O funcionamento do programa de “vistos gold”, ou Autorização de Residência para Investimento, vai mudar a partir de janeiro do próximo ano, restringindo o investimento imobiliário a certas zonas do país. Mas alguns partidos políticos querem mesmo acabar de vez com o programa até lá.Este foi o tema de debate do webinar “What’s Now, Golden Visa?”, organizado pela Century 21, pela APPII e pela Morais Leitão esta terça-feira, e que contou com a presença de vários atores do mercado imobiliário.Neste evento, participou Rita Ferreira Lopes, da Morais Leitão, que fez um breve enquadramento das várias alterações legislativas às quais o regime dos “vistos gold” foi sujeito desde a sua criação em 2012. A mais impactante de todas promete ser a de 2019, publicada em fevereiro deste ano, e que terá efeitos a partir de janeiro de 2022, nomeadamente a regra que impede que seja considerada para efeitos de concessão de ARI a compra de imóveis habitacionais situados nas regiões litorais do país, incluindo Lisboa, Porto ou Algarve, que até agora concentravam a maior parte deste tipo de investimento.No entanto, cerca de um mês depois da publicação da alteração legislativa, Bloco de Esquerda e Partido Ecologista “Os Verdes” anunciaram que vão apresentar ao parlamento projetos de lei que acabam de vez com o regime de concessão de “golden visa”, argumentando que contribui para o aumento da especulação imobiliária ou para os riscos de branqueamento de capitais, entre outros motivos.A estabilidade legislativa e fiscal é pedida pelo mercado, especialmente num momento de alteração da lei e de crise, durante a qual o investimento estrangeiro será fundamental para a retoma da economia depois de controlada a pandemia. Hugo Santos Ferreira, Vice-Presidente Executivo da APPII, questiona se «queremos fechar as fronteiras ao investimento», admitindo que «os investidores irão para outros países onde sejam bem-vindos. Contrariar a vontade dos investidores que investiu no litoral terá consequências, e a maior será levar os investidores para outras paragens, como Espanha». E recorda que «na lei que ainda se mantém, existe já um desconto de cerca de 20% para quem investir no interior do país, e mesmo com esse desconto, ainda não foi encontrado um racional de investimento».O responsável atesta a «consternação» dos investidores relativa a estas novidades, e diz que «está em causa a reputação do país cá dentro e lá fora, enquanto destino de investimento, e a estabilidade do nosso país: pedimos ao Parlamento que prossiga a alternativa legislativa que encontrou em 2019 e que foi agora concretizada em fevereiro de 2021. É essencial que o Parlamento não lese as expetativas a quem acredita no nosso país e que já começou a adaptar os seus investimentos».Recorda que a construção representa atualmente cerca de 600.000 postos de trabalho, além de influenciar todo um conjunto de áreas e setores. «Dar, constantemente, o dito por não dito é preocupante para a criação e manutenção destes postos de trabalho», defende.O mercado defende os efeitos positivos multiplicadores que este programa teve nas cidades portuguesas, como a reabilitação dos centros históricos de Lisboa e Porto, ou a criação de toda uma nova dinâmica económica depois da última crise.Ricardo Sousa, da Century 21, reconhece os «desafios importantes do país», tanto a nível económico como demográfico, por exemplo, mas acredita que «nem todos têm a ver com o imobiliário». E defende que «o impacto deste programa não foi só no imobiliário, foi também no sentimento de confiança das famílias, que é o verdadeiro motor do mercado».Participando nesta mesa redonda, Luís Gamboa, da VIC Properties, lembrou que «a maior parte das aquisições em 2019 (para efeitos de “vistos gold”) foram feitas na região do Litoral». A partir de janeiro, «Castelo Branco não vai concorrer com Lisboa, mas sim com Madrid», exemplifica, cidades que «não se podem comparar em termos de centralidade com outras capitais». E acredita que a nova legislação não vai ser suficiente, por si só, para beneficiar o interior do país.Já José Cardoso Botelho, da Vanguard Properties, questiona o argumento do combate ao branqueamento de capitais, afirmando que conhece «apenas um caso, e cujos intervenientes foram ilibados em tribunal. Que eu saiba, não houve mais casos em Portugal depois disso». E considera que não é este regime que tem impacto nos preços do imobiliário, e que não traz pessoas «pouco desejáveis para Portugal, pelo contrário».O responsável alerta ainda que «este é o setor que mais impostos paga. Por exemplo, a Câmara de Lisboa faz as obras que faz graças aos impostos destas obras. 40% do custo de construção de uma casa são impostos».Investimento estrangeiro continua a ser fundamentalOs participantes neste webinar defendem, principalmente, a importância deste mecanismo enquanto instrumento de captação de investimento estrangeiro, necessário para o imobiliário, mas também para toda a economia.Pedro Vicente, da Habitat Invest, considera que «os opositores a este programa estão enganados», e destaca que «instrumentos como este alavancaram 90% das operações de investimento imobiliário a nível nacional. Se isto não é um aviso da sua importância, então estamos muito mal». «Somos um país pobre com comportamento de rico, como se não precisássemos de investimento», remata.Por seu turno, José Roquette, do Grupo Pestana, concorda que «a situação de Portugal é muito frágil. Mais cedo ou mais tarde, precisaremos de um novo resgate, que gostaríamos que não se concretizasse. Temos uma dependência extraordinária do capital internacional, porque não produzimos ou acumulamos o suficiente em Portugal. Tudo o que seja prejudicar a captação desse capital internacional, que é tão fundamental para a nossa vida, é negativo. Não nos podemos dar ao luxo de começar a fechar as portas», ou de «ficar reféns da pequena guerra política ou de algum provincianismo».Bhavik Chunilal, da EY, destaca que «a criação e manutenção de empregos na construção tem sido feita com base no investimento imobiliário, muito dele com origem nos “vistos gold”, o programa tem feito jus ao seu propósito de criação em 2021. Ao restringir este investimento depois de janeiro de 2022, poderemos descer muito nas preferências dos investidores», avisa.Interior do país deve unir-se e investir na sua promoçãoHugo Santos Ferreira lembra que «a alteração legislativa de fevereiro não vem em bom momento, mas é com esta lei que temos de viver». E identifica as novas oportunidades da lei, apesar das alterações menos positivas para o setor.Louvando a concessão de um prazo transitório de um ano, o responsável destacou a necessidade de «revisitar a portaria do Interior para definir e conhecer ao certo quais são as localidades abrangidas, que incluem algumas freguesias do Litoral que são elegíveis. Em especial a Madeira ou os Açores devem aproveitar e criar pacotes de atração de investidores estrangeiros, mas também zonas do Algarve, como Loulé, que continua a ser elegível», defende. Acredita que «a estratégia deveria ser criar uma task force integrada de promoção do interior, para que este investimento fosse mais atrativo».Caminho poderia ser feito através de um “Smart Visa”A APPII tem vindo a defender e a apoiar a adaptação do regime dos “vistos gold”, mas não pela via pela qual o Governo optou, e sim «um caminho pelo "smart", pelo "green", e pelo "social"».Hugo Santos Ferreira diz que «o programa pode e deve evoluir para um segundo estádio, que responda às necessidades do país de 2021, que não é o mesmo de 2012, apesar de as necessidades serem as mesmas, nomeadamente seguindo os documentos macro europeus, economia circular, o pacto ecológico europeu, incorporando todos estes conceitos».