Residências de estudantes ganham peso e despertam crescente interesse de investidores

Lisboa foi palco esta quinta-feira da The Class Conference 2025, encontro europeu dedicado ao segmento de alojamento estudantil, que reuniu na Lx Factory especialistas do setor imobiliário, ensino superior, planeamento urbano e políticas públicas. O evento destacou o papel da capital portuguesa como cidade anfitriã, símbolo de inovação, regeneração urbana e talento jovem, e debateu temas como a acessibilidade, a mobilidade, e o investimento no segmento de alojamento estudantil, o chamado Purpose-Built Student Accommodation (PBSA). Na abertura, Kelly-Anne Watson, diretora-geral da The Class Foundation, destacou a urgência de uma ação coordenada a nível europeu para responder ao défice de camas para estudantes, estimado em 3,2 milhões até 2030. A responsável explicou que este desafio requer uma estratégia comum, assente em três eixos fundamentais: a definição de metas nacionais claras para a criação de novas camas, a centralização de dados através de um monitor anual de alojamento e a mobilização de um coordenador nacional que lidere a execução dessas políticas. Já Frank Uffen, cofundador da The Class Foundation, destacou o dinamismo do setor: “identificámos grandes oportunidades neste mercado, que continua a crescer a um ritmo acelerado”. O responsável sublinhou que o objetivo das várias conferências realizadas ao longo do evento passa por “partilhar as ideias debatidas como contributo para o European Housing Plan da Comissão Europeia”, reconhecendo que “temos grandes desafios pela frente e precisamos de construir mais, com o apoio de muito capital e da colaboração entre todos os intervenientes”. Casais quer continuar a apostar no segmento de residências de estudantes Em declarações à Vida Imobiliária, António Carlos Rodrigues, CEO do Grupo Casais, que participou numa das conferências para apresentar a atividade da empresa, as vantagens da construção industrializada e os projetos de residências de estudantes em curso, destacou a importância do evento para o país, sublinhando que “esta conferência concentra em Portugal os grandes players deste setor”. Considera que a iniciativa tem uma relevância especial por envolver uma instituição com “uma penetração muito grande num setor que é crucial para o desenvolvimento de habitação direcionada a um público-alvo específico”. O responsável realçou que este público-alvo – os estudantes – “continua pouco servido”, sublinhando a necessidade de promover soluções que garantam “acessibilidade e uma oferta mais adequada às suas necessidades”. Reforçou ainda que os estudantes são “futuros consumidores” e que, por isso, “é essencial reunir investidores e operadores para trocar impressões e refletir sobre o caminho a seguir”. Expandir know-how desenvolvido em Portugal para outros mercados Quanto à estratégia da Casais, o responsável confirmou a intenção de manter o investimento no setor, referindo que “a União Europeia já identificou esta área como uma das prioridades dentro das necessidades habitacionais”. Sublinhou ainda que a empresa pretende “olhar não apenas para Portugal, mas também para como aproveitar o conhecimento desenvolvido no país e levá-lo para outros mercados”, com o objetivo de “atuar, a nível europeu, de forma ainda mais relevante”. António Carlos Rodrigues considerou também positiva a escolha de Portugal como país anfitrião para a The Class Conference, sublinhando que “realizar o evento em Lisboa reforça a visibilidade do mercado nacional neste segmento”. Portugal entre os mercados com maior potencial de crescimento até 2030 Numa apresentação, Richard Valentine-Selsey, Head of European Living Research da Savills, apresentou os resultados mais recentes do estudo europeu sobre alojamento para estudantes, conduzido em parceria com a The Class Foundation. O mercado europeu deverá crescer de forma expressiva até 2030, com os operadores a projetarem atingir 234 mil camas em residências de estudantes. O estudo revela uma ambição de crescimento acentuada no sul da Europa, com Portugal, Espanha e Itália entre os principais destinos apontados para novos projetos nos próximos dois a cinco anos. O especialista salientou, contudo, que as preocupações dos investidores aumentaram no último ano, sobretudo em relação à regulação, aos custos de construção e aos custos operacionais. Apesar disso, destaca-se uma ligeira melhoria na perceção quanto ao acesso a financiamento, ainda que este continue a ser um desafio para grande parte dos operadores. O estudo sublinha também o impacto das novas regras de acessibilidade (affordability), que podem condicionar o apetite dos investidores e promotores. Noutra apresentação, Charlie Macildowie, Senior Director, EMEA Living Capital Markets da JLL, destacou que a procura por alojamento para estudantes na Europa deverá acelerar de forma significativa nos próximos anos, acompanhando o crescimento da mobilidade internacional e o aumento da população jovem em idade universitária. De acordo com o estudo da JLL, Portugal posiciona-se entre os países com maior crescimento projetado da procura estudantil até 2029, a par do Reino Unido, Irlanda, França e Espanha. Segundo a consultora, a Europa enfrenta um défice superior a três milhões de camas em residências para estudantes, o que exigiria um ritmo de construção cerca de seis vezes superior ao atual. Charlie Macildowie salientou que, para responder a este desequilíbrio, será necessário um esforço de investimento sem precedentes, estimado em centenas de milhares de milhões de euros até 2030. “Há uma oportunidade clara de investimento neste segmento, mas o desafio está em transformar essa procura em projetos viáveis e sustentáveis”, inferiu o responsável, sublinhando que a conjugação entre capital institucional, planeamento urbano eficiente e políticas públicas de habitação estudantil será determinante para o equilíbrio futuro do setor. Um estudo apresentado por Lucia Guglielmi, Commercial Process Coordinator & University Advisor da Studyportals, revelou o impacto direto da escassez de alojamento nas decisões dos estudantes universitários. Os dados do Global Benchmark Survey da Studyportals, conduzido entre agosto e outubro junto de 461 universidades (133 europeias), mostram que 21% das instituições a nível global consideram a falta de alojamento adequado um problema significativo. Na Europa, um terço das universidades identifica esta carência como um dos principais obstáculos à captação e retenção de estudantes. Em destaque esteve o caso de Portugal, no âmbito das áreas de Engenharia e Tecnologia. O relatório mostra ainda que os estudantes estrangeiros estão convencidos pelo curso, mas nem sempre pelo destino, o que evidencia a necessidade de reforçar a oferta de alojamento e a promoção internacional do país para aumentar a sua competitividade académica. “O desafio está em transformar a regulação e as ideias em soluções concretas” Entre as intervenções institucionais que marcaram a The Class Conference 2025, Marina Gonçalves, deputada e ex-ministra da Habitação, sublinhou que cabe ao Governo “promover novos instrumentos e desenhar políticas que permitam criar soluções efetivas para o acesso à habitação”. Neste sentido, é necessário “analisar o que não foi feito no passado e perceber como agir de forma diferente no futuro”. Marina Gonçalves destacou ainda que a cooperação entre o setor público, privado e cooperativo é essencial, mas reconheceu que “a regulação tem de ser aplicada no terreno e esse é, sem dúvida, o grande desafio que enfrentamos hoje”. Acrescentou ainda que o apoio da Comissão Europeia “é crucial para tornar mais viável a resposta habitacional em Portugal”. Investidores reforçam apetite pelo setor e apelam a maior diálogo com o setor público Numa mesa-redonda dedicada ao investimento no mercado de PBSA (Purpose-Built Student Accommodation), os representantes de grandes operadores e investidores internacionais destacaram o forte dinamismo do setor, mas alertaram para as dificuldades de conciliar rentabilidade e acessibilidade. Josep Franch Bellmunt, Real Estate Private Equity Director para o Sul da Europa da Rockfield Real Estate, afirmou que “o PBSA está forte e vai continuar a crescer na Europa”. Sublinhou que se trata de “um setor jovem” e que, enquanto mercados como França, Reino Unido, Alemanha e Espanha estão já consolidados, Portugal e Itália são mercados emergentes, com forte potencial. Defendeu ainda que “o crescimento só é possível com colaboração entre o setor público e o privado”, destacando que os operadores privados trazem a experiência e o conhecimento técnico necessários para desenvolver projetos sustentáveis. Marina Gonçalves, deputada e ex-ministra da Habitação, mostrou compreender as dificuldades sentidas pelos investidores em conciliar rentabilidade e acessibilidade, sobretudo num contexto de escassez de oferta. “É importante reforçar que há dez anos não falávamos sobre a falta de stock em Portugal. Hoje, o problema não é a ausência de ideias, mas sim a dificuldade em colocá-las em prática”, afirmou, sublinhando que “o setor público precisa de ganhar capacidade técnica para lidar com a complexidade do mercado”. Por sua vez, Vincent Mezard, Global Head of Living & Hospitality da AXA Investment Managers, referiu que “existem mercados que tentam regular e resolver os seus problemas sem ouvir o lado dos investidores. Fugimos desses mercados”. Para Portugal, que enfrenta desafios ao nível da especialização técnica, tal como outros países, o essencial é manter o diálogo. “Falem connosco, porque estamos disponíveis para ajudar a ultrapassar esta complexidade”. Também Fernando Crespo, Financial Adviser da Advisory Services, Operations Directorate do Banco Europeu de Investimento (BEI), reforçou que “um dos maiores obstáculos é o setor público ter dificuldade em dar o primeiro passo”. Explicou que o objetivo do BEI tem sido apoiar as entidades públicas a agir de forma mais célere, promovendo instrumentos financeiros que acelerem a resposta à procura. O responsável destacou ainda que as universidades em Portugal “têm vindo a assumir um papel mais ativo na criação de soluções de alojamento”.

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