A terceira e última sessão da conferência Portuguese Real Estate Investment Vehicles & Financing, que decorreu na última sexta-feira em Lisboa, centrou-se na inovação dos veículos de investimento imobiliário em Portugal. Especialistas do setor analisaram as tendências emergentes e debateram até que ponto o mercado nacional está a criar soluções próprias ou apenas a seguir modelos importados de outras jurisdições europeias. A crescente relevância dos fundos de investimento e do private equity também esteve em destaque, num debate que sublinhou o papel cada vez mais determinante da regulação neste segmento.Frederico Arruda, Member of the Board, APFIPP & Partner at Refundos Explorer, começou por destacar que “2005 foi um ponto de viragem com os fundos fechados”, marcando o início de um novo ciclo no setor, seguido por “um ciclo de alterações fiscais”. Em 2015, com a introdução de um novo regime fiscal “de equiparação a toda a Europa, taxado à saída”, o setor ganhou novo fôlego, registando “um crescimento exponencial coincidente com a estabilidade regulatória”.Segundo o responsável, Portugal tem “um histórico muito grande ao nível do investimento corporate” e, apesar dos “muitos riscos associados, nomeadamente a lei do arrendamento”, o país apresenta hoje um forte potencial: “olhando para a Europa, Portugal tem potencial e pode aspirar a ser uma plataforma de investimento imobiliário. Temos tido bons crescimentos nos últimos anos”.“Esta conquista de confiança vem da estabilidade regulatória”Frederico Arruda lembrou ainda que o mercado evoluiu de um contexto dominado por sociedades e fundos, que “não captavam nem satisfaziam um certo tipo de cliente”. A introdução do regime das SIC foi, neste sentido, um passo importante, sendo que “não se inventou a roda, foi só implementar para sermos competitivos junto do resto da Europa. Foi inovador para Portugal, e veio complementar”. Na sua perspetiva, este é “o veículo que melhor se posiciona para resolver o problema habitacional”, embora admita que “vamos ter de mudar o enquadramento”. Para o responsável, “esta conquista de confiança vem da estabilidade regulatória”, que considera essencial para atrair investimento: “sem isso não se consegue atrair investimento. Tem tido um papel muito bom”.Mesa-redonda de debateO painel de debate, moderado por Marisa Larguinho, sócia da Morais Leitão, reuniu representantes da CMVM, Square Asset Management, Norfin e Caixa Gestão de Ativos, numa conversa centrada nos desafios e oportunidades dos veículos de investimento imobiliário em Portugal, à luz do novo enquadramento regulatório e das exigências do mercado.Carla Mãe, diretora de supervisão da CMVM, começou por sublinhar que “na CMVM fazemos essa reflexão sobre a inovação no setor de uma forma regular” e que, na gestão de ativos, “a nossa preocupação é perceber quais as especificidades do mercado nacional, e se justifica ou não ter alguns diferenciadores”. Nesse sentido, revelou que o regulador tem procurado “eliminar elementos mais exigentes para a realidade nacional do que para a realidade europeia” e reforçou o objetivo de “tornar Portugal competitivo”.Entre as medidas em estudo, destacou a importância de “permitir a categoria de fundos alternativos sem pré-categoria de ativos” e sublinhou outro aspeto diferenciador, “o facto de fundos destinados exclusivamente por gestores tradicionais não terem de ter banco depositário, entendemos que os investidores fazem o papel de fiscalização”.Por outro lado, Luís Souto, administrador executivo da Square Asset Management, referiu que “temos fundos há mais de 30 anos no nosso mercado, temos experiência que alguns mercados europeus não têm”. Para o responsável, os fundos abertos beneficiam do “melhor regime europeu em Portugal”, funcionando como “um complemento do equity”. Sublinhou ainda que “não temos o pequeno aforrador tradicionalmente com apetência para a volatilidade” e que “há uma ideia muito incutida de que a volatilidade é um risco grande”. Neste contexto, “o outro complemento dado pelos fundos retira parte desta volatilidade do mercado”, sendo este “um fator importante para crescimento do lado do equity”.“Temos uma indústria muito competente que pode ombrear com quem for, um regulador que funciona, transparência, mas o ecossistema à volta deste núcleo não funciona tão bem”Francisco Sottomayor, CEO da Norfin, considerou que “o facto de sermos um mercado pequeno já não tem as barreiras que tinha”, e que “este percurso de simplificação está a ser bem feito e contribui para isso”. Destacou que “temos uma indústria muito competente que pode ombrear com quem for, um regulador que funciona, transparência, mas o ecossistema à volta deste núcleo não funciona tão bem” Ainda assim, foi cauteloso quanto ao potencial de atrair investimento externo. “Com os constrangimentos atuais, duvido que os investidores se desviem das suas praças tradicionais para virem para Portugal” e “não acho que haja esse potencial de deslocalização de investimentos para Portugal. Quem faz investimento cá tem estruturas interessantes e suficientes, e a maior parte do capital das SICs é estrangeiro” Apesar disso, “continuamos a ser um mercado apelativo, os fundamentals estão cá”.Sobre o papel na habitação, Francisco Sottomayor considerou que “este setor pode ter um papel importante na questão da crise de acesso à habitação (certo tipo de habitação)”, acrescentando que “este tipo de capital pode adaptar-se facilmente”. Referiu ainda que “a UE está a preparar uma estratégia para o setor habitacional” e que “temos um problema de habitação europeu, penso que parte desses projetos de habitação acessível podem beneficiar destes instrumentos”.Já Sérgio Meireles, membro da comissão executiva da Caixa Gestão de Ativos, deu nota de que “temos caminhado ao lado do regulador, e já temos uma indústria desenvolvida e com resultados muito interessantes”. Recordou que “os fundos surgiram em 1987” e que existe uma preocupação crescente em “captar capital individual”, salientando que “o investimento necessário para as novas infraestruturas terá de captar também o capital individual”. Em termos de solidez, afirmou que “estamos altamente capitalizados, e isso não é um tema para nós neste momento”. Admitiu ainda que “é verdade que não temos tanta liquidez ou literacia e predisposição para investimentos em veículos como SIGIs”, mas “com concertação, podemos lá chegar”. Reconheceu que “o regime precisa de alguns ajustamentos” e que “tivemos situações como a pandemia, a inflação e as taxas de juro”, mas reiterou que “esse desígnio não existe aqui hoje”.“Uma das nossas bandeiras é a estabilidade regulatória”Carla Mãe voltou a intervir, sublinhando que “uma das nossas bandeiras é a estabilidade regulatória”, no entanto, alertou que “vamos ter de rever o RGA porque veio uma nova diretiva europeia, e temos de transpor. Por isso, estabilidade, sim, mas há momentos que não conseguimos controlar”. Francisco Sottomayor concordou, referindo que “rever o RGA é uma mudança muito positiva. Foi muito bem recebida”, acrescentando que “é normal que a própria mentalidade do regulador demore algum tempo a ajustar-se”.De forma consensual, todos reconheceram a importância dos fundos no novo ciclo. Para Luís Souto, os fundos de investimento “serão veículo obrigatório em todos estes novos programas de habitação. Verdadeiramente vamos lá estar”. Já Sérgio Meireles reforçou que “sim, é indiscutível, e são uma das melhores ferramentas para atingir esse desígnio”.