Residencial recupera do impacto das taxas de juro. Nova oferta ainda é insuficiente para a procura

No ano passado, a habitação sentiu o solavanco da subida abrupta das taxas de juro, o que levou a uma inevitável retração da procura. O mercado está agora a recuperar o nível de transações, mas não encontra ainda oferta suficiente para as necessidades. A intervenção do Estado será necessária para potenciar a colocação de mais casas no mercado, nomeadamente pela via fiscal. Este foi o mote da discussão do mais recente Pequeno Almoço Conferência organizado pela Vida Imobiliária em parceria com a NOS, em Lisboa, no passado dia 9 de maio, que convidou para a mesma mesa vários reconhecidos players do setor imobiliário para discutir o estado da arte da habitação. Dando um pouco de contexto de mercado, Ricardo Guimarães, da Confidencial Imobiliário, identificou que «estamos num momento de viragem do mercado, vimos de um ciclo de forte dinâmica e crescimento de preços, que foi travado pelo aumento das taxas de juro e pelo clima adverso dos últimos 2 anos, que condicionou a evolução do mercado em termos de procura e de transações», que resultou numa grande quebra em 2023, que é «natural, se pensarmos que muitos compradores ficaram de fora do mercado assim que os juros subiram». No início deste ano, a tendência é de estabilização e recuperação do número de vendas. A Confidencial Imobiliário estima «um aumento de 4,4% no número de transações no 1º trimestre do ano». Agora, numa fase de travagem dos juros, e com a inflação mais controlada, «sentimos um regresso do interesse da procura, que esbarra no facto de a promoção imobiliária já ter travado novamente em 2023», quando houve uma grande quebra no número de novos lançamentos. Por isso, «2024 será um ano de reequilíbrio, que não é rápido». Bons projetos são “bem trabalhados” e com valores justos Paulo Caiado, da APEMIP, identifica que «o mercado é muito heterogéneo, e o Sobral de Monte Agraço não é a Comporta. Há mercados em Portugal onde os preços duplicaram, e há concelhos com um número de transações e preços em patamares muito baixos. Isso pode distorcer os números médios do mercado». Mas é certo que «a subida dos preços dos grandes centros urbanos leva a que muitas pessoas se tenham de afastar para as periferias suburbanas e outras zonas ainda mais afastadas, o que gera nessas regiões novos fluxos de procura, que resultam nestas subidas». E Patrícia Barão, da JLL, recorda que as taxas passaram de negativas a 4% em muito pouco tempo. «Era impossível o mercado estar imune a isto». E identifica que já nem tudo se vende tão facilmente assim: «estamos agora numa fase de mercado onde a oferta é mais limitada ainda». Apesar disso, o produto que escoa é «aquele onde o valor é mais justo. Porque os compradores partem do budget que têm, não analisam o custo do metro quadrado na zona, por exemplo». E para estar mais em linha com as necessidades da oferta, «muitos promotores começam a estar disponíveis para consultoria nestas análises, para correr menos riscos. Os projetos vão para o mercado já muito pensados e trabalhados, ao nível dos layouts, das tipologias certas para cada localização, etc». Custos de construção e dos terrenos continuam a limitar a diversificação da oferta O arquiteto Miguel Saraiva, da Saraiva & Associados, identifica que «o preço dos terrenos tem de ser reajustado, pois estão caríssimos». Em paralelo, o mercado de projeto, de venda de lote para construção de moradias, «passou do promotor para o cliente final, porque o preço é de tal forma exorbitante, que o cliente não consegue suportar. Isto retira a maior parte dos produtos de moradias de comercialização». Ou seja, alguns produtos estão também a reorientar-se para outros patamares de mercado. Pascal Gonçalves, da Libertas, acredita que «em 2023, surgiram dúvidas aquando da apresentação dos orçamentos de construção, e muitos projetos voltaram a ser estudados para que fossem mais viáveis». Na verdade, «isto significa só um adiar do lançamento». Com a estabilização dos custos de construção, estes deixaram a ser uma incerteza. Mas não é expectável que desçam, mesmo com a maior industrialização do setor. «A capacidade de resposta até pode aumentar, mas os preços não vão baixar». Mas, pelo menos para a Libertas, é possível fazer habitação a custos controlados, e é isso que a empresa vai fazer num novo projeto em Loulé, onde 1/3 das unidades residenciais previstas vão servir este segmento. Isto é possível porque o projeto terá «gamas de preço completamente diferentes». Mas Pascal Gonçalves acredita que a obrigação de construir com custos controlados deve ser encarada, dando o exemplo de França, onde «20% tem de ser habitação a custos controlados, em qualquer localização. Temos de estar preparados e ter capacidade para isso». Burocracia, o “eterno” travão dos projetos Presente em Portugal desde 2018, a belga Thomas & Piron tem vários projetos em curso no nosso país, dois deles a arrancar ainda este ano em Gaia e Matosinhos, e outros prontos para começar no próximo ano na zona de Loures e Sacavém, segundo David Carreira, Thomas & Piron. O grande problema que identifica no desenvolvimento desta atividade «é o tempo da burocracia». E exemplifica que «em Gaia adquirimos um terreno em 2016, e vamos levar 6 anos a construir 250 apartamentos, não é viável, mas somos resilientes, e não desistimos à primeira». Pelo contrário, «em Loures vamos demorar apenas 3 anos. Se é possível em Loures, porque não nos restantes locais?», questiona. Sobre o Simplex já em vigor, Pascal Gonçalves acredita que as alterações «vão permitir ultrapassar a questão da morosidade das câmaras e ajudar a que o produto chegue mais rápido ao mercado». Miguel Saraiva afirma que «as alterações de licenciamento obrigam-nos a alterar a forma como trabalhávamos», um impacto natural «que ainda não se consegue medir». “Só há casas baratas com intervenção do Estado” Com todos estes “ventos” adversos, o setor acredita que são necessários estímulos ao mercado, por parte do Estado, para criar mais oferta de habitação acessível. Um dos principais pedidos tem sido o IVA na construção nova a 6%, medida já anunciada pelo novo Governo, mas sem data para entrar em vigor. Miguel Saraiva defende que o Estado deve ver a questão da habitação «de forma muito mais agressiva a nível fiscal, por forma a obrigar os proprietários a escoar o seu produto e a libertar solo urbano». Concorda com o IVA na construção a 6%, mas acredita que «a fiscalidade tem de ser integrada, não pode ser apenas esta medida. Temos de motivar a indústria». E Patrícia Barão recorda que «a reabilitação nas nossas cidades aconteceu por causa do IVA a 6%». Paulo Caiado acredita que «só há casas baratas com intervenção do Estado», e que se deveria assumir no mercado um novo segmento, da construção a custos controlados. «Isto poderia tornar as coisas mais claras». E questiona quão relevante pode ser esta baixa do IVA na construção nova: «não me parece que tenhamos uma grande correção dos preços da habitação por esta via, já que a construção nova representa cerca de 15% das transações de habitação». Existe “grande potencial de ‘sensorização’ dos edifícios Porque as operações «têm um papel muito relevante numa altura em que os custos sobem muito», a tecnologia pode ser usada a favor desta maior otimização, e também no esforço de sustentabilidade. É o que defende Daniel Beato, da NOS, que exemplifica que «temos centenas de técnicos, engenheiros e lojas por todo o país, e o aumento dos custos coloca-nos um desafio muito grande. A tecnologia tem um papel nessa solução, porque permite reduzir os custos dos edifícios ao longo de todo o seu ciclo de vida». Por outro lado, «há decisões no campo da sustentabilidade que só a tecnologia pode resolver», como questões relacionadas com a climatização e controlo à distância dos vários aparelhos. «É um desafio comum para as empresas, consultores e promotores». E, através das suas novas soluções de Smart Homes, a NOS propõe-se a ajudar neste «grande potencial de ‘sensorização’ de edifícios e na manutenção do valor dos ativos durante todo o tempo de operação». Porque, no futuro, «será óbvio e natural ter as casas conectadas. Os nossos filhos não vão perceber como é que nós não tínhamos».

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