Hotelaria em novo ciclo com crescimento moderado e foco na experiência

A segunda edição do Iberian Hospitality Trends, promovida pela CBRE, decorreu a 19 de novembro, em Lisboa, reunindo especialistas e decisores do setor para debater as tendências e os desafios que estão a transformar a hotelaria ibérica, com enfoque no enquadramento macroeconómico e o seu impacto no setor, na evolução do investimento hoteleiro, no papel do F&B e das marcas na diferenciação do produto e nas dinâmicas entre o alojamento local e a hotelaria. Ao enquadrar o contexto macroeconómico e o turismo ibérico, José Moutinho, Head of Research da CBRE Portugal, salientou que “o turismo representa 12,3% do PIB espanhol e 11,9% do português” e que “o turismo só tem vindo a crescer”, apontando para “180 milhões de turistas entre Portugal e Espanha em 2024”, dos quais “47% em Espanha são domésticos e 39% em Portugal”. Referiu ainda que “Portugal tem mais turistas americanos”, enquanto em Espanha “são outros mercados que mais crescem”. Para 2026, espera-se que “a inflação estabilize na maior parte dos países, principalmente em Portugal”, reconhecendo-se também que “chegámos agora a uma certa concentração turística, principalmente nos city breaks”, algo considerado “um ponto negativo para os residentes locais”. Nos comentários que se seguiram a esta apresentação, Luís Grilo, CEO of PortoBay Hotel Group, sublinhou que “o mix turístico tem um impacto muito grande”, recordando que Portugal já recebeu “muitos investidores institucionais” e que dispõe de “produtos de muito boa qualidade”, o que considera altamente atrativo. Relativamente ao mercado norte-americano, sublinhou que “os americanos têm vindo pelo melhor”, pagando “um premium de 80% face a outras nacionalidades”, frisando que não é uma procura motivada por descontos e que “vão continuar cá”. Manuel Noronha de Andrade, CEO of ECS Capital, salientou, por seu lado, que “houve uma mudança muito significativa no serviço, na aproximação ao cliente e no custo do serviço”, acrescentando que “este mercado vai continuar a ter um impacto importante”. Olhando para a frente, admitiu que “o crescimento não se vai manter ao mesmo crescimento dos últimos anos, mas acreditamos que deverá continuar a crescer” e que “esperamos um período de crescimento moderado no mercado”. Em tom de concordância, Luís Grilo explicou que “especialmente na Madeira, esperamos crescimentos mais moderados”, enquanto “nos resorts do Algarve os drivers são cada vez mais sólidos e o destino mais maduro”, reconhecendo que “no mercado urbano hesitamos, nomeadamente devido às restrições em termos de oferta” e que “esperamos que cresça o número de turistas, mas não sabemos como é que esses números se vão diluir na oferta existente”. Por sua vez, Helena Burstedt, Regional Vice President Development da Hyatt Hotels Corporation, alertou que “há muita propaganda também, em algumas destas cidades”, sublinhando que “não queremos que se tornem em parques temáticos, mas há políticos que aproveitam esta narrativa”. Evolução do investimento hoteleiro Na apresentação sobre investimento hoteleiro, Jorge Ruiz, Head of Hotels CBRE Iberia, deu conta de que Portugal surge como “o terceiro mercado preferido para investir em hotéis”, enquanto Espanha se mantém em primeiro lugar. Sublinhou ainda que o setor pesa “20% na Ibéria e 11% na Europa”, o que demonstra que se trata de “uma classe de ativos mais consolidada aqui do que no resto da Europa”. Já num novo momento da apresentação, avançou que se antecipa “um investimento acima dos 3.000 milhões este ano”, incluindo “2.631 milhões em Espanha até ao terceiro trimestre, mais 16% do que no ano passado, e 341 milhões em Portugal, em linha com o ano anterior”, explicando que, no caso português, o investimento nos hotéis desceu ligeiramente em 2023 e 2024, em linha com o volume geral, sendo sobretudo a “escassez de ativos e oportunidades” que limita o mercado. Nos comentários a esta apresentação, Manuel Noronha de Andrade considerou que “cada vez que vendemos algum ativo sentimos grande interesse e procura, seja em que setor for”, enquanto Luís Grilo salientou que “este mercado tem fundamentais muito robustos”, associando essa atratividade à “pouca oferta e disponibilidade de hotéis à venda”. Helena Burstedt referiu, por seu lado, que “os contratos de investimento são muito importantes”, sobretudo do lado bancário, notando que “mais bancos estão a entrar no mercado do investimento hoteleiro”. Jorge Ruiz detalhou ainda que, em Portugal, os principais investidores são provenientes dos EUA, Portugal, Reino Unido, Espanha e França, sublinhando que 59% do investimento no mercado nacional é realizado por investidores institucionais. Helena Burstedt afirmou que estão “a investir forte no segmento alto, nomeadamente na Ibéria”, aproveitando “a procura americana em Portugal”, considerando que “o interesse no luxo vai ser contínuo”, mas identificando também oportunidades no segmento médio. Já Luís Grilo alertou que “os custos de construção estão muito altos”, sublinhando que “é mais fácil fechar as contas nos segmentos altos”, e Manuel Noronha de Andrade reforçou que “budget e luxo são os segmentos mais interessantes para investir”. Branding e F&B como motores da nova experiência hoteleira Na apresentação dedicada ao papel do F&B (Comidas e Bebidas) e das marcas na hotelaria, David Pozo, Streetsense – Creative Director EMEA, e Borja Fernandez-Pena, Director F&B Services da CBRE Spain, sublinharam que este universo funciona hoje como “uma ligação entre o cliente e o hotel”, num contexto em que o lifestyle deixou de ser apenas uma ferramenta de marketing para assumir-se como “uma categoria específica e estratégica no mercado hoteleiro”. Os responsáveis referiram que o setor tem vindo a responder através da criação de experiências, do design, da comunidade e do storytelling, sendo que esta abordagem “já não é um nicho” mas uma solução rentável, permitindo “conectar com os locais e com a região”. Recordaram que os hotéis lifestyle deixaram de estar limitados ao luxo, uma vez que “hoje qualquer tipo de ativo pode ser lifestyle”, enquanto os “destination hotels” evoluíram para modelos mais urbanos e dinâmicos, onde o próprio hotel passa a ser “a principal razão da viagem”, numa altura em que “as pessoas investem cada vez mais em experiências em vez de coisas”. Nos comentários a esta apresentação, Helena Burstedt explicou que, “no nosso caso, o Standard é diferente, o quarto é completamente básico e standard e a experiência foca-se fora do quarto”, reconhecendo que “ter o foco na comunidade pode ser mais desafiante”, mas sublinhando que o hotel pode também tornar-se um ponto de atração para os próprios locais. Considerou ainda que “as soft brands têm um ótimo futuro pela frente”, alertando, contudo, que o risco reside “em perder o valor da marca”, sendo necessário um “crescimento seletivo e uma análise cuidada de cada propriedade”. Luís Grilo sublinhou que, no seu caso, “a repetição dos hóspedes e o bom serviço é extremamente importante”, enquadrando esta visão como uma estratégia de longo prazo, enquanto Manuel Noronha de Andrade referiu que o portfólio da ECS Capital é composto por resorts de luxo fortemente ligados ao lifestyle, considerando que “as soft brands continuarão a ser motivo de crescimento para quem as faz bem”. No que respeita ao F&B, Helena Burstedt destacou que o modelo seguido na Hyatt Hotels Corporation é “muito forte”, com um departamento dedicado, ao passo que Luís Grilo afirmou que, nos resorts, o F&B é “crítico” e funciona como “uma extensão do quarto”, lembrando que esta é uma das áreas que mais evoluiu em Portugal, em particular face às exigências do cliente americano. Manuel Noronha de Andrade alertou que “os restaurantes são um negócio muito difícil” e que falhar nesta componente pode comprometer toda a experiência. Dinâmicas entre o alojamento local e a hotelaria Ao abordar a relação entre alojamento local e hotelaria, Eduardo Abreu, Partner na Neoturis, sublinhou que o AL é “uma componente muito importante do mercado”, lembrando que na capital portuguesa representa “46% do total” e que, sem esta oferta, seriam necessários “mais 10.000 quartos”, acrescentando que, apesar disso, “na cidade tem crescido mais os hotéis do que o AL”, especialmente após a suspensão de 2019, não acreditando que “um ou outro tenham impacto direto nos preços da habitação”. Nos comentários a esta intervenção, Helena Burstedt destacou que se trata de “dois tipos de investimento muito diferentes”, reforçando que “não distribuiríamos as nossas branded residences em plataformas de AL” por serem “purpose built”, sublinhando também que “é distinta a forma como se constrói e investe para estes usos”, ideia partilhada por Luís Grilo ao afirmar que “são muito diferentes”. Já Manuel Noronha de Andrade reconheceu uma “crescente institucionalização do investimento em alojamento local”, admitindo que a fronteira com as branded residences “ainda não é clara”, acrescentando que, em termos de retorno, “compete com a habitação”, mas que “o AL institucional está a crescer” e será um tema relevante. Eduardo Abreu referiu ainda que se mantêm “os grandes investimentos para desenvolver novas marcas focadas em novos micro segmentos”. Helena Burstedt acrescentou que a coexistência entre hotel e branded residences pode acontecer “sem que o próprio hóspede perceba que é uma branded residence”, enquanto Luís Grilo admitiu que, apesar de terem analisado essa área, não avançaram por não ser o seu core. Manuel Noronha de Andrade indicou, por sua vez, que lançaram “dois grandes projetos Marriott de branded residences no Algarve”, considerando tratar-se de uma tendência em que estão a apostar.

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