O setor imobiliário está a reinventar-se e a adaptar-se para responder às necessidades habitacionais, colocando a criatividade à prova para construir mais casas, mais sustentáveis, mais baratas, e mais depressa. A resiliência que o caracteriza ao longo dos ciclos mantém-se. Os novos desafios do investimento em habitação no século XXI foram o mote para o debate do Pequeno-Almoço Conferência que a Vida Imobiliária promoveu a 15 de maio, com o apoio da DILS, da Schneider Electric e da Morais Leitão, e que se realizou na sede da ML em Lisboa. Os profissionais reconhecem que o mercado é complexo e sujeito a muitas restrições e incertezas, mas os operadores estão a responder com inovação do ponto de vista do negócio. Há novas formas de habitar, e o mercado procura uma resposta aos novos perfis de procura. Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII, testemunhou nesta ocasião que, neste encontro, se falou “mais de soluções do que de problemas”, e que “o setor imobiliário readapta-se e reajusta-se, e está a tentar dar a volta ao problema” da habitação. Criar nova oferta de residencial dita tradicional, “do ponto de vista legislativo, é difícil e moroso. Vemos um ressurgimento do setor cooperativo, de projetos de flex living, que já é uma tendência muito forte em Espanha e que merece muita atenção em Portugal. O setor está também em busca de formas de financiamento alternativas, numa altura em que há mais exigências” por parte dos bancos. Dando algum contexto estatístico, Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário, identificou que este setor “tem tido uma grande capacidade para se ajustar aos vários momentos que tem passado” e que hoje “é preciso ser inventivo para operar no mercado de forma dita normal. Os novos formatos de living e turísticos são respostas às perturbações no alojamento local ou no arrendamento, é uma reinvenção do mercado”. Venda, arrendamento e hotelaria: todas as opções estão em cima da mesa Refletindo sobre o mercado de arrendamento, Ricardo Guimarães lembrou que as rendas habitacionais têm estado a baixar ligeiramente nos últimos trimestres em Lisboa e no Porto, mas há um paradoxo: “apesar do forte aumento da oferta nos últimos anos, é a primeira vez que este aumento não é espelhado numa redução substancial do valor das rendas. Ou seja, há dificuldade em baixar as rendas em função do aumento da oferta. E as rendas ainda estão num nível atrativo do ponto de vista do investimento”. Luís Vaz Pereira, do Millennium bcp, destacou que os investidores muitas vezes não encontram a confiança e estabilidade que pretendem no mercado de arrendamento tradicional, e que “os apartamentos turísticos podem responder a esta necessidade e à rentabilidade que procuram”. Seja como for, alertou que “não se consegue construir para um certo segmento abaixo dos 4.000 euros por metro quadrado, tendo em conta os custos de construção atuais. O tema dos rendimentos [dos portugueses] é o grande problema”. José Luís Pinto Basto, do The Edge Group, deu nota dos investimentos do grupo no arrendamento habitacional. “Dá-nos mais diversidade no portfólio e garante estabilidade para ultrapassar os vários ciclos económicos”. Aposta também em novos projetos que juntam esta componente com a hotelaria, que atrai outro tipo de investidor. “É interessante também pela questão da mobilidade que permite aos estrangeiros que procuram Portugal e ainda estão a confirmar se pretendem ficar”. Mas o grupo está também a construir para o segmento médio, nomeadamente em Setúbal, onde os preços ficam abaixo dos da capital. Novos projetos estão a caminho em Alvalade ou Benfica. Tudo depende das localizações e das oportunidades, e “acima de tudo, as contas têm de fechar”. Francisca Martins, da AM48, concordou que o formato do arrendamento pode ser interessante principalmente pela flexibilidade que permite, e a promotora está a planear “edifícios completos colocados no mercado de arrendamento de longa duração, mas também na vertente hoteleira, com apartamentos turísticos”. Por seu turno, Pedro Barreto, da Dils, atestou que os investidores procuram sobretudo projetos com escala, “quem nos aborda não olha para 20 ou 30 apartamentos, querem uma dimensão superior. Investem em localizações como Loures, Oeiras, e estão a ser bem-sucedidos” nestas localizações que permitem projetos com maior escala. Nos primeiros meses, a maior parte das frações é vendida a investidores para revenda. “Alguns ponderam arrendar, mas muitas vezes acabam por revender, pois o retorno é muito mais rápido”. A AM48 aposta neste tipo de projetos de grande dimensão, e tem uma promoção de 400 fogos em Santo António dos Cavaleiros. “Loures está a criar uma localização. As zonas da periferia sempre foram consideradas dormitório, mas nós queremos criar não só habitação, mas também serviços, para que essa questão não se coloque e não haja tanta necessidade de vir a Lisboa”. Dando a perspetiva da arquitetura e do projeto, Margarida Caldeira, da Broadway Malyan, recorda que “fizemos muita hotelaria nos últimos anos, mas começaram a pedir-nos muito residencial em vários formatos, como as Branded Residences. Hoje, fazer residencial é também fazer serviços”. Na hora de fazer novos formatos residenciais, defende que há que “não ligar o 'complicómetro'. Alterar um metro quadrado pode ter um preço muito caro, e às vezes vale a pena simplesmente seguir o que está definido". Cooperativas regressam como alternativa O modelo de cooperativas de habitação está a regressar, assumindo-se como uma alternativa para construir mais habitação a preços mais acessíveis, já que estes projetos não preveem margem de lucro. Está a atrair as atenções de clientes finais e de investidores, para venda ou arrendamento. Frederico Carvalho e José Cunha Rebelo, da Co.Op. Homes, partilharam a experiência da empresa, que promove e gere cooperativas de habitação, salientando que “retirar 20% ou 30% do preço final da habitação é atrativo”, e explicando que existem vários benefícios fiscais, como isenção de IMI ou Imposto de Selo, e “o risco da operação está diluído e distribuído por cada cooperante, não há risco financeiro. Os cooperantes são sócios em quota da cooperativa, e a cooperativa é um SPV”. O maior projeto que a Co.Op. Homes tem em desenvolvimento neste momento tem 50 habitações. Do lado da banca, Luís Vaz Pereira garantiu que há financiamento para cooperativas de habitação. “O Millennium bcp está a financiar cooperativas hoje, como sempre. Valorizamos o capital próprio, o track record dos gestores”. Industrialização é promessa de eficiência e sustentabilidade A construção industrializada continua a ser vista pelos profissionais como a principal solução para criar mais oferta de forma mais rápida, com custos mais reduzidos. A escala e a implementação ainda são um desafio mas, seja como for, Margarida Caldeira acredita que “a tendência é realmente a construção industrial e a modularidade, e o construtor já começa a entrar mais cedo no projeto”. Nas cooperativas, a industrialização ainda não é completamente viável, pois “muitas vezes não podemos trabalhar de raiz, e isso faz com que seja difícil ganhar eficiência em termos de preço e poupança de tempo, até porque o residencial é o segmento com maior complexidade. Estamos a insistir, mas ainda não conseguimos que seja viável, devido à necessidade de escala. Mas sabemos que é incontornável”, afirmou José Cunha Rebelo. A eletrificação tem o seu papel nesta transição para habitações mais sustentáveis. Cláudio Costa, da Schneider Electric, referiu que “vemos a eletrificação como uma boa oportunidade de negócio, principalmente no que diz respeito à sustentabilidade. Na habitação, temos vindo a trabalhar para fornecer cada vez mais ferramentas para que os projetos sejam mais digitais, e sabemos que não podemos ser insensíveis à questão dos custos, pelo contrário. Criamos soluções para que promotor consiga atuar com um custo relativamente baixo, e permitir que os projetos vão sendo enriquecidos à medida que evolui a própria maturidade do mercado”. Para já, um certo nível de sustentabilidade não é obrigatório, mas vai ser, e promotores fazem parte do caminho. A AM48 suporta custos adicionais de 20% a 30% para ter certificações específicas nos seus projetos, que “daqui a algum tempo, serão obrigatórias para nós. Queremos começar a incluí-las nas nossas obrigações diárias, mais vale ter tudo implementado antes de passar a ser obrigatório”. Luís Vaz Pereira deu nota de que a sustentabilidade ainda não está a ter impacto direto no custo do capital, apesar de esse ser o caminho no futuro, nomeadamente com a taxonomia europeia. Seja como for, lamenta que “ter certificações e sustentabilidade na habitação para a classe média e com custos acessíveis é algo impossível. Sem industrialização não vamos conseguir ter custos mais baixos”.