Propriedade privada em domínio público marítimo?

Um périplo pela costa portuguesa permitirá identificar um conjunto de terrenos que embora de utilização privada, estão de facto integrados em domínio público marítimo.Excluindo-se, por exemplo, as concessões para tal utilização, podemos indagar como é possível tal ocupação. A que título ou com que legitimidade foram – e são – construídas aquelas moradias ou hotéis com uma proximidade tão grande da praia e do mar, espaços que se presumem, nos termos da lei, integrados em domínio público marítimo e, por isso, propriedade do Estado?A resposta é: existem imóveis que, não obstante a sua localização e inclusão em área presumivelmente integrada em domínio público marítimo constituem propriedade privada. Em tais situações cabe ao proprietário recorrer aos tribunais para obter o reconhecimento do direito de propriedade privada sobre a parcela de terreno. Parcela de terreno, porque as edificações, desde que respeitadas todas as regras urbanísticas, serão pertença do particular.O interessado que pretenda obter o reconhecimento do seu direito de propriedade terá de instaurar uma ação judicial e provar documentalmente que o terreno era, por título legítimo, propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, caso exista arriba alcantilada, antes de 22 de Dezembro de 1868.Se não tiver nenhum documento que confirme que o terreno à data de 1864 ou 1868 já era particular o mesmo é inevitavelmente do domínio público? A resposta é claramente negativa, pois o interessado pode ainda, estabelecer a prova de que o terreno, antes das datas mencionadas, estava na posse de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa ou que foi objeto de desafetação.A alteração ao regime da titularidade dos recursos hídricos, ocorrida em 2014, teve a virtualidade de alargar o leque de situações em que os particulares podem ver o seu direito reconhecido, sem sujeição àquele regime de prova e pesquisa de documentos de datas que nos parecem tão remotas. Dizemos virtualidade porque permitiu que os particulares titulares de prédios urbanos construídos em data anterior a 1951, integrados em zona urbana consolidada e fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, obtenham o reconhecimento do seu direito de propriedade. Em termos muito práticos, poderão estar aqui incluídos os imóveis integrados naquelas pequenas vilas espalhadas pelo nosso país e à “beira mar plantadas”.O reconhecimento poderá nem sempre ser fácil, mas a verdade é que na maior parte dos casos o mesmo é possível e conferirá ao particular maior segurança jurídica e o gozo e fruição do seu direito de propriedade sem quaisquer limitações ou restrições. Na legislação em vigor não existe qualquer prazo para a interposição de ações judiciais, mas a verdade é que já existiu e poderá voltar a existir.Parece-nos, pois, de cabal importância que todos aqueles que sejam titulares de imóveis integrados em domínio público marítimo, analisem a possibilidade de obter o reconhecimento do seu direito de propriedade. O processo de obtenção dos documentos necessários, os custos e tempo despendidos no reconhecimento daquilo que é de facto seu, será largamente recompensado pela segurança jurídica, pelo evitar de futuras litigâncias e eventuais pagamentos ao Estado.

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