Bem-estar e cultura organizacional marcam novo ciclo dos espaços de trabalho

O espaço de trabalho deixou há muito de ser apenas um lugar físico. Foi esse o ponto de partida da 19.ª Conferência da APFM – Associação Portuguesa de Facility Management, realizada esta quarta-feira, que se debruçou sobre o tema “Espaços Mais Humanos”. Ao longo do encontro, especialistas de diferentes áreas refletiram sobre como o desenho, a cultura e a gestão do espaço podem reforçar o bem-estar, a pertença e a atratividade das organizações, num contexto em que talento, flexibilidade e inclusão se tornaram palavras-chave para o futuro do trabalho. A conferência abriu com a mesa-redonda “Rentabilidade, cultura e flexibilidade: à procura do equilíbrio”, que reuniu Ana Rita Silva, Workplace & Office Manager da Natixis Portugal, Filipa Vieira, VP Workplace da iCapital, Luís Decq Mota, diretor de Recursos Humanos e membro do Board do Grupo Armatis Portugal, Rita Mingatos, Head of Talent, Culture & Employer Branding da Fnac Portugal, e Ricardo Machado, diretor de Recursos Humanos da SIBS. O debate mostrou que o escritório continua a ser um ponto sensível na relação entre pessoas e empresas. A acessibilidade e o conforto foram apontados como fatores determinantes para o bem-estar dos colaboradores, mas o espaço, por si só, não basta. A cultura e o propósito partilhado surgem hoje como os verdadeiros motores da ligação entre equipas, revelando que o equilíbrio entre presença, flexibilidade e pertença é menos uma questão de metros quadrados e mais uma questão de identidade organizacional. A segunda mesa-redonda, dedicada ao tema “Diversidade e Inclusão: criando espaços mais humanos”, contou com as intervenções de Ana Garcia, presidente da Accessible Portugal; Maria Castro e Almeida, Head of Diversity, Equity & Inclusion da Nova SBE; Patrícia Faro Antunes, Director of Responsible Company Iberia da Accenture; e Sofia Roque, Head of People Wellbeing da Cofidis Portugal. “A inclusão começa pela acessibilidade” “A inclusão começa pela acessibilidade. Se não tenho acesso a algo, não consigo estar incluída”, começou por afirmar Ana Garcia, lembrando que a diversidade é inerente à condição humana. “Todos nós nascemos dependentes, e ao longo da vida atravessamos fases em que a nossa funcionalidade muda - esta diversidade é natural e deve ser entendida como parte da experiência humana”. Para a responsável, pensar em ambientes mais humanos implica reconhecer essa diversidade funcional e traduzi-la em práticas concretas. “Ambientes inclusivos são enriquecedores, mas também desafiantes para quem lidera. Incluir pessoas diferentes é, sem dúvida, uma mais-valia, mas exige trabalho, sensibilidade e compromisso”. Da perspetiva académica, Maria Castro e Almeida destacou o compromisso da Nova SBE com a inclusão através do Inclusive Community Forum, uma iniciativa dedicada à melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência e à promoção de uma comunidade mais inclusiva. “Trabalhamos com 82 empresas que assumiram o compromisso de recrutar pessoas com deficiência”, referiu. A responsável abordou também o projeto Campus Inclusivo, que nasceu há sete anos após um diagnóstico interno. “Percebemos que o campus não era inclusivo e decidimos agir”, recordou. Desde então, a instituição tem vindo a implementar mudanças que vão desde a revisão dos acessos físicos até à forma como pensa e vive a diversidade. “Trabalhamos numa lógica de compromisso com a inclusão. No início, procurámos sensibilizar e envolver outras empresas, mas hoje o foco está em garantir que o exemplo começa dentro de casa”, concluiu. Já Patrícia Faro Antunes destacou que a inclusão se constrói através da escuta ativa e da representatividade. “Trata-se de dar voz aos nossos colaboradores e refletir essa diversidade nas decisões que tomamos”, afirmou. A responsável sublinhou que equipas diversas são também mais produtivas, mas apenas quando existe uma gestão consciente das suas diferenças. “É essencial educar as equipas para compreenderem o outro. O envelhecimento da população e a convivência entre gerações colocam novos desafios - e isso pede diálogo”. Na Accenture, explicou, esta aproximação é trabalhada de forma prática. “Criámos focus groups para promover a interação entre gerações e culturas diferentes. Os espaços de interação são determinantes para que estas dinâmicas aconteçam. O tempo que passamos juntos no escritório deve ser o melhor tempo de colaboração possível”. “Ter um ambiente inclusivo é atender às características das pessoas que trabalham connosco” Por outro lado, Sofia Roque lembrou que “ter um ambiente inclusivo é atender às características das pessoas que trabalham connosco”. A estratégia da Cofidis, explicou, está alinhada com o compromisso global do grupo em criar experiências diferenciadoras para os colaboradores. “Fomos inclusivos desde o desenho do espaço: ouvimos os colaboradores e criámos um grupo transversal dedicado à acessibilidade nas Natura Towers”. A responsável destacou ainda parcerias com o Café Joyeux e a Associação Crescer, bem como um programa interno de saúde e bem-estar voltado para a prevenção e o equilíbrio dos trabalhadores. “A inclusão não pode existir sem bem-estar, assim como o bem-estar também não existe sem inclusão”, afirmou. Espaço de trabalho é reflexo da cultura, do propósito e da identidade das empresas O painel “Espaços que Retêm Talento: desenho, cultura e tecnologia” reuniu Nelson Paciência, arquiteto e Senior Partner Workplace Design na Saraiva & Associados; Luz Cardoso, especialista em Workplace Experience; e Ricardo Mó, Head of Real Estate da Siemens Portugal. As apresentações individuais antecederam o debate e deixaram uma ideia clara: o espaço de trabalho é hoje um reflexo da cultura, do propósito e da identidade das organizações. Para Nelson Paciência, o desenho do espaço deve nascer do contexto e das pessoas que o vão habitar. “O escritório é um espaço com um manifesto por detrás - é onde a cultura se vive e se torna invisível”. Para o arquiteto, o verdadeiro erro acontece quando “um projeto não traduz o propósito da empresa”. “O espaço comunica valores, cultura, cuidado e experiência” Já Luz Cardoso reforçou a dimensão emocional do espaço, sublinhando que “o escritório é onde nos sentimos vistos e onde nos ligamos à cultura da empresa”. Segundo a responsável, o design de um espaço de trabalho deve responder a uma pergunta essencial: como é que o meu espaço me faz sentir? “O espaço comunica valores, cultura, cuidado e experiência - e é uma das ferramentas mais poderosas na atração e retenção de talento”, referiu. Por sua vez, Ricardo Mó abordou o tema a partir da experiência da Siemens Portugal, destacando o desafio de transformar espaços industriais em locais atrativos e funcionais. “Os espaços devem ser convidativos - são eles que também transmitem a imagem da empresa”, afirmou. Para o responsável, a inovação é determinante, uma vez que “quanto mais pioneiros formos, mais talento conseguimos reter”. No debate que se seguiu, os intervenientes aprofundaram o papel do espaço como proposta de valor. “O espaço passou a ser uma proposta de valor em si”, afirmou Luz Cardoso, lembrando que “as novas gerações já não escolhem um emprego apenas pela empresa ou pelo salário, mas pelo propósito e pela forma como se sentem parte de algo maior”. Para a especialista, “o design do espaço pode, silenciosamente, dizer tudo sobre a cultura da empresa — desde as políticas de sustentabilidade até à forma como acolhe os novos colaboradores”. Já Nelson Paciência exemplificou que o espaço é, por si só, uma ferramenta de comunicação e atratividade. “Quando recebemos alguém para uma entrevista, o espaço deve falar por si. Enquanto essa pessoa espera para ser chamada, o escritório deve transmitir-lhe uma mensagem clara: 'vais querer trabalhar aqui', mesmo antes de saber o salário ou quem será o seu chefe”. O arquiteto sublinhou ainda que “os espaços de trabalho de hoje são radicalmente diferentes dos de há 20 anos”, destacando a rapidez da transformação. “As pessoas procuram melhores condições, mas também uma sensação de pertença e orgulho em fazer parte da empresa”. Por outro lado, Ricardo Mó acrescentou que a tecnologia e o bem-estar são hoje indissociáveis na forma como as empresas pensam o local de trabalho. “As pessoas valorizam espaços equipados, que estimulem a criatividade e ofereçam condições de conforto. No futuro, acredito que a inteligência artificial vai organizar o nosso dia de trabalho - planeando tarefas, reuniões e fluxos de movimento dentro do escritório”, considerou.

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