Futuro do trabalho constrói-se no equilíbrio entre “inovação, flexibilidade e cultura”

Apresentação do estudo “Teletrabalho em Portugal: desafios e oportunidades do futuro".
Apresentação do estudo “Teletrabalho em Portugal: desafios e oportunidades do futuro".

O Gi Group Holding, em parceria com a Worx Real Estate Consultants, reuniu esta terça-feira especialistas num evento dedicado ao tema “Teletrabalho em Portugal: desafios e oportunidades do futuro”. Entre os participantes destacou-se a presença da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho.

Na sua intervenção, a ministra destacou o anteprojeto de reforma da lei laboral, que pretende modernizar o Código do Trabalho face aos desafios da era digital, nomeadamente o teletrabalho. Considerou tratar-se de uma mudança incontornável: “Vamos mudar porque é urgente fazê-lo. E vamos mudar numa fase em que não estamos em crise. Estamos numa situação de pleno emprego, e é importante aproveitar este momento”.

No entanto, apesar de reconhecer a estabilidade, referiu que “há sinais de alerta que tornam esta reforma urgente. A nível salarial,“estamos muito mal; persiste desigualdade entre mulheres e homens; a produtividade mantém-se abaixo da média europeia; e mais de 20% da população vive em situação de pobreza. São indicadores preocupantes, e temos de agir”. A ministra destacou ainda a flexibilidade e a contratação coletiva como elementos centrais para a criação de modelos laborais mais equilibrados e sustentáveis.

O estudo apresentado pela Gi Group Holding, em parceria com a Worx, baseado num inquérito a um vasto conjunto de empresas de diferentes setores, revela que 21,8% da população empregada em Portugal já trabalha à distância. O equilíbrio entre vida pessoal e profissional (92%) e a facilidade na atração e retenção de talento (84%) surgem como as principais vantagens apontadas pelas organizações. Por outro lado, a integração de novos colaboradores (76%) e o impacto na cultura organizacional (69%) continuam a ser os maiores desafios.

Crescimento dos espaços de coworking e flex offices

A análise destaca ainda o crescimento expressivo dos espaços de coworking e flex offices, que representam atualmente entre 5 e 10% do mercado de escritórios. Só até ao final de 2024 foram contratualizados 1.435 novos postos de trabalho nestes espaços, com mais 450 previstos no primeiro semestre de 2025. O setor tecnológico lidera esta tendência, concentrando cerca de 40% dos novos utilizadores, enquanto áreas mais tradicionais, como finanças, construção e imobiliário, mantêm uma adoção mais gradual.

Lisboa assume-se como laboratório vivo desta transformação, ao adaptar-se à nova realidade do trabalho híbrido através de bairros inteligentes, soluções de mobilidade e espaços inclusivos, alinhados com as políticas de sustentabilidade e responsabilidade social corporativa.

A flexibilidade no uso dos espaços surge, assim, como fator determinante para o crescimento sustentável e atração de investimento estrangeiro. De acordo com o estudo, 20% dos postos de trabalho na região de Lisboa resultam já da entrada de novas empresas (muitas delas internacionais) que procuram escritórios prontos a usar e modelos operacionais mais ágeis.

A mesa-redonda “O Futuro do Teletrabalho: desafios e oportunidades” juntou especialistas de diferentes áreas para discutir o impacto das novas formas de trabalho nas organizações, na produtividade e na cultura empresarial.

Nuno Ferreira Morgado, partner da área Laboral da PLMJ, começou por sublinhar o desfasamento entre o que está previsto na lei e a prática quotidiana das empresas. “Não regulamos o que realmente acontece na realidade. Quase metade das empresas não formaliza devidamente o teletrabalho, o que indicia que todas as outras obrigações associadas a este regime também não são cumpridas. Há um claro ‘gap’ entre a realidade e a legislação”, observou, acrescentando que “o esforço deste anteprojeto apresentado pela ministra é precisamente aproximar a realidade da lei”. Defendeu ainda que o teletrabalho “não vai voltar atrás”, realçando que “o fator principal é a confiança”. 

Jorge Teixeira, CEO do BPI Gestão de Ativos, destacou que a verdadeira mudança não está tanto no teletrabalho, mas na capacidade de adaptação das empresas. No caso do BPI, “as pessoas querem estar a trabalhar nas nossas instalações, onde temos investido fortemente. A flexibilidade é que impera - é a forma como posso gerir o meu trabalho, não tanto o teletrabalho em si”. O responsável sublinhou também a transformação profunda que o setor bancário tem vindo a viver. “A banca está a mudar há muito tempo. Os bancos estão em permanente transformação”, afirmou. O responsável abordou ainda temas estruturais, como a contratação coletiva e os novos perfis profissionais. “Estamos a criar carreiras para não diretivos. As pessoas já não querem ser ‘chefes’. Liderar equipas não é, para muitos, um objetivo. Em vez disso, procuram flexibilidade e uma vida equilibrada”, explicou.

Por sua vez, Nuno Troni, diretor de Search & Selection do Gi Group Holding, destacou que “o primeiro fator decisivo continua a ser o salário e os benefícios”, mas “logo a seguir vem o regime de trabalho e a possibilidade de equilibrar vida pessoal e profissional”. O teletrabalho “não vai voltar atrás”, considerou, acrescentando que as empresas “estão a ajustar os seus modelos e muitas já aumentam os dias remotos por semana. Este modelo veio consolidar-se como resposta à procura de flexibilidade e bem-estar, mas exige das empresas novas formas de reforçar a cultura e a ligação entre as pessoas”.

Contexto macroeconómico e imobiliário

Na apresentação dedicada ao enquadramento macroeconómico e imobiliário, Samuel Duah, Head of Real Estate Economics do BNP Paribas Real Estate, destacou que o crescimento global permanece modesto, refletindo um equilíbrio delicado entre resiliência e vulnerabilidade.

Segundo o responsável, a inflação deverá manter-se estruturalmente mais elevada, o que obrigará os mercados e as políticas económicas a adaptarem-se a esta realidade a médio prazo. “As taxas de juro diretoras poderão aliviar gradualmente, mas os problemas associados à dívida continuarão a pesar, com impacto na subida dos rendimentos das obrigações de referência a 10 anos”, referiu.

No setor imobiliário, as yields deverão ajustar-se a um novo patamar de equilíbrio, mais elevado do que o registado nos últimos anos. Ainda assim, Samuel Duah sublinhou que o segmento de escritórios não enfrenta um risco existencial, apesar da expansão do teletrabalho. “Os escritórios não são o retalho, e o teletrabalho não representa uma ameaça estrutural para o setor”, afirmou.

O especialista prevê o início de um novo ciclo de mercado, sustentado pelo rendimento das rendas, em que os custos operacionais assumem um papel decisivo na rentabilidade dos ativos. Este contexto poderá também abrir espaço a novas oportunidades de investimento, sobretudo para estratégias de criação de valor (value-added), num mercado em reajuste mas com fundamentos sólidos.