Incentivos não bastam para um imobiliário sustentável. “Temos de legislar”

A sustentabilidade já qualifica as empresas e os investidores imobiliários, mas o que é certo é que ainda há muito a fazer para garantir que o imobiliário é mesmo mais sustentável. Mais do que benefícios e incentivos, os especialistas defendem que é necessária mais legislação. A sustentabilidade foi o tema do mais recente Pequeno Almoço Conferência organizado pela VI em Lisboa, com o apoio da Charge Guru. Na ocasião, Patrícia Barão, Partner de Residencial da Dils Portugal, reconheceu que «estamos todos num nível de consciencialização muito diferente do passado. Muitos promotores são pioneiros na industrialização da construção e estão preocupados com o tema da sustentabilidade, contemplando alterações no seu plano de negócio, mas a sustentabilidade é abordada de forma diferente nos escritórios ou na habitação, e há muito mais caminho a fazer na habitação. Estamos vários anos atrás de alguns países, mas este é um caminho sem volta. E precisamos não só de benefícios e incentivos, mas também de legislar». Patrícia Barão apontou que a construção «está parada no tempo, desde há 100 anos. Vamos precisar de industrialização e de uma fabricação "off site", que permita novos métodos construtivos», porque a situação da habitação é urgente. Falta oferta, e «a maioria da população não se sente confortável em casa, com frio ou calor, é o cenário em que vivemos». O setor imobiliário «é das indústrias mais pesadas que existem, e temos esse papel crucial de sensibilizar os promotores portugueses ou os que chegam ao nosso país para investir. Às vezes as conversas são difíceis, e a visão de médio e longo prazo não existe. Mas o único caminho é criar um novo paradigma de sustentabilidade», que permita comparar diretamente os imóveis do mesmo valor e segmento, incentivando a concorrência. «Na habitação, temos uma oportunidade de ouro para fazer as coisas bem feitas. E ainda vemos só 6, 7 ou 8 promotores que têm essa visão», lamenta, chamando ainda a atenção para a importância das parcerias e coordenação entre o poder público e o setor. Elsa Monteiro, diretora de Sustentabilidade da Sonae Sierra, acredita que «a sustentabilidade pode ser transformativa, reduzindo o impacto do setor imobiliário e criando novas áreas de negócio relacionadas. Tentamos que os clientes da Sierra sejam parte ativa desta agenda e caminho para tornar o imobiliário mais sustentável em Portugal», mas refere que, para já, os efeitos de poupança de curto prazo, para os proprietários, só são visíveis na parte energética. «Ou se reinventa a forma de produzir, ou é inevitável um custo inicial mais alto para garantir conforto e uma operação eficiente a médio prazo». Defende que «a habitação acessível tem de incluir os custos de operação que o edifício vai ter ao longo do seu tempo de vida, e muitas vezes ainda não se considera essa variável». Luís Loureiro, CEO da Widerproperty, confirma que «a sustentabilidade hoje é um “qualifyer” das empresas e uma obrigatoriedade, temos de apresentar resultados, os investidores têm esse desígnio na sua base e têm de cumprir com as boas práticas». E identifica que «a mudança de mindset é o mais importante na gestão de ativos. Contribui para a tomada de decisão e consideração de critérios que são agora devidamente valorizados». A Merlin Properties é exemplo disso. Telmo Antunes, Technical Manager da empresa, deu o exemplo do edifício Monumental, em Lisboa, que foi reabilitado entre 2019 e 2021, e que ultrapassa em 9% as exigências de um edifício com emissões zero. «Neste edifício, temos uma fachada ativa» com duas camadas, que «garante muito maior eficiência». Sobre os benefícios fiscais portugueses associados à majoração da sustentabilidade, refere que «são muito reduzidos. A grande vantagem de ter um edifício sustentável é reputacional». No entanto, do ponto de vista do financiamento, «sempre que temos investimentos em sustentabilidade conseguimos financiar essa componente entre 5 a 10 pontos base abaixo da taxa de juro de referência e aí sim, há uma grande poupança e benefício efetivo». Sobre a importância de legislar para a sustentabilidade, recorda o efeito que o IVA reduzido na reabilitação urbana para 6% teve no mercado. «Foi um dos motores da renovação urbana. E temos de legislar para criar casas». ESG é cada vez mais relevante no investimento, e também no financiamento Diogo Coelho, responsável de Sustentabilidade da Square Asset Management, confirma que os parâmetros ESG (Environment, Social, Governance) são relevantes na hora de fazer novos investimentos imobiliários. «É essencial desde há cerca de 4 anos». Isto não quer dizer que a Square só compra ativos “verdes”, até porque «podemos comprar qualquer tipo de ativo e sabemos que não vão deixar de existir ativos “tóxicos”. Um bom Asset Manager pode comprar qualquer imóvel e fazer a transição de “tóxico” para “state of the art”. Porque a sustentabilidade, no fundo, é o equilíbrio dos vários recursos que temos disponíveis». A Square AM, em particular, aposta nos certificados energéticos dos edifícios, por ser a legislação atual que traduz se o ativo é mais ou menos eficiente. Seja como for, para a empresa, há vantagens claras na sustentabilidade, como o facto de as empresas poderem partilhar riscos, ao mesmo tempo que adicionam valor aos ativos e aos investidores. Já Sérgio Meireles, membro da Comissão Executiva da Caixa Gestão de Ativos, confirma que os critérios de ESG estão também «cada vez mais em cima da mesa» na hora de definir os custos do financiamento. Financiar projetos mais “verdes”, sustentáveis e cumpridores destes critérios «será uma tendência de comparabilidade entre os bancos. A Caixa Gestão de Ativos tem uma preocupação acima dos padrões de mercado neste sentido». Riscos climáticos têm de ser incorporados Na banca, também está mais presente a avaliação do risco climático dos ativos, por georreferenciação, e da transição energética, a par do no nível de formação dos técnicos, não só ao nível da comunicação, mas também ao nível da responsabilidade. Para Sérgio Meireles, são preocupações «indiscutíveis». Mas Elsa Monteiro alerta que os riscos climáticos não são ainda considerados de forma séria no imobiliário, de uma forma geral. Na Sierra, «avaliamos o edifício ao nível das infraestruturas, águas residuais, avaliamos a vulnerabilidade e identificamos planos de adaptação. Trabalhamos na mitigação das alterações climáticas pela descarbonização, e pela implementação de medidas de adaptação, diferenciando riscos crónicos de riscos esporádicos. E isso é transversal a todos os ativos do nosso portfólio». A forma como os edifícios são concebidos faz a diferença nessas situações, e mesmo que existam seguros, é uma fatura que tem de ser paga, e que pode ser evitada se tudo estiver acautelado desde uma fase inicial. Elsa Monteiro destaca ainda que a avaliação imobiliária tem de passar a incluir outros aspetos ao nível dos riscos dos ativos. «Enquanto a sustentabilidade não for considerada, isso não incentiva os investidores a atuar, logo porque o CAPEX penaliza a avaliação no primeiro ano. Os avaliadores têm de mudar a sua metodologia, e precisamos de ter massa crítica». Mobilidade elétrica já é uma exigência O número de carros elétricos que estão hoje em circulação estão a colocar uma pressão acrescida na infraestrutura elétrica e nos próprios edifícios. Em Portugal, só no último trimestre, 20% dos carros vendidos já eram elétricos, um rácio bastante superior ao espanhol. Fran Cortegoso Fernandéz, Development Director Iberia, da ChargeGuru, partilhou um pouco da experiência da empresa neste encontro, referindo que «os postos de carregamento elétrico hoje em dia são uma componente pequena, mas muito importante no edifício, a sua existência vai afetar muito o conforto e a comodidade». Alertou que «os prédios atuais não estão preparados» para as atuais (e futuras) exigências da mobilidade elétrica. «Em certos casos, os veículos já podem consumir mais do que a fração em si, e se a casa tiver mais de 5 anos, seguramente não estará preparada para este tipo de consumo». Segundo o responsável, não se vislumbram problemas com a produção de energia elétrica em Portugal ou Espanha, mas haverá desafios «na forma como levamos a energia até onde vamos precisar dela». No caso da Charge Guru, a empresa presta os seus serviços sem utilizar a infraestrutura elétrica do prédio, «montamos o nosso próprio ramal». Além disso, não é possível, simplesmente, eletrificar o estacionamento existente. Por isso, «deveríamos repensar os edifícios novos, tendo em conta que, em 10 anos, os veículos serão quase todos elétricos». E não só na habitação, também nos escritórios: «as empresas vão escolher edifícios onde possam carregar os carros, se não conseguirem, vão escolher outro imóvel». Cabe ao setor preparar-se para estes cenários.

CONTEÚDO EXCLUSIVO PARA ASSINANTES