Em jeito de preambulo, a CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) «tem como missão supervisionar e regular os mercados de instrumentos financeiros, assim como os agentes que neles atuam, promovendo a proteção dos investidores». Consequentemente, «regula o acesso e o exercício da atividade dos peritos avaliadores de imóveis que prestem serviços a entidades do sistema financeiro da área bancária, mobiliária, seguradora e resseguradora e dos fundos de pensões», tal como consagrado na Lei nº 153/2015.Neste sentido, esta lei ditou regimes de incompatibilidades para os PAI (peritos avaliadores de imóveis), o que, tem prejudicado o mercado imobiliário pela incapacidade de entender, entre outras coisas, que é o avaliador imobiliário que possui maior informação de mercado, que está apto a fazer uma avaliação mais fiável, servindo melhor os investidores e demais stakeholders e, em última análise, credibilizando o próprio mercado imobiliário.Desta forma, para uma avaliação fiável e objetiva dos ativos, a regulação e determinação dos conflitos de interesses tem que ser, sem dúvida, desenvolvida de acordo com as exigências de mercado e proteção dos stakeholders. Ora a lei estipula que os peritos avaliadores de imóveis não podem prestar serviços às entidades do sistema financeiro nacional, que se encontrem numa situação suscetível de afetar a sua imparcialidade de análise, por prestação em acumulação de serviços de consultoria ou de mediação imobiliária nos últimos dois anos, de forma direta ou indireta, à entidade contratante.Esta questão faz sentido, mas só parcialmente, nomeadamente se for aplicável ao imóvel em avaliação e não à totalidade de imóveis de uma determinada entidade ou sociedade gestora. Exemplo prático: se uma empresa de avaliação fizer um estudo/levantamento de mercado, ficará impedida durante dois anos de fazer qualquer avaliação para essa entidade. Para uma avaliação ser consistente e científica, tem de ter por base informação real de mercado, exigindo profissionais responsáveis, experientes e com acesso a formação por forma a manter atualizados os seus conhecimentos técnicos e de mercado.Perante este contexto, onde é que a isenção, independência e imparcialidade dos PAI, no exercício da sua atividade de avaliação imobiliária, é posta em causa por ter feito um estudo de mercado e, por isso, ter maior informação sobre o referido mercado?Se entendemos que os PAI são profissionais idóneos e exercem a sua atividade com base em parâmetros de integridade, indicia-se aqui um pressuposto inadequado, uma vez que é precisamente o avaliador que teve acesso a maior informação de mercado (o que melhoraria a qualidade da avaliação) que fica impedido de avaliar o imóvel.É público que o panorama europeu é claramente menos restritivo que o português, prevendo-se também e bem, incompatibilidades dos avaliadores, mas que não se aplicam à entidade contratante, mas sim ao imóvel. Isto é, se a empresa do avaliador tiver tido num passado recente alguma ação de mediação sobre o imóvel objeto de avaliação, o avaliador ficará impedido de avaliar esse mesmo imóvel.No meu entender, faz sentido manter a situação de incompatibilidade relativamente ao ativo a avaliar caso a prestação de serviços adicional tenha sido de mediação. A consultoria, conforme já mencionado, não faz sentido incompatibilizar, uma vez que pode ser, inclusivamente, complementar à avaliação (estudo de mercado, estudo de melhor uso para um imóvel, etc..). A incompatibilidade relativamente à entidade contratada também desapareceria, uma vez que esta seria somente aplicável ao imóvel.Relativamente ao espaço temporal de dois anos, este é claramente excessivo, podendo ser considerado um ano relativamente ao mesmo ativo imobiliário, tal como as melhores práticas internacionais já o preveem, como por exemplo está previsto nos RICS Valuation – Global Standards (Red Book Global Standards) do Royal Institution of Chartered Surveyors.E se pretendemos todos o mesmo, isto é, um mercado imobiliário transparente e credibilizado, penso que com os ajustes sugeridos, poderia funcionar bem melhor no interesse de todos os stakeholders, sejam eles corporativos ou público em geral.