Destinos periféricos registam “novo pulsar do mercado” da habitação

A grande procura e falta de oferta no mercado habitacional português mantém-se, e prova do dinamismo deste mercado é a contínua subida dos preços, que voltou a acelerar no início deste ano. E são cada vez mais os portugueses que procuram viver em concelhos afastados dos grandes centros urbanos que até agora tinham pouca expressão.«É um novo pulsar do mercado em concelhos que até agora não tinham grande expressão», descreve Paulo Caiado, presidente da APEMIP, participando no mais recente Pequeno Almoço da Vida Imobiliária, coorganizado com a Schneider Electric, que se centrou no tema da habitação e das novas formas de viver. Segundo o responsável, «para cada vez mais pessoas as periferias não são opção. Quem pode, e com os novos modelos de trabalho, procura e encontra soluções habitacionais noutros concelhos», e dá exemplos como Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço, ou Torres Vedras, assegurando que «os fluxos de procura nesses concelhos estão a ter impacto significativo nas economias locais».Porque estas cidades partem de patamares de valor inferiores, é aqui que mais se está a notar a subida dos preços, e que impacta também os números a nível nacional. «A reposição imobiliária demora anos, vamos ver a média dos preços a subir ainda muito impactada pelo aumento dos preços em localizações como estas».Em paralelo com o aumento dos preços, registou-se no primeiro trimestre deste ano uma descida de 3% no número de transações, face ao ano passado, mas os especialistas consideram que esta performance é quase uma estabilização. Para Paulo Caiado, este abrandamento «quer dizer que está tudo mais ou menos na mesma».Mas também em Lisboa os novos lançamentos e os preços estão em rota ascendente, segundo Patrícia Barão, da JLL. Recorda que «esta tendência de redução das transações já vem dos últimos trimestres de 2022, o mercado não está a notar uma redução de procura, até porque 2022 foi um ano recorde de transações, por isso as correções foram ligeiras, e partem de uma base muito elevada».Sobre os preços, Patrícia Barão acredita que a maior qualidade do parque imobiliário português também explica as fortes subidas: «estamos num patamar de imobiliário e de oferta que nunca tivemos no passado, não podemos ficar muito espantados com os preços de hoje».Há novas oportunidades para desenvolver habitação fora dos centrosUma das grandes vantagens de construir fora de Lisboa e Porto é, além do preço mais em conta, a possibilidade de fazer projetos com maior escala. É o caso da Libertas, que aposta forte na zona da Margem Sul do Tejo, nomeadamente no Seixal, e garante ter projetos em pipeline «para mais 10 ou 20 anos», diz Pascal Gonçalves. Atesta que «as zonas limítrofes das cidades ganharam relevância com a pandemia, as pessoas procuraram outra vida, e queremos fazer projetos aspiracionais, a menos de metade do preço de Lisboa». Está convicto de que «a Margem Sul vai ter um grande desenvolvimento imobiliário nos próximos tempos».Duarte Soares Franco, da Habitat Invest, afirma que «sair de Lisboa permitiu-nos olhar para outros projetos com outra dimensão e escala», com um preço por metro quadrado muito mais acessível. Em paralelo, a empresa encontrou «autarquias onde a celeridade dos projetos é também muito mais rápida do que em Lisboa». Tudo depende das oportunidades de investimento, e em Lisboa escasseiam aquelas «que permitam a fundos com algum capital entrar nesta fase, muitas vezes o preço não é de todo adequado para aquisição».Simplex do licenciamento é positivo, mas é necessária cautela na sua aplicaçãoOs morosos processos de licenciamento são desde há anos apontados como um dos principais obstáculos à criação de oferta de habitação para os segmentos médios, pelo custo que podem ter, e pela incerteza que criam junto dos investidores. Recentemente, o Governo apresentou uma série de medidas para um Simplex do licenciamento, que o mercado vê com bons olhos, mas pede a sua aplicação efetiva.José Cardoso Botelho, da Vanguard Properties, entende que «simplificar os licenciamentos é positivo, mas é preciso que isso seja feito com muita reflexão e cuidado, porque o problema não é a burocracia e sim os burocratas. É necessário ter em conta a segurança jurídica das transações e maturar bem as ideias».Tomás Nogueira, da Kronos, acredita que o principal objetivo da simplificação dos processos de licenciamento deveria ser dinamizar o mercado da primeira habitação, mas «temos ainda muitas dúvidas com o Simplex. Estamos a falar de alterações legislativas que terão algumas dificuldades na sua execução». E afirma que o tempo é um dos fatores que mais insegurança cria no investidor, considerando que seria útil ter prazos definidos e garantidos.“Estamos no caminho certo para manter um destino de imobiliário atrativo para todos”O setor da habitação enfrenta hoje uma série de desafios que já são bem conhecidos, e talvez nunca tenham sido tão debatidos como este ano. João Pita, da Round Hill Capital, recorda que existe «um desequilíbrio brutal e estrutural entre oferta e procura, independentemente dos últimos números. Isto acontece em todos os formatos de habitação, e acho que se vai manter».Para a Round Hill Capital, as perspetivas para os próximos meses são «muito boas». Do lado do investidor, nota que «olhando para o futuro, os fundamentais do mercado português são fortes e interessantes, só mudou o custo do dinheiro, e isso leva a que o critério de investimento seja mais apertado». E vê oportunidades fora de Lisboa, onde «as margens são melhores, a incerteza é menor, e a equação de investimento pode ser um pouco mais fácil».Patrícia Barão está convencida de, seja como for, e apesar de todos os desafios, «estamos no caminho certo para, em conjunto, manter Portugal um destino de imobiliário muito atrativo para todos os segmentos. Temos de encontrar soluções e tentar reunir toda a inteligência que existe no setor para ajudar e suportar quem toma decisões».BTR hoje é “ainda mais difícil”, mas Habitat Invest vai testar esse modeloO Build to Rent, ou a construção para arrendamento, vem sendo apontado como uma das principais soluções para aumentar a oferta de habitação mais acessível. Já está bem implementado em vários países, mas tarde em chegar a Portugal, com um modelo de negócio difícil de fechar, hoje mais ainda, devido aos custos de contexto, do financiamento, dos terrenos ou da construção.A Kronos reitera o seu interesse neste modelo de negócio, mas «ainda não conseguimos em Portugal, estamos a tentar, mas as expetativas são muito baixas».Ainda assim, a Habitat Invest vai apostar neste mercado. Duarte Soares Franco afirma que «vamos fazer um projeto para arrendamento» numa localização fora de Lisboa que não avança ainda. «Temos uma estrutura de capital diferente, que nos permite uma margem mais baixa para fazer Build to Rent puro e duro. Vamos testar».Revolução da industrialização vai partir da pressão dos clientes e dos promotoresEstá em curso uma verdadeira revolução no que diz respeito à industrialização da construção e aos novos métodos construtivos, que promete construção mais sustentável, em linha com as metas europeias de descarbonização, mas também mais barata.Mas é essencialmente a pressão de clientes e promotores imobiliários que vai imprimir o dinamismo necessário para que aconteça, acredita José Cardoso Botelho, da Vanguard Properties, empresa que está apostada neste caminho e tem vindo a fazer importantes aquisições de empresas da área.«É na construção nova que se consegue fazer este tipo de construção», que pode ter tecnologia robotizada, pouca mão-de-obra, e permite reciclagem direta e, ainda assim, customização. A construção industrial ou modular «permite maior otimização dos transportes, as peças vão mais otimizadas nos camiões, por exemplo».Pascal Gonçalves acredita mesmo que «a criação de habitação acessível pública deve ser um acelerador para a industrialização e criação de fábricas, e aqui não é pela rapidez, mas sim pela possibilidade de fazer. O PRR pode ajudar nisso». E José Cardoso Botelho acrescenta que «a industrialização pode ser particularmente interessante para projetos que dependem de renda».No entanto, e no que toca ao esforço de sustentabilidade, «o maior desafio que temos em termos de descarbonização é a reconversão do parque habitacional existente. O que estamos a fazer de novo tem um impacto muito pequeno em comparação com o que já existe, se queremos ser verdadeiramente sérios», afirma o responsável da Libertas.Em casa, «está tudo a mudar, principalmente nos últimos três anos», recorda Cláudio Costa, da Schneider Electric, mas ainda há muito por fazer. «Neste momento, mais de 30% da energia produzida é consumida nos edifícios, temos cada vez mais equipamentos elétricos, novos hábitos, mas grande parte da energia que pagamos hoje é desperdiçada. A maior parte das nossas casas não nos permite gerir a energia consumida pelos vários equipamentos, temos aqui estes dois pratos da balança – por um lado a preocupação se teremos ou não capacidade de produzir tudo o que necessitamos, por outro lado podermos gerir».

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