Referendo sobre alojamento local em Lisboa é chumbado pelo TC

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O Tribunal Constitucional (TC) chumbou a realização do referendo sobre a proibição do alojamento local nos apartamentos privados destinados a habitação na cidade de Lisboa. A informação consta de um acórdão publicado na última sexta-feira.

Os juízes conselheiros consideram que não está verificada a legalidade desta que seria a primeira consulta do género, de iniciativa popular, a realizar em Portugal, iniciativa do Movimento Referendo pela Habitação (MRH). A decisão teve o voto favorável de todos os juízes.

No acórdão, pode ler-se que se decide «não dar por verificada a legalidade do referendo local, por iniciativa popular, cuja realização foi deliberada pela Assembleia Municipal de Lisboa, na sua sessão de 3 de dezembro de 2024» e «determinar a notificação da Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, nos termos e para os efeitos previstos nos números 1 e 3 do artigo 27.º da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, que aprovou o Regime Jurídico do Referendo Local».

Este referendo propunha as questões “Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local no sentido de a Câmara Municipal de Lisboa, no prazo de 180 dias, ordenar o cancelamento dos alojamentos locais registados em imóveis destinados a habitação?” e “Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local para que deixem de ser permitidos alojamentos locais em imóveis destinados a habitação?”. Foi submetido ao TC para deliberação a 9 de dezembro pela presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, Rosário Farmhouse.

Existe «um vício insanável da deliberação de referendo, o que impede definitivamente a sua realização, tornando-se desnecessário proceder à apreciação de outras questões»

O TC considera que o processo apresentado pela AML foi «regularmente instruído», mas entende que a recolha das assinaturas necessárias e a sua verificação «é uma formalidade essencial, cuja inobservância compromete a própria existência de uma iniciativa popular válida, dando origem a uma ilegalidade relevante, por violação de um preceito previsto no RJRL [Regime Jurídico do Referendo Local]».

O Negócios recorda que o MRH entregou um primeiro lote de assinaturas com 6.528 subscritores, tendo a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna informado, em 03 de dezembro, que apenas 4.863 eleitores se encontram «inscritos no recenseamento eleitoral na respetiva área» do município de Lisboa. Três dias depois da deliberação quanto à realização do referendo, o movimento entregou à AML um segundo lote com mais 612 subscritores recenseados no município de Lisboa, que seguiram para o TC sem verificação prévia.

O TC entende que «daí que seja também fundamental que se proceda a um controlo efetivo das assinaturas, desde logo antes da deliberação, aspeto relevante no processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade e legalidade do referendo». Defende que a AML deveria ter verificado todas as assinaturas que recebeu, podendo «solicitar aos serviços competentes da administração pública a verificação administrativa, por amostragem, da autenticidade das assinaturas e da identificação dos subscritores da iniciativa».

Assim, o segundo lote de assinaturas deveria ter sido verificado e, «antes de suprido o vício pela apresentação de novas assinaturas e do seu controlo, não estaria a AML autorizada a proceder à conversão da iniciativa popular em deliberação», considera o TC, considerando que «não estava preenchido um dos requisitos fundamentais da iniciativa popular referendária - a subscrição da proposta por 5.000 eleitores recenseados no município de Lisboa». Seria necessário identificar os mandatários da iniciativa popular «em número não inferior a 15», e a AML deveria pedir um parecer ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa, já que é ao executivo municipal que compete determinar o cancelamento do registo do estabelecimento de alojamento local nas condições revistas na lei, nomeadamente no Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local (RJEEAL). «Só por si, estes vícios obstariam ao sucesso da iniciativa, mas, ainda assim, proceder-se-á a uma análise no que toca ao plano substantivo».

O Tribunal Constitucional considera, ainda, que as perguntas do referendo local, inclusive a proibição de estabelecimentos de AL em imóveis destinados a habitação, «são inequivocamente desconformes com o quadro legal». O Regulamento Municipal do Alojamento Local não pode prever essa solução de interdição «nem por via da definição de 'utilização válida' do imóvel nem pelo estabelecimento de zonas de contenção e de crescimento sustentável». No primeiro caso – «utilizações válidas» –, «pois a concretização legislativa afasta que, por via infralegal, se ponha em causa a lei. Recorda-se, por exemplo, que, quanto ao alojamento local na modalidade quartos, é o próprio legislador que só admite o uso habitacional, não podendo o poder regulamentar municipal afastá-lo», exemplifica. «Em nenhum caso se admite o cancelamento de todos os registos relativos a alojamento local em imóveis destinados a habitação. Na verdade, deixando de lado o prazo máximo de 180 dias (período temporal, aliás, suscetível de gerar problemas em sede de proteção de confiança, mas que se torna dispensável examinar hic et nunc), o regulamento não pode estabelecer novas condições de cancelamento do registo, que não as previstas na lei (artigo 9.º, desde logo, o n.º 1 do RJEEAL)», pode ainda ler-se no acórdão.

O tribunal conclui, assim, que existe «um vício insanável da deliberação de referendo, o que impede definitivamente a sua realização, tornando-se desnecessário proceder à apreciação de outras questões».