mercado”, defende Miguel Saraiva.

Nunca nada vai ser resolvido da noite para o dia. Queremos criar oferta, com tempo e espaço, para desenvolver um mercado residencial verdadeiramente acessível, e isso demora uma geração. Mas, é preciso começar e todas estas medidas são muito positivas”, considera, por seu turno, Pedro Seabra.

Embora “não seja a chave para acabar com a crise na habitação”, este pacote “é muito positivo e, entre outros efeitos, vai ajudar a mitigar algumas assimetrias de classe”, remata Tiago Pereira.

Porto antecipa-se com novo modelo de parceria público-privada

Ainda antes de serem conhecidas as novidades preparadas pelo Governo; a Câmara Municipal do Porto antecipou-se e, no âmbito do programa Porto com Sentido, criou um modelo de arrendamento inovador no nosso país, assente em parceria público-privado. “Quisemos criar um programa de arrendamento que disponibilizasse casas para arrendar por valores compatíveis com os rendimentos das famílias portuguesas”, resume Raquel Maia. “A autarquia assume todo o risco do arrendamento, pelo facto de arrendar por um período de 10 anos, renovável por mais dez. O terreno é privado, a construção é privada e a câmara só tem direito de preferência e arrenda, enquanto os investidores têm isenção de IRC e IVA a 6%”, explica.

O primeiro projeto, em parceria com a AGEAS, já arrancou, “mas há mais dois projetos planeados além deste. Portanto, temos um pacote de mais de quinhentos fogos para arrendamento acessível em construção naquela zona [Campanhã], promovidos por privados, mas que têm o aval de segurança da Câmara Municipal do Porto”, revelou a vice-presidente da Porto Vivo SRU.

Os promotores privados sabem construir bem melhor do que nós, uma autarquia, e acredito que este é um modelo com vantagens para ambas as partes. Apesar do valor das rendas suportadas pela Câmara, se fizermos as contas a autarquia teria de despender muito mais tempo e dinheiro se assumisse ela própria a promoção imobiliária deste tipo de projetos, até porque primeiro teria de lançar concursos públicos para todos os procedimentos associados ao desenvolvimento e licenciamento, aos quais acresceriam todos os custos de construção e de renda”, afirma.

Para Margarida Caldeira, ainda que não faça o mercado, este tipo de projetos são também “um bom exemplo” em termos de política de cidades, não só “porque criam comunidade dentro da cidade, pois é preciso dimensão para isso”, mas também porque “vão catadulpar a regeneração daquela zona”.

Política de cidade não se resume à habitação

Hoje, “há uma procura crescente por arrendamento. É uma mudança geracional e que está muito relacionada com a maior necessidade de mobilidade”, nota Raquel Maia. Contudo, continua, “não podemos esquecer que quando falamos em fazer cidade, não nos resumimos a resolver o problema da habitação em si só. Queremos continuar a atrair investimento e para isso temos de balancear entre os diversos usos. Queremos o segmento alto, e precisamos dele, mas também queremos criar arrendamento acessível e mais serviços, e por isso temos de incentivar a promoção de escritórios e habitação acessível, que tem de coexistir com a promoção pública e a habitação social, por exemplo. Isto é política de cidade, assente numa resposta multifacetada, em que vários modelos coexistem, para que o mercado possa ser independente. E o papel da Câmara Municipal do Porto é criar um modelo que seja interessante e que possa dar instrumentos aos promotores privados para que depois sigam o seu percurso, conclui a vice-presidente da Porto Vivo, SRU.

Leia também, nesta edição:
20250110_AldaFilipePortrait_Kronos_012_FHD
Transformar a cidade é repensar a vida

Fazer cidades é um dos maiores desafios do nosso tempo. Mais do que erguer edifícios ou expandir perímetros urbanos, transformar a cidade exige repensar profundamente a forma como vivemos, como nos deslocamos, interagimos e ocupamos o território. Ler mais

Duarte Dardoso Ferreira_3
Transformação Urbana: uma nova forma de fazer cidades

As cidades são mais do que ruas e edifícios — são organismos vivos que refletem a condição humana e projetam o futuro. Ler

02 _AÉREA
Clarissas trará “uma nova forma de viver” ao concelho de Loures

Um dos maiores projetos residenciais em marcha na Grande Lisboa, num investimento de 300 milhões de euros liderado pela Thomas & Piron; o Clarissas promete criar uma “nova forma de viver” em Sacavém, no concelho de Loures. Obras arrancam em 2026. Ler

CColombo_MYPLACE-CO-WORK_1
City-as-a-service

A transformação urbana é hoje uma realidade inevitável e incontornável, num mundo em constante mudança, onde as cidades têm de responder às necessidades de comunidades cada vez mais diversas, garantir sustentabilidade ambiental, criar mobilidade eficiente e oferecer experiências de vida que conciliem trabalho, lazer, consumo e habitação. Ler

NobilusNorfim
NOS Smart Home: tecnologia integrada no dia a dia da habitação

Num mercado imobiliário cada vez mais competitivo, a diferenciação faz-se pela capacidade de oferecer mais do que uma casa — oferecer uma experiência de vida. A procura por soluções inteligentes, sustentáveis e conectadas tem vindo a crescer de forma consistente, impulsionada por novos estilos de vida e pela evolução tecnológica. Ler mais

IMG5_ventosas
Elevação com máxima precisão: tecnologia ao serviço da construção moderna

Num setor da construção cada vez mais exigente e acelerado, cada minuto conta. A pressão para rentabilizar espaços reduzidos, aumentar a produtividade e reforçar a segurança em obra é hoje uma realidade incontornável. Ler mais

Os condomínios e a inteligência artificial no coração da evolução urbana

Com a apresentação do Gecond IA, a Improxy promete transformar a administração de condomínios em Portugal, tornando-a mais eficiente, transparente e centrada nos condóminos e, assim, contribuir para cidades mais sustentáveis e habitáveis.Ler mais