Embora a vastidão dos seus danos no setor não seja ainda bem clara, a atual pandemia de COVID-19 poderá vir a revelar-se também o impulso necessário para, finalmente, empreender a necessária reestruturação da forma como se processa a atividade na indústria de investimento imobiliário em retalho, advoga o Urban Land Institute (ULI).
Apanhando-nos a todos de surpresa, a atual crise sanitária do COVID-19 traz também uma fatura pesada para a economia global e, em particular, para o retalho. Olhando em específico para o caso europeu, a ULI acaba de divulgar o estudo «Reshaping Retail», que mostra que o setor entra na crise já bastante fustigado pela pressão exercida devido ao boom do e-commerce e que, agora, com a consequente queda no sentimento e na atividade económica irá ficar ainda mais vulnerável.
Traçando um retrato atual do setor, neste estudo a ULI identifica uma necessidade latente de reestruturar os pressupostos e a forma como se desenvolve o negócio de investimento imobiliário em retalho, devido sobretudo ao forte embate do e-commerce no retalho brick & mortar. Uma realidade já identificada pela maioria dos 24 investidores entrevistados (antes do surto pandémico) para este trabalho, mas com a maioria dos inquiridos a considerar ser ainda demasiado precoce para levar a cabo as mudanças necessárias. Pois, no atual contexto de baixas taxas de juro, o facto de estarem a conseguir manter os níveis de resultados operacionais tem contribuído fortemente para aliviar a pressão exercida sobre os proprietários para vender ou reestruturar o seu negócio e os seus ativos. Ainda assim, ao mesmo tempo muitos destes senhorios reconhecem que se têm visto cada vez mais a braços com quebras do lado dos retalhistas e com rendas a serem revistas em baixa, estando menos confiantes acerca da sustentabilidade futura dos atuais níveis de renda praticados e dos requisitos da oferta que passarão a ser exigidos pelos retalhistas daqui para a frente, tanto em termos de volume como do tipo de espaço.
Considerando este cenário, o estudo da ULI preconiza que a atividade de investimento imobiliário em retalho está na iminência de praticamente paralisar devido à incapacidade de vendedores e compradores conseguirem chegar a consenso no que respeita aos preços destes ativos.
Antes da transformação, sentimento negativo alastra-se pela Europa
Na Europa, e até à data, o Reino Unido destaca-se como o mercado onde este problema mais se tem feito sentir, uma vez que se carateriza não só por uma relativa sobre-oferta de loja, mas também porque regista a maior atividade de comércio online a nível europeu; juntando-se ainda o facto de nele ser tradução uma prática comum de revisão de rendas apenas em sentido ascendente, num sistema que conduziu a um nível insustentável de valores. Mas, o sentimento negativo em relação ao investimento nessa classe de ativos rapidamente alastrou ao continente, com financiadores a reterem dívida e os investidores a demostrar incerteza quanto ao impacto que a esperada mudança estrutural possa vir a ter em todos os mercados.
«O facto de o retalho estar a ser afetado por grandes transformações estruturais significa também que se torna muito mais desafiador para os investidores encontrar o seu lugar no mercado», nota Lisette van Doorn, CEO da ULI Europe. «Eles sabem que com a descida das rendas ou com o reposicionamento para outros usos, o valor dos seus ativos deverá ser reavaliado e, por isso neste momento torna-se difícil tomar decisões informadas em relação quer aos ativos existentes quer em relação a futuros investimentos. Por agora, o impacto do surto do coronavírus nos resultados operacionais ainda não é muito claro, mas a pandemia irá certamente colocar pressão adicional nos proprietários de ativos de retalho e poderá vir a funcionar como o gatilho para a reestruturação», conclui.
Empresas cotadas serão as precursoras neste movimento
O estudo da ULI vem também identificar um conjunto de outros estímulos que podem dar o impulso para fazer o mercado sair da estagnação, fornecendo novas provas de preço.
Entre estes, o primeiro destaque vai para o mercado listado, cuja elevada transparência que lhe é caraterística já vem colocando uma maior pressão nas empresas cotadas, com os primeiros movimentos a começar a surgir. Mesmo assim, e apesar de os descontos em relação ao valor líquido do ativo muitas vezes superarem os 50%, por enquanto ainda foram poucas as vendas concretizadas entre esta franja da indústria, reconhece o estudo.
Um maior declínio no sentimento e no desempenho económico foi também identificado como sendo outro gatilho para a mudança, e potencialmente mais forte, consideram aqueles especialistas. É que, embora até aqui o desempenho operacional do imobiliário se tenha revelado suficiente para evitar muitos problemas, o atual estado de isolamento e a brutal redução da atividade económica e de consumo na maioria dos países europeus deverá conduzir a uma queda mais acelerada dos resultados dos retalhistas e, consequentemente, gerar perdas mais elevadas também para os senhorios dos imóveis que ocupam. Assim, antevê a ULI, logo que a situação esteja mais estabilizada e menos incerta, é provável que venhamos a assistir à entrada de mais ativos no mercado de venda e a um nível de preços capaz de atrair os operadores com um perfil de risco mais elevado.
O estudo explica ainda que até agora, as novas fontes de capital, como o private equity, que procuram capitalizar as oportunidades desta evolução têm-se debatido para encontrar pontos de entrada no mercado, mas exercendo pouca pressão sobre os proprietários para trazer os seus ativos ao mercado a preços suficientemente baixos. Mas, um dos principais problemas – e, uma vez mais, o Reino Unido é o exemplo mais evidente -, é que esses investidores de private equity há estão muito expostos ao setor do retalho, após terem nele investido fortemente entre 2013 e 2014. Algo que na altura era encarado como uma jogada com um retorno muito promissor mas, com a emergência e o acentuar destas alterações estruturais, o que se verificou foi que acabaram por investir precisamente no período que viria a ser identificado como o pico do ciclo no caso dos centros comerciais secundários.
Centro ancorados na experiência e centros de proximidade na pole position
No final, para que os centros consigam ser resilientes no futuro é preciso que consigam encontrar níveis de rendas acessíveis e sustentáveis. Esta será uma da provas do processo de reestruturação do setor, da qual provavelmente sairão vencedores os centros comerciais dominantes e fortemente ancorados na «experiência» do utilizador e os centros de proximidade, mais focados no comércio de conveniência. Os maiores problemas surgirão para aqueles esquemas que se situam algures no meio, isto é, complexos que não são suficientemente atrativos para se constituírem per si um destino de compras, mas que também representam um esforço demasiado elevado para atrair os comerciantes locais, conclui o estudo.
Apesar de toda a incerteza em redor deste tema e da forma como irá evoluir a indústria, um pouco por toda a Europa já se vem observando que muitos dos proprietários de centros em dificuldades estão a procurar estratégias para revitalizar e preservar o valor dos ativos que têm em carteira ou, em alguns casos, soluções mais radicais que passam mesmo pela reconversão do imóvel. «Não existe uma solução universal, mas sim diferentes abordagens, eficazes, que devem ser consideradas e levadas a cabo numa base imóvel-a-imóvel. Os proprietários tanto podem revitalizar ativos em localizações mais fortes introduzindo-lhes novos usos de food & beverage ou lazer, como considerar o reposicionamento ou a reconversão do ativo noutros», concluiu Lisette van Doorn.