As palavras são de Hugo Santos Ferreira, Vice Presidente Executivo da APPII, que falava durante o webinar “Importância de um mercado a preços acessíveis”, parte do ciclo “O Roteiro da Retoma”, organizado pela associação, pela Vi e pela Ci, que decorreu na última sexta-feira, e que contou com a presença da secretária de Estado da Habitação, Marina Gonçalves, num momento raro de diálogo direto e discussão entre o setor e a esta pasta, que se quer prolongar.
Segundo o responsável, «preocupa-nos o tema da habitação a custos acessíveis. Sabemos que vêm aí uma série de fundos estruturais para criação de um parque habitacional por parte do Estado, mas sabemos que não será suficiente. Temos privados disponíveis» para criar esta oferta, garante. Mas lembra que «encontramos ainda uma série de obstáculos».
Marina Gonçalves assume desde logo «uma grande falha de intervenção do Estado» na habitação nas últimas décadas, e lembra que a primeira grande aposta do Estado passa pela disponibilização de parque habitacional público: «é a ferramenta mais disponível – colocar o Estado enquanto senhorio, sobretudo quando temos uma série de imóveis devolutos espalhados pelo país», mas que «esta prioridade não secundariza a importância e o funcionamento do mercado privado. Não queremos que haja nenhuma substituição de um pelo outro. Há sim um objetivo de reforçar o parque público, a par do que é o mercado privado, a preços equilibrados relativamente ao rendimento das famílias».
Neste sentido, o objetivo do Governo passa por «garantir alguma estabilidade no valor do arrendamento, e componente fiscal/ incentivos», nomeadamente através do Programa de Arrendamento Acessível. «São medidas em curso desde a anterior legislativa, é importante que não sejam vistas para prejudicar o setor, mas sim de garantir que a promoção privada não invalida o direito à habitação para as famílias portuguesas». A governante explica ainda que «o que pretendemos é reforçar o papel do Estado e do parque público e esforço de articulação com o privado e no mercado de arrendamento, para encontrar práticas equilibradas que permitam o funcionamento deste mercado. Acreditamos que esta é a resposta necessária para o mercado da habitação».
No entanto, a criação de nova oferta pública ainda não é visível. Marina Gonçalves acredita que «falha a dificuldade de encontrar uma resposta a curto prazo para o problema. O parque habitacional demora, e enquanto houver famílias que não conseguem aceder por causa de falta de rendimentos, o Estado estará a falhar na aplicação das medidas com celeridade. Temos de criar instrumentos para que o mercado possa também contribuir para esta oferta». E garante que se mantém a «vontade de articulação com o mercado privado para criar outras formas, sempre neste equilíbrio» entre rentabilidade e acessibilidade à habitação.
PAA ainda só fechou 250 contratos
Em vigor há cerca de 2 anos, o Programa de Arrendamento Acessível ainda não teve a adesão que o Governo gostaria (e que o mercado precisa), com a criação de apenas cerca de 250 contratos. Marina Gonçalves considera que «o nosso maior desafio é que o programa chegue a mais gente. Temos de ser os dois garantes de que o programa tenha sucesso».
Ricardo Sousa, CEO da Century 21, lembrou durante a sua intervenção de que «no início deste programa, analisámos uma série de transações-exemplo onde os proprietários teriam claros benefícios. Há grande procura, mas há ainda grande desconhecimento sobre o programa, temos sensibilizado os nossos agentes para isso. É necessária maior educação do nosso mercado neste sentido».
Investidores interessados pedem alguns ajustes
Este mercado de arrendamento acessível e para o mercado português está a captar novas atenções dos investidores, e há uma nova esperança de aumento de escala no horizonte.
Ricardo Guimarães, diretor da Ci, explica que «neste momento existe uma nova indústria de promoção e investimento muito capaz e importante para este mercado, com menos impacto na dívida pública, e vale a pena ponderar o que aproxima a política pública e essa capacidade de investimento».
Miguel Santana, Administrador da Fidelidade Property, considera que «este setor é essencial ao bem-estar de todos nós», e confirma que as seguradoras estão interessadas neste negócio de «rendimentos longos e estabilizados. A Fidelidade mantém todo o interesse neste tipo de operações e está completamente disponível».
Fernando Vasco Costa, Managing Director da Nexity em Portugal, acredita que «com colaboração de todos, podemos promover mais habitação privada e acessível com o que já foi feito e com alguns pequenos ajustes que podem tornar isso possível». A empresa está «empenhada em criar habitação acessível para todos» e tem analisado o Programa de Arrendamento Acessível. Mas considera que também faz falta «criar novos edifícios, construídos de raiz», e não só focar no edificado existente. Por outro lado, lembra que «as famílias portuguesas têm alguns dos rendimentos mais baixos da europa, e as yields são das mais altas da Europa. Só baixando o risco conseguimos melhorar a situação e atrair mais investidores. Há muitos investidores internacionais interessados, mas é preciso criar mais condições para que isso seja mais atrativo, nomeadamente através de uma política de definição de rendas ou alguns benefícios».
Gonçalo Cadete, Managing Partner da Solyd, testemunhou que a promotora «tem tentado diminuir os custos, através de maior escala por exemplo, e fizemos parte do caminho, mas é aqui que há possibilidades de ponto de contacto» com o Governo. Completa que «para nós promotores, quanto mais barato conseguirmos produzir e vender, maior será o nosso mercado».
João Sousa, CEO do JPS Group, destacou na sua intervenção que «há privados a promover habitação neste segmento mas não conseguem aumentar a oferta», pois fatores como a pressão da mão-de-obra, o custo dos materiais, a fiscalidade refletem-se no preço. «O Estado tem de olhar para isso também», destacando a falta de mão-de obra, o IVA a 23% na construção ou o tempo dos licenciamentos como os principais obstáculos à criação de mais oferta.
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