Mediação imobiliária e intermediação "podem caminhar lado a lado"

A conferência decorreu no âmbito do SIL Investment Pro.
A conferência decorreu no âmbito do SIL Investment Pro.

Nos últimos anos, a intermediação de crédito tem vindo a afirmar-se no nosso país, tornando-se uma ajuda decisiva para muitas famílias na obtenção de melhores condições no financiamento da casa. O ritmo acelerado deste crescimento levou o Banco de Portugal a ponderar uma revisão da regulamentação em vigor desde 2017. Esta ação vai, indubitavelmente, aprimorar a atuação dos intermediários de crédito à habitação no país. Com regras mais claras e a estruturação da figura da intermediação de crédito, que traz novos players a este mercado, o que nos antecipa o futuro? Foram os temas centrais na manhã do segundo dia do SIL.

Antes das mesas-redondas, João Dias Lopes, Sócio Bancário & Financeiro da PLMJ Advogados, referiu que, atualmente, os intermediários de crédito são “a porta de entrada para a relação com os bancos” e desempenham um “papel crucial na promoção da concorrência no setor”. O especialista recorda que "a regulação, historicamente, tem sido muito restritiva em Portugal no que diz respeito às entidades autorizadas a conceder crédito". No entanto, defende que o regulador deve "reconhecer o papel dos intermediários de crédito na promoção de um mercado bancário mais eficiente e no melhor acesso à informação por parte dos clientes".

Perspetivas de futuro da intermediação de crédito

Ao ser questionado sobre como tem evoluído a atividade dos intermediários de crédito em Portugal, e como é que, na prática, os intermediários se tornaram uma espécie de novo front office da banca na angariação de crédito, Tiago Vilaça, Presidente da ANICA, sublinha que é "uma atividade que floresceu significativamente durante algum tempo, registando um crescimento extraordinário. Este ano, contudo, começamos a notar uma certa estabilização, o que é natural. A determinada altura, é expectável que se inicie uma fase de consolidação da profissão e isso faz todo o sentido". 

De acordo com Tiago Vilaça, "foi criado um ecossistema com uma simbiose muito própria, funcionando como uma extensão dos bancos junto das pessoas" e que a intermediação de crédito veio acrescentar "capacidade de distribuição e aproximar a atividade bancária dos consumidores, funcionando, em muitos casos, como um verdadeiro braço operacional dos bancos". Importa ainda lembrar, segundo o responsável, que os intermediários "não vendem produtos financeiros; ajudam sim na sua distribuição e no aconselhamento". O encerramento de balcões bancários veio, nesse contexto, "abrir uma oportunidade para que a intermediação de crédito assumisse um papel mais presencial, próximo e flexível no serviço ao cliente final".

Hoje, existem mais de 6 mil intermediários de crédito registados em Portugal, "que podem apoiar na obtenção de crédito habitação, automóvel ou ao consumo". Contudo, alerta para o facto de que "cerca de 60% destes intermediários não têm esta atividade como principal, exercendo-a apenas a título acessório  e é precisamente neste segmento que o Banco de Portugal tem centrado a sua atenção, com uma supervisão mais exigente". O especialista explica que "os intermediários que operam a título acessório não atuam no crédito habitação, uma vez que este tipo de empréstimo só pode ser mediado por intermediários de crédito vinculados aos bancos".

Por sua vez, Alberto Torres, Diretor de Área de Parcerias Comerciais do Banco BPI, abordou a regulação e a importância dos intermediários de crédito habitação vinculados, afirmando que "além de os intermediários de crédito habitação vinculados estarem sujeitos à regulamentação do Banco de Portugal, acabam também por estar sob uma extensão da regulação aplicada aos bancos". Explicou ainda que a figura do intermediário vinculado exige que "o intermediário tenha o dever de informar o consumidor", mas como é vinculado, "representa o banco nessa função e deve alinhar-se estrategicamente com as orientações comerciais do banco com o qual tem o contrato e é remunerado". No que diz respeito ao cumprimento das regras estabelecidas pelos bancos, o responsável apontou que "se o intermediário de crédito não cumprir as diretrizes da instituição bancária que representa, o banco pode rescindir o contrato, passando o intermediário a ser considerado não vinculado, o que implica que o consumidor passará a pagar pelos serviços prestados, em vez de o banco".

"Não vejo a intermediação de crédito como uma ameaça. Pelo contrário, vejo-a como uma oportunidade que contribui para o crescimento do setor bancário"

Alberto Torres destacou ainda a importância da intermediação de crédito para a competitividade e transparência do setor, dizendo que esta "traz benefícios significativos para a concorrência e para a transparência em favor do consumidor. Não vejo a intermediação de crédito como uma ameaça. Pelo contrário, vejo-a como uma oportunidade que contribui para o crescimento do setor bancário". A intermediação é "um meio para aumentar a capilaridade e a capacidade de estar presente no mercado. Permite-nos apresentar propostas que, sem a intermediação, não conseguiríamos alcançar". Neste momento, o BPI "está a criar valor ao melhorar a rapidez e agilidade dos processos, para responder às exigências dos clientes de hoje, que procuram soluções rápidas e simples. Ao mesmo tempo, precisamos de personalizar o serviço, e é aqui que a intermediação desempenha um papel fundamental".

Por outro lado, João Simões Cunha, Diretor Executivo da SIBS Multicert, afirmou que, atualmente, a empresa está a trabalhar para acelerar a adoção da digitalização em todos os setores, incluindo o financeiro e o imobiliário. "O nosso objetivo é garantir que os processos de contratação digital sejam qualificados, para que possam cumprir os requisitos legais e proporcionar conveniência tanto para cidadãos como para empresas, permitindo-lhes realizar processos contratuais e de regulação de forma digital, à distância. Com isso, buscamos ganhos de escala para os cidadãos e, acima de tudo, ganhos operacionais muito significativos para as organizações". O responsável sublinhou que, já hoje, a empresa colabora com o setor financeiro, especialmente em momentos de abertura de novas contas, e que "existe já no país um crescente ecossistema de certificados qualificados".

João Simões Cunha destacou que, "queremos garantir que a validação, feita por biometria, confirme com precisão a identidade da pessoa, independentemente de onde ela se encontre, no momento da assinatura e navegação no processo digital". No contexto do setor financeiro e, mais recentemente, nas transações imobiliárias digitais, "a qualificação da identidade é fundamental". Podemos, assim, ter negócios imobiliários que não precisam de uma presença física, podem ser feitos à distância por meios eletrónicos. "Está para breve", avançou o responsável.

O futuro da mediação imobiliária – a visão nacional & internacional

Na segunda mesa-redonda da conferência, Paulo Caiado, presidente da APEMIP, defendeu que a mediação imobiliária “é uma atividade muito concreta e que nada tem que ver com a intermediação de crédito. Consideramos fundamental que os agentes imobiliários estejam 100% dedicados à sua atividade”, sublinhando que “hoje, à mediação não faltam recursos para que sejam prestados excelentes serviços de intermediação de crédito aos clientes”. Para os clientes “usufruírem do melhor serviço possível, do ponto de vista dos desempenhos, é essencial que esta separação exista de facto”.

A mediação imobiliária enfrenta atualmente três grandes desafios, argumenta Paulo Caiado. “É imperativo que avancemos com legislação que regule a atividade dos agentes imobiliários. A atividade deve continuar a ser de livre acesso, mas isso não significa que não deva haver regulação – uma regulação que estabeleça metas mínimas de formação e defina critérios de idoneidade para o acesso à profissão”. O segundo desafio prende-se com a partilha de negócios entre diferentes empresas. “Apesar de muitas vezes empresas distintas colaborarem numa mesma transação, é fundamental que o setor tenha plena consciência de que não pode funcionar como uma comunidade colaborativa – isso é proibido”. O terceiro grande desafio apontado por Paulo Caiado é a exclusão habitacional: “olham para este setor e apontam-nos responsabilidades pelo preço das casas. Mas nós sabemos que isso não tem qualquer fundamento. Este setor traz contenção e seriedade à habitação, para que as transações imobiliárias ocorram com transparência”.

“Temos uma visão muito clara: o princípio da especialização. Temos de entregar um serviço especializado ao nosso cliente”

Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Ibéria, sublinhou que a mediação imobiliária de hoje em nada se compara à de há 20 anos. “Cada vez mais, a lógica é de atenção e dedicação ao cliente, centrada nas suas necessidades de compra”, reforça, acrescentando que a aposta da Century 21 passa por um modelo de acompanhamento total. “A mediação imobiliária tem de entregar ao cliente um serviço integrado, de 360 graus”, defende.

Segundo o responsável pela Century 21 Ibéria, “há uma clara diferença entre ser um intermediário de crédito vincular e não vincular. O nosso negócio é ajudar o cliente a comprar a sua casa e garantir que tem condições para o fazer. Crédito à habitação, intermediação de crédito, mediação imobiliária e compra e venda de casa têm de estar juntas. A banca, há muitos anos, que vê neste canal de distribuição o seu preferencial para chegar aos clientes”. E, para ajudar os clientes no processo de crédito, a mediação “tem de estar registada no Banco de Portugal, mas deve ter uma estrutura independente — com pessoas dedicadas exclusivamente a este processo”.

No plano tecnológico, é entusiasta do que tem sido feito no setor. “Vivemos um momento incrível a nível tecnológico e podemos fazer coisas extraordinárias. Sou um adepto confesso do que o nosso setor tem vindo a realizar. A capacidade de encontrar soluções e de fazer acontecer, apesar das dificuldades fiscais que nos são impostas, é extraordinária”. Agora, “temos de pensar a tecnologia e as novas ferramentas não para fazermos o mesmo, mas para mudarmos o nosso dia a dia e oferecermos uma melhor experiência a quem vende e compra uma casa”.

Ricardo Sousa alertou ainda que “temos uma legislação completamente desajustada da realidade. Nós, mediadores imobiliários, estamos sujeitos a uma forte regulação, mas essa regulação está completamente isolada das exigências que efetivamente temos de cumprir. É extremamente urgente regular a mediação imobiliária ou adaptar a regulação existente à realidade do mercado”.

Falando nos avanços tecnológicos, João Eduardo Corrêa, presidente do Creci-RJ referiu que “a tecnologia entrou novamente de forma muito ativa depois da pandemia. Tivemos de nos adaptar rapidamente à mudança, mas, hoje, ela traz inúmeros benefícios à mediação imobiliária”, afirmou, acrescentando que “o mediador tem de estar capacitado para entender a dor do cliente. As ferramentas tecnológicas trazem cada vez mais vantagens”. A inteligência artificial é uma realidade com a qual os profissionais devem saber lidar. “Temos de saber trabalhar com a IA. Temos de nos capacitar e conhecer a ferramenta. Temos de estudar diariamente, porque as inovações serão cada vez mais constantes”, afirma. “O atendimento tem de ser sempre a prioridade. Mas, para prestar um bom atendimento, temos de ter conhecimento. Essa é a realidade do mercado brasileiro”.

A inteligência artificial e os assistentes virtuais estão a ganhar espaço no setor imobiliário, mas o fator humano continua a ser indispensável. “Os assistentes virtuais já respondem, mas numa vertente mais técnica e qualificada. No entanto, tudo o que envolve a componente emocional tem de continuar a ser feito por um ser humano”, sublinha Carlos Moura Costa, Consultor de Operações e Formação. O desafio, aponta, é encontrar o equilíbrio certo entre tecnologia e relação humana. “Temos de saber trabalhar com estas ferramentas. Como vamos integrá-las no nosso dia a dia? Não basta colocar os ingredientes na panela e esperar que a máquina entregue o resultado. Não pode ser assim”, refere. Para isso, defende que “o binómio entre o conhecimento técnico e a experiência de relação humana é absolutamente essencial”.

No que toca à formação, o caminho passa por alinhar a aprendizagem com as novas exigências do mercado. “O desafio da formação é, também, estar alinhado com as respostas que o mercado, em breve, vai exigir, para que o agente se consiga diferenciar”, afirma Carlos Moura Costa. Um dos desafios “é a otimização da integração tecnológica: o agente, enquanto pessoa, pode estar mais recetivo e adaptar-se mais rapidamente, mas o modelo de negócio ou estrutura onde está inserido tem de acompanhar essa mesma velocidade”.