Em resultado da subida das taxas de juro, no final do ano, cerca de 70.000 famílias poderão ter uma taxa de esforço de mais de 50% para suportar as despesas do crédito à habitação. É quase 5% das famílias que têm crédito à habitação.
Na sua análise ao atual momento da economia, intitulada “Encruzilhada de políticas”, recentemente publicada (anualmente), o Governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, recorda que «a conclusão da recuperação da crise pandémica, o arrefecimento da inflação e a necessidade de encontrar as fontes de crescimento nos fatores estruturais fazem de 2023 um ano charneira».
Por um lado, o primeiro semestre ficou marcado pela subida intensa das taxas de juro, pela desaceleração das exportações, «em virtude de uma economia global hesitante», mas «com as variáveis nominais a refletirem uma inflação ainda demasiado elevada. A economia da área do euro quase estagnou, apesar da robustez do mercado de trabalho». No entanto, a economia portuguesa «manteve a convergência económica que caracterizou os anos anteriores à pandemia (…). Destacava-se entre as suas congéneres europeias. Contas públicas entre as mais equilibradas; endividamento público e privado numa trajetória de redução; e um sistema financeiro estável e aliado da economia».
Já a segunda metade do ano, está a ficar marcada com o emprego e os salários «em valores máximos». O emprego privado «cresceu 9% desde 2019 e há mais 800.000 empregos do que há dez anos! Os salários recebidos pelos portugueses têm uma evolução ainda mais expressiva: cresceram 20% desde 2019 e 67% na última década».
«Enfrentamos uma encruzilhada de políticas para reduzir a inflação e responder ao abrandamento da economia. Uma encruzilhada de políticas não é mais do que a necessidade de utilizar a cooperação institucional, como no passado recente da Europa e do país, para garantir uma saída bem-sucedida para os nossos desafios», escreve o governador.
«No final de 2023, cerca de 70.000 famílias poderão vir a ter despesas com o serviço do crédito à habitação permanente superiores a 50% do seu rendimento líquido»
No entanto, Mário Centeno alerta que «a encruzilhada traz maior aperto financeiro a famílias e empresas em resultado do ciclo de política monetária. No final de 2023, cerca de 70.000 famílias poderão vir a ter despesas com o serviço do crédito à habitação permanente superiores a 50% do seu rendimento líquido», e recorda que, no final 2021, «já eram 36.000 famílias. O reforço da poupança e a redução do endividamento, bem como os apoios públicos e o papel do setor bancário na prevenção do incumprimento podem mitigar estes riscos», considera.
Sem imprevistos de maior, a inflação deverá «aproximar-se dos 2%» no final do ano. «O objetivo de médio prazo está ao nosso alcance no horizonte próximo». Ao mesmo tempo, Mário Centeno analisa que «o enquadramento económico (externo) mostra sinais de desaceleração e mesmo com dimensões recessivas. Os indicadores económicos da área do euro divulgados em julho não são animadores, mas o cenário em que evitamos uma recessão está ainda no centro das nossas avaliações», diz ainda Mário Centeno.