Apesar da «apreensão no curto prazo», os investidores imobiliários nacionais e internacionais manifestam um «otimismo cauteloso», partilha Hugo Santos Ferreira, vice-presidente executivo da APPII. O responsável falava no contexto da conferência online “O impacto do Covid-19 no mercado imobiliário”, que contou a 17 de março com a assistência e participação de mais de 1.000 profissionais do setor. Aponta que «se tudo correr pelo melhor, no final do ano poderemos ter o setor a recuperar. Não vale a pena dizer que não haverá um impacto negativo no setor, nomeadamente a nível da captação de investimento estrangeiro e de paragem de empresas de construção devido a períodos de quarentena».
O responsável prevê também uma paragem imediata ao nível das vendas, além da suspensão de vários contratos de empreitada. José Cardoso Botelho, da Vanguard Properties, confirma, mas acredita que esta é uma situação temporária: «alguns clientes cancelaram as suas reservas, mas isto não representará uma diminuição do interesse, mas sim um atraso. Estamos confiantes de que vamos conseguir resolver esta situação». E Ricardo Sousa, CEO da Century 21, diz que «estamos agora a registar o cancelamento das visitas aos imóveis, mas algumas aquisições foram apenas suspensas, e não anuladas. As pessoas esperam que a situação se normalize para poderem voltar ao mercado».
Os setores ligados ao turismo, nomeadamente o alojamento local, a hotelaria e o residencial, serão os mais afetados, segundo o responsável da APPII. Ou seja, «tudo o que envolver turismo e investimento individual».
Por seu turno, José Araújo, diretor da Direção de Crédito Especializado e Imobiliário do Millennium bcp, acredita que é importante «não entender esta fase como o fim do ciclo interessante que estamos a ter no setor imobiliário, mas sim como um contratempo. A atividade poderá retomar depois a sua normalidade».
Covid-19, o cenário “surpresa” que se concretiza
De entre os vários cenários possíveis previstos para o setor e para a economia em 2020, concretiza-se aquele que poderia ser o mais imprevisível e desconhecido.
António Gil Machado, diretor da Vi, destacou nesta conferência que «a atividade económica parou. O “cisne negro” já sabemos que é o Covid-19. Nunca experimentámos uma quarentena em vários países. Vai haver plano massivo de apoio à economia, os rendimentos vão diminuir, teremos mais dificuldades de tesouraria para as empresas», prevê.
Num primeiro momento, acredita, «teremos uma paragem da transação de ativos. Posteriormente, apenas quem está em emergência de liquidez será obrigado a vender. E por fim, com o fim da crise à vista, o dinheiro poderá voltar ao mercado, aumentando o volume de transações».
O PIB e o crescimento da economia influenciaram a valorização imobiliária de uma forma clara até 2016. Mas desde 2016, e até ao momento presente, a correlação deixou de ser evidente, e a valorização tem sido mais influenciada pelo efeito internacional de crescimento do turismo.
De acordo com os números da Confidencial Imobiliário apresentados, os passageiros desembarcados têm uma influência direta nesta tendência, em particular no alojamento local, que no 3º trimestre do ano passado oferecia rendimentos mensais líquidos de 1.042 e 1.105 euros no Porto e em Lisboa, respetivamente, e uma yield de 6%. O turismo tem assim «um efeito claro na valorização imobiliária», aponta António Gil Machado.
O que parece ser certo agora é que «as taxas de juro vão continuar negativas durante muito mais tempo do que se pensava. Por outro lado, a intervenção de apoio dos Estados à economia vai significar “imprimir” mais dinheiro, o que resultará em mais liquidez. Por isso mesmo, o imobiliário vai continuar a ser uma oportunidade de investimento» e alternativa a outros produtos financeiros, como tem sido nos últimos anos. «A pressão compradora vai voltar com yields ainda mais baixas», conclui António Gil Machado, que garante que «novas oportunidades vão surgir com esta nova crise».
Medidas excecionais para tempos excecionais
Impõem-se medidas excecionais que poderão ajudar a mitigar os efeitos desta crise, a APPII sugere algumas, como a isenção do pagamento das prestações de AIMI e IMI que vençam até ao final deste ano; uma bonificação do pagamento de IMT no prazo de 6 meses; a suspensão do prazo dos 3 anos para a revenda de imóveis; isenção do pagamento de IRC de julho; a simplificação da burocracia dos licenciamentos, ou novas linhas de apoio à tesouraria que não dependem da redução de faturação.
Pedro Vicente, Board Member da Habitat Invest, concorda com a importância destas medidas e devende ainda «a reversão imediata da suspensão dos "golden visa"». E destaca que «os problemas que vêm de trás não vão ser facilitados neste momento. Estas medidas podem apenas mitigar os efeitos da crise, mas o Governo deve agora estar focado na crise da habitação, que se vai agravar».
Já José Cardoso Botelho salienta que «as empresas da construção têm de ser muito apoiadas pelo Estado, além das famílias e das empresas em geral», salientando o facto de este setor ter saído há pouco de uma crise profunda, e num contexto de pouca promoção de obras públicas de relevo. «Temos de resolver o problema de acesso à mão-de-obra, nomeadamente simplificando os vistos de quem quer vir trabalhar para Portugal».
Uma nova oportunidade para o mercado de arrendamento?
A organização convidou a audiência a responder a esta questão:
Inquérito
1- O mercado de arrendamento vai voltar a ganhar dinamismo?
Sim – 37%
Moderado – 42%
Não – 20%
Em tempo de crise na procura turística, coloca-se a questão se o alojamento local, agora vazio, poderá voltar-se para o arrendamento de longa duração, enquanto a procura turística estiver em baixa.
Hugo Santos Ferreira destaca que «o mercado de arrendamento pode ter agora uma nova oportunidade. O alojamento local pode ser encarado em duas perspetivas: quando há procura turística pode ser uma resposta complementar à hotelaria, e quando este vive momentos menos positivos é importantíssimo que se possa voltar esta oferta para o arrendamento de longa duração».
Mas deixa o aviso: «é importante que se credibilize o arrendamento. Continua a ser de alto risco e muito instável, com alterações legislativas praticamente anuais», o que tem tido um grande impacto na confiança dos investidores e dos proprietários. José Cardoso Botelho concorda que «a estabilidade legislativa não tem sido conseguida. E vemos consequências, nomeadamente no arrendamento. Esta pode ser uma boa altura para os partidos e o Parlamento pensarem em termos uma fiscalidade estável e seguirmos uma visão de longo prazo».
Ricardo Sousa prevê um aumento significativo das transações de arrendamento neste período, o que segue também a tendência que se tem verificado desde o final de 2019. Atesta que «podemos ver mais imóveis a regressar ao mercado de arrendamento», lembrando que o negócio do AL com pouca escala não é tão rentável: «o grande desafio nos próximos tempos será a liquidez, tanto de famílias como de empresas».
Preços podem vir a descer
Durante esta videoconferência, a assistência foi convidada a responder se os preços do imobiliário vão ou não descer nos próximos tempos, consequência desta crise:
2 - Como vão evoluir os preços do mercado imobiliário?
Quebra – 56%
Quebra moderada – 41%
Estabilização – 2%
A Habitat Invest partilha que já sente que alguns interessados suspenderam compras, esperando que esta crise passe. Segundo Pedro Vicente, «vai acelerar a suavização de preços que já estávamos a sentir, bem como a velocidade das transações», garante.
Ricardo Sousa acredita que «este momento traz-nos um nivelamento do mercado a nível de preços. Os proprietários voltam a ter uma relação mais equilibrada com os compradores», e destaca que «é um arrefecimento que já vínhamos a registar. Muitos proprietários já estavam a rever em baixa o preço dos imóveis».
Empresas estão mais robustas
O que parece ser consensual entre os profissionais é que as empresas do setor estão hoje mais bem preparadas do que há 10 anos. «Em matéria financeira estão muito mais aptas a reagir a um impacto negativo como este, estou convencido disso», diz Hugo Santos Ferreira. Pedro Vicente concorda que «as empresas saíram de uma crise profunda que está ainda muito presente nas nossas memórias, e por isso estão muito melhor preparadas para situações deste tipo». Mas deixa o alerta: «as empresas estão extremamente dependentes do investimento estrangeiro».
José Cardoso Botelho salienta que «a qualidade do promotor é hoje completamente diferente, temos um conjunto de promotores com nível de formação muito diferente, muito mais qualificados e com mais experiência, há menor alavancagem, os bancos são mais criteriosos. Temos muito mais confiança hoje do que em 2009».
José Araújo destaca que hoje «há mais participação de capital próprio, e isso faz com que, se os valores baixarem no mercado ou houver maiores dificuldades, não coloca a banca aos níveis preocupantes em que colocou no início da década de 2010». E considera que «as empresas estão hoje muito mais profissionalizadas. A maior parte das empresas promotoras e construtoras faz parte de uma nova geração, que tem bons técnicos, bons parceiros internacionais, e na maior parte dos casos têm sabido defender-se e fazer uma promoção mais profissional e diferente».
Ricardo Sousa acredita que «a situação é bastante diferente de 2008. Temos como vantagem o facto de ser uma situação temporária, apesar de imprevisível. É controlada no tempo. E o efeito que vai ter na economia vai ser muito menos severo do que já assistimos no passado».
Teletrabalho vai influenciar o imobiliário a longo prazo
Com esta crise, surge uma oportunidade para incorporar a tecnologia no dia-a-dia, nomeadamente no trabalho. O imobiliário não é exceção, e a mudança parece vir para ficar, segundo os inquiridos neste questionário:
3- O teletrabalho vai influenciar o imobiliário no longo prazo?
Sim – 61%
Talvez – 23%
Não – 14%
A Century 21 é já exemplo disso. A imobiliária «todos os seus serviços em "cloud", podemos trabalhar em qualquer lado. E temos uma nova aplicação C21 através da qual os clientes podem fazer propostas, acompanhar o processo de compra e venda, e as nossas equipas estão preparadas para acompanhar os processos à distância, independente desta situação, que vai ser um incentivo à mudança de paradigma», acredita Ricardo Sousa.
«Estas ferramentas são há muito conhecidas, a Habitat Invest tem atualmente 100% dos seus trabalhadores a trabalhar em casa, mas o sistema é novo porque só agora estamos a recorrer a estas ferramentas como modo de trabalho. Sendo um tempo de reflexão e paragem obrigatória, é também um tempo de abertura a novas perspetivas, novos produtos e uma nova forma de trabalho. A médio-longo prazo, o que vivemos agora pode definir novas formas de trabalho e até novos produtos imobiliários», acredita Pedro Vicente.
«O mundo vai mudar, e o nosso setor também. Estamos hoje completamente abertos à mudança» das novas formas de trabalhar. «Nas dificuldades temos de encontrar oportunidades. Temos de ser fortes e de estar unidos, e com esta primeira conferência marcamos um passo importante na nossa indústria», diz Hugo Santos Ferreira.