Incerteza global, mas há margem para crescer: especialistas pedem confiança e reformas sustentadas

Num momento em que o setor procura respostas num contexto económico incerto, realizou-se esta sexta-feira, no Hotel Pestana Palace, em Lisboa, a conferência “Portuguese Real Estate Investment Vehicles & Financing”. A primeira sessão – “Macro Events are always giving us food for thought” – centrou-se na análise da conjuntura económica global, debatendo os principais fatores que poderão influenciar o investimento em Portugal em 2025. O rumo da política económica do Governo também esteve em foco, numa discussão marcada pela volatilidade internacional. António Alvarenga, professor na Nova SBE, consultor Internacional e investigador, abriu a conferência com reflexão sobre o futuro e os desafios macroeconómicos. Começou por dizer que “trabalhamos sobre o futuro, que na realidade não existe, e existem [os futuros] só porque acreditamos neles; e os últimos tempos têm sido super interessantes e maravilhosos, em que todo o futuro está em turbulência. Para quem trabalha essa transformação, é interessante viver nesses tempos”, refletiu. Na sua análise, “o futuro cai-nos em cima por via das expetativas. Tomamos decisões com base em expetativas, estamos aqui com base em expetativas, investimos com base em expetativas, e por isso não conseguimos fugir delas, temos de lhes dar atenção, perceber como funcionam”. Investimento e finanças No campo do investimento e das finanças, António Alvarenga referiu que “é sempre uma questão de trade-offs”. Destacou vários arquétipos que moldam a forma como pensamos o futuro: “o da continuação, o da insustentabilidade e do colapso, o do controlo e necessidade de disciplinar o futuro, e o do tecno-otimismo”. Para o keynote speaker, é essencial perceber se os cenários de investimento assumem algum destes modelos, pois “estudá-los e ter consciência deles é uma forma de construir o futuro”. Por outro lado, questionou se "os arquétipos são úteis, são uma forma de organizar a realidade, de olhar para o mundo, mas será que facilitam a tomada de decisão? Depende", alertando que "nem tudo muda à mesma velocidade. Não podemos ser ofuscados pela velocidade da tecnologia quando observamos, por exemplo, a evolução da Governança". António Alvarenga acrescentou que “somos mais sensíveis às mudanças rápidas, mas as lentas e estruturais podem ser muito significativas, como as mudanças culturais”. “Gerir riscos é relativamente fácil, porque o risco nos dá a probabilidade. O problema é que as novas incertezas não nos dão dados matemáticos” No plano económico, destacou a transição de um paradigma de risco para um de incerteza. “O século XX foi o século do risco, das grandes indústrias, do investimento físico, em infraestruturas. Gerir riscos é relativamente fácil, porque o risco nos dá a probabilidade. O problema é que as novas incertezas não nos dão dados matemáticos”. Para o setor financeiro, frisou, “os riscos que enfrentam hoje são incertezas estruturais, cuja probabilidade não é dada pelo acontecimento, porque ele não se repete vezes suficientes”. António Alvarenga discura na conferência. Análise internacional A análise internacional traçada por António Alvarenga foi marcada por realismo e alguma inquietação. Os EUA, referiu, estão “numa situação única: dívida brutal, pressões inflacionárias”, mas ainda assim “é possível que continuem com crescimento económico interessante”. Sobre a China, foi taxativo, referindo que “não deverá voltar aos níveis de crescimento antigos”. A Europa, por seu lado, “é mais previsível, porque está estagnada. Seria uma surpresa se de repente começasse a crescer”, disse. “Lenta na decisão, na inovação e na replicação tecnológica”, a Europa, disse, continua a depender da Alemanha, mas o cenário alemão preocupa, uma vez que “está em recessão técnica, o governo não foi aprovado à primeira, há um grande custo de transição energética, uma população envelhecida e não apanhou o comboio da tecnologia”. Quanto aos custos de financiamento, alertou que, em 2025, “parece tudo muito bem, mas temos o aumento da emissão de dívida, nunca foi tão grande, 40% tem maturidade em 2027, vamos ver imensos movimentos de refinanciamento”. Apesar das tensões comerciais e da crescente interdependência dos bancos centrais, “o dinheiro tem aparecido”, mas a sustentabilidade desse fluxo é cada vez mais incerta. Ambiente No plano ambiental, foi contundente, ao afirmar que “com as alterações climáticas, vamos ser um deserto, vamos perder costa. Haverá solo entre a costa e a N1?”. Questionou ainda: “quem gere o carbono, quando o imobiliário representa entre 40% a 45% das emissões?”. Alertou ainda para os limites do investimento, pois “não se pode investir em tudo, tem de ser ‘future proof’. Há ‘casas fósseis’ que podem não conseguir ir para o mercado sem reconversão muito cara”. Tecnologia No campo da tecnológico, reforçou a urgência da industrialização do setor: “não é possível continuar a construir casas com andaimes. Precisamos de aumentos de produtividade com a industrialização; é dos setores que tem maiores aumentos de produtividade”. No que diz respeito à inteligência artificial, “os algoritmos ganham confiança, porque a IA pode não estar certa, mas pelo menos não me está a enganar”. “Em Portugal está tudo ‘mais ou menos bem’ ” Sobre Portugal, “está tudo ‘mais ou menos bem’: os salários vão aumentando, o turismo é incrível e a política monetária mais flexível”. Contudo, apontou várias fragilidades, entre as quais a “fiscalidade difícil, justiça lenta, mercado de trabalho rígido, população muito envelhecida, problema grave na segurança social, somos dos menos produtivos da Europa e muito expostos a poucos países”. Por fim, deixou uma crítica direta à aplicação do PRR, enfatizando que “não entendo porque é que o PRR tem de ir para as empresas e não para o Estado”. Mesa-redonda de debate O primeiro painel da conferência, moderado por Manuel Puerta da Costa, Presidente da APAF e chairman da conferência, reuniu Óscar Afonso, professor catedrático na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, a economista Cristina Casalinho, e Luís Mota Duarte, vice-CEO e diretor executivo de gestão de investimentos da Sonae Sierra, num debate centrado nos desafios estruturais da economia portuguesa, a necessidade de reformas e as oportunidades no setor do imobiliário. “Se quisermos crescer em termos de PIB potencial temos de fazer reformas. A menos que queiramos que os nossos jovens continuem a querer emigrar” Óscar Afonso traçou um retrato pouco animador da evolução do crescimento económico nacional nas últimas décadas. “Fomos crescendo até ao ano 2000, e a partir daí fomos parando. Média anual de 1% de 1999 a 2023, dobramos o PIB ao fim de 70 anos”. Apesar de reconhecer um crescimento momentâneo mais expressivo, atribuiu-o a fatores conjunturais como o PRR e o turismo, alertando que “passada esta fase de execução do PRR retomaremos a nossa trajetória natural”. Para alterar este rumo, defendeu reformas estruturais urgentes: “se quisermos crescer em termos de PIB potencial temos de fazer reformas. A menos que queiramos que os nossos jovens continuem a querer emigrar”. Por sua vez, Cristina Casalinho contrapôs com uma abordagem mais otimista, embora consciente dos entraves. “Estas narrativas não funcionam. Se dissermos que os nossos desafios são demasiado exigentes, isso afasta-nos e demove-nos em relação à mudança”. Preferiu centrar-se no setor da construção, que, recordou, “foi um dos que cresceu mais significativamente e até trouxe problemas antes da crise financeira”, representando então cerca de 12% a 13% do PIB. Entretanto, “o nível de endividamento das empresas e das famílias baixou significativamente. Isto significa que as empresas fizeram um grande esforço de viabilidade, grande parte do investimento já não de pende de crédito bancário, por exemplo. Tem um dos níveis de rendibilidade mais baixos, é por isso que não cresce mais”. A economista destacou também o contributo das exportações para o crescimento do PIB, com destaque para o agroalimentar e agrícola. Ainda assim, apontou debilidades estruturais: “temos mercados de capitais insipientes, é um handicap brutal para o crescimento do setor produtivo. Não temos fundos de pensões, não temos financiamento de médio-longo prazo”. “Portugal tem sido percecionado como elevado risco, mas na verdade não é. Temos até bastante estabilidade comparando com outros mercados” Por outro lado, Luís Mota Duarte reforçou a importância de uma perspetiva construtiva, considerando que “faltam otimistas em Portugal. Estamos como nunca estivemos, contas públicas estão bem, rendimento disponível está bem, a economia está em crescimento”. Na sua visão, o país vive um momento favorável e o foco deve estar em criar condições para manter o crescimento, nomeadamente com investimento em infraestrutura. “Portugal tem sido percecionado como elevado risco, mas na verdade não é. Temos até bastante estabilidade comparando com outros mercados”. Sobre o mercado da habitação, reconheceu os desafios, sublinhando que “os preços cresceram muito mais do que a economia, apesar de ter partido de uma margem muito baixa”. Considerou ainda que, apesar de a sociedade precisar mais de Build-to-Rent (BTR), “é muito mais atrativo construir Build-to-Sell (BTS)”. Neste sentido, “todos nós podemos fazer mais para isso, poderíamos juntar um grupo destes agentes económicos para criar mais habitação, sendo rentável na mesma, e o Estado seguramente contribuiria para uma iniciativa destas”. Na Sierra, “estamos a tentar fazer algumas coisas, com a consciência de um retorno mais baixo. Acho que, muitas vezes, o imobiliário fica à espera que o Estado resolva as coisas, mas entretanto todos podemos fazer muito mais”. “Muita capacidade de trabalho do setor da construção foi absorvida pelo turismo ou pela agricultura, o que mostra que os empresários respondem a estímulos” No mesmo sentido, Cristina Casalinho alertou que “temos excesso de procura, apesar de termos ainda mais fogos por habitante do que na UE, temos um problema de distribuição. Não é só a colocação de novos fogos, é a revalorização de áreas urbanas degradadas”. A construção “vai continuar a ter desafios de competitividade, sobretudo se considerarmos que as exigências ambientais. A resposta vai ter de ser exigente, sobretudo a nível de rendibilidade”. Óscar Afonso enfatizou que “precisamos de estimular a construção nova, mas também o mercado de arrendamento. Pode ser um motor e um obstáculo, se desviar recursos de outros setores, ou se não construir, mantendo o preço tão caro”. Apontou ainda a descentralização como instrumento de alívio da pressão sobre a habitação e propôs medidas concretas, entre as quais o IRC “que deveria diminuir, para gerar mais crescimento. O Estado deveria continuar a reforma e libertar recursos, que permitissem mais investimento”. Em tom de concordância, Cristina Casalinho sublinhou que “o IRC tem de ser simplificado e estabilizado, sem grandes mudanças”. Identificou um desalinhamento estrutural ao nível do emprego público, onde “a administração pública foi usada para absorção de mão-de-obra. Se queremos uma administração pública mais digitalizada, mais eficiente, teremos menos pessoas, e pessoas mais bem pagas”. Já Luís Mota Duarte referiu que “pagar impostos não é mau, o problema é onde são usados esses impostos”. Para o responsável da Sierra, o maior entrave está na imprevisibilidade, sendo que “há um desconto pela incerteza quase. Estabilidade e transparência é o mais importante a nível fiscal”.

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