Medidas para a habitação dão novo fôlego ao setor imobiliário

As novas medidas apresentadas pelo Governo para a habitação, com o principal objetivo de aumentar a oferta, são bem vistas pelo mercado imobiliário. Caso venham a ser aprovadas, poderão dar um incentivo significativo ao lançamento de novos projetos, mas são apenas “um bom princípio”. Este debate essencial deu mote ao mais recente Pequeno-Almoço Conferência que a Vida Imobiliária organizou a 14 de outubro, em Lisboa, em parceria com a Dils. Neste encontro, João Paula Santos, CIO da Solyd Developers, destacou que o IVA a 6% na construção para valores de venda até 648.000 euros (uma das principais novidades) “é um ótimo começo e uma boa ajuda para o mercado, poderia permitir baixar os custos em 12% ou 13%, segundo as contas que fizemos tendo em conta o nosso tipo de projetos. Mas continuamos a achar que podemos fazer muito mais”. Gonçalo Santos, Head of Development, Living and Capital Solutions da Dils, concorda e acredita que “a poupança que se consegue na estrutura de custos com a redução do IVA poderá ter reflexo nos preços, mas é importante perceber como é que isto será regulamentado, para não cairmos num extremo em que um T0 ou T1 numa zona nobre passem a custar 648.000 euros, mantendo o IVA a 6%. O mercado privado ajusta-se e pode tender a explorar as lacunas que existem na lei”, adverte. Tiago Pereira, Asset Manager na Nhood, considerou que “esta medida pode aumentar a oferta, e isso poderá ajudar na resolução do problema, nomeadamente se ajudar a ‘descolar’ os preços das casas usadas das casas novas, e aí sim, será possível responder à classe média”. Build to Rent: agora ou nunca No novo pacote de medidas que o Governo aprovou em Conselho de Ministros incluem-se vários incentivos fiscais para quem investir em projetos de Build to Rent, como, novamente, a redução de IVA na construção para 6%, isenção de IMT e de IMI nos primeiros 8 anos, redução para 50% do IMI depois disso e isenção total de AIMI, desde que os valores estejam dentro do que se consideram preços “moderados”, até 2.300 euros de renda. A confirmarem-se estas iniciativas, nunca foi tão atrativo investir em Build to Rent em Portugal. Tiago Pereira vê aqui um incentivo positivo, e recorda que, na experiência da Nhood, e no que se refere a contactos de investidores, “a procura mais insatisfeita sempre foi o BTR. Há apetite, mas nunca conseguimos entregar projetos, por não terem escala suficiente, por exemplo”. Gonçalo Santos refere que “finalmente temos uma estrutura fiscal que dá vantagem ao BTR em detrimento do BTS. Esse incentivo tem de existir, porque a estrutura de custos é exatamente igual, mas hoje é muito mais fácil vender”. Por seu turno, Pedro Lancastre, CEO da Dils Portugal, está convicto de que “o Build to Rent tem tudo para ser um sucesso em Portugal. Estas medidas são o que precisamos e o que os investidores esperavam. Pode ser desta!”. A Câmara Municipal do Porto começou a dar o exemplo mesmo antes destas novidades, tendo já aprovados dois contratos-promessa de projetos Build to Rent no âmbito do programa “Porto com Sentido”. Nesta modalidade Build to Rent, o município arrenda ao proprietário privado a totalidade das habitações, de forma a subalugar aos munícipes com rendas acessíveis. Raquel Maia, vice-presidente da Porto Vivo SRU, refere que esta iniciativa quer responder ao segmento médio do mercado. “A autarquia assume todo o risco do arrendamento, pelo facto de subarrendar por um período de 10 anos. Os investidores têm isenção de IRC, por exemplo, e IVA a 6%. O terreno é privado, a construção é privada, a câmara só tem direito de preferência e arrenda. Acreditamos que é um modelo simples e fácil para quem arrenda”. Raquel Maia acredita que “quando falamos em fazer cidade, não é apenas resolver o problema da habitação, por si só. Nós queremos continuar a atrair investimento, mas temos de equilibrar os usos. Fazer cidade é ter segmento alto, escritórios, renda acessível, promoção pública ou habitação social. São precisos vários modelos para uma resposta multifacetada, e dar caminhos para que o mercado possa ser independente”. O Governo também quer taxar a 5% os dividendos dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC) que invistam neste tipo de produto, e com rendas consideradas “moderadas”. Esta medida “é muito importante para incentivar o investimento no arrendamento, por isso acredito que aumente o investimento institucional na habitação”, afirma Pedro Seabra, Senior Partner da Refundos Explorer. Seja como for, recorda que “o problema do arrendamento é histórico em Portugal, e enquanto for a minha geração a tomar decisões sobre o assunto, será muito difícil [dinamizar o mercado em escala], porque nos lembramos do estigma que era ter ‘rendimentos negativos’. Ter uma renda garantida neste tipo de projetos [da CMP] é muito positivo, mas é apenas complementar ao mercado como um todo”. IVA não chega. Código da Construção será essencial para os próximos anos O mercado encara a redução do IVA na construção com bons olhos, mas considera que não é suficiente para resolver o problema da habitação, que também enfrenta elevados custos da construção, regulamentos apertados ou licenciamentos demasiado demorados. João Paula Santos lembra que “os regulamentos atuais são muito exigentes, ao nível das acessibilidades, por exemplo. Portugal adota sempre as regulamentações nos níveis mais elevados, e se queremos fazer fogos mais baratos de alguma forma, poderíamos reduzir alguns desses requisitos. E os licenciamentos também continuam a demorar muito tempo”. Raquel Maia aponta que “não adianta avançar com Simplex do licenciamento se mantivermos critérios discricionários. O Código da Construção é essencial para clarificar e para que se saiba muito bem como é que os projetos serão entendidos pelas câmaras. Isso daria confiança a todos para avançar com os projetos”. Por outro lado, maior flexibilidade na construção poderia ajudar não só à estrutura de custos, como também a própria rotatividade do mercado. Miguel Saraiva, CEO e fundador da Saraiva + Associados, acredita que o problema de base estará na falta de terrenos, mas exemplifica que “as casas poderiam ser adaptadas ao longo da vida, de acordo com as necessidades”. Por outro lado, as casas podem também ser entregues ainda sem os acabamentos, para que possam ser escolhidos conforme as preferências, sem desperdiçar materiais e reduzindo custos. E Margarida Caldeira corrobora que os modelos de living mais flexíveis estão a ganhar mais adeptos e que “os escritórios atualmente já são entregues ‘em tosco’, no Dubai a habitação também é entregue assim. Mesmo em termos de sustentabilidade, destruir constantemente é um grande desperdício”. “O Código da Construção pode ser útil neste processo. Mas tem de ser muito bem feito”. O arquiteto aponta ainda que “os atos administrativos travam muita coisa, não se compreendem alguns prazos de licenciamento. É necessário um pacto de regime para dar segurança ao mercado”. Pedro Seabra remata que “nunca nada vai ser resolvido da noite para o dia. O que queremos é criar oferta no tempo e no espaço, para que o mercado seja mais acessível, e isso vai levar muito tempo. Mas é preciso começar, e todas estas medidas são muito positivas”.

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