Virar uma página negra da história da Habitação em Portugal

As eleições legislativas originaram um cenário que inicialmente se revelou como uma surpresa, mas que, polémicas à parte, pode ser a alavanca para um quadro de estabilidade, moderação e equilíbrio de longo-prazo – e estes atributos, que são a tradução do que os portugueses expressaram nas urnas, foram reiteradamente reivindicados pelo mercado imobiliário ao longo dos últimos anos, e são, no entender da ALP, condição essencial para o seu saudável e sustentado desenvolvimento e a única resposta possível para reversão da crise habitacional que o país atravessa.A mudança e de ciclo político em Portugal e a confortável maioria absoluta que o povo português conferiu ao Partido Socialista são um ponto de partida para o Governo se sentar à mesa com os atores do mercado imobiliário – associações de proprietários, de inquilinos, promotores e investidores imobiliários, empresas de construção, entre outros – pela primeira vez em seis anos, juntando todos debaixo de um mesmo objetivo.Essa ausência de diálogo fez com que a emergência habitacional que o nosso país enfrenta fosse fortemente agravada pela adoção de políticas erradas, e por um inegável sequestro ideológico e preconceito à propriedade privada, que resultou numa quebra de confiança histórica por parte dos donos de imóveis e à escalada dos preços da habitação para níveis recorde. E temos também que ter a honestidade de admitir que a situação do mercado imobiliário em Portugal não se resolverá de um dia para o outro e que, em 2022, será incontornável a continuação do aumento dos preços, inclusivamente pelo efeito da terrível catástrofe social e humanitária, mas também económica e financeira, que advirá da Guerra da Ucrânia, com aumento das matérias-primas e de outros constrangimentos logísticos que se sentirão em todo o mundo e resultarão numa escalada dos custos de construção. A situação de guerra na Europa provocará igualmente ondas de choque nos meritórios esforços de construção de habitação pública que estão consignados no PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, que se vão atrasar e custar mais dinheiro do que estava inicialmente previsto. O Estado tem que perceber que se demitiu do papel da Habitação durante décadas e tem que obrigatoriamente fazer dos donos de imóveis os seus aliados. Com ou sem PRR.Para além da importância da abertura ao diálogo, o foco das prioridades no novo ciclo político tem, para a ALP, que passar pelo fim do congelamento de rendas e pela atribuição pelo Estado de subsídios a arrendatários carenciados, pela estabilidade da legislação do arrendamento e, em termos fiscais, pela extinção do AIMI – Adicional ao IMI e redução da taxa liberatória para todos os contratos de arrendamento, pois não se compreende como se deixaram de fora os contratos vitalícios. A nível legislativo há atualmente uma multiplicidade de falhas na lei do arrendamento português e na base está, para a ALP - Associação Lisbonense de Proprietários, a ausência de uma estabilidade legislativa que assegure aos proprietários de imóveis, investidores e promotores imobiliários um enquadramento consolidado, que garanta previsibilidade, confiança e equilíbrio entre a oferta e a procura. Infelizmente, nos últimos seis anos, assistimos a um fervor legislativo dos governos em matéria de arrendamento. E entre leis mal redigidas e com falhas graves, algumas que a ALP reputa inclusive de inconstitucionais, foram paralisadas importantes reformas do arrendamento que estavam em curso, ao sabor de uma agenda e pressão política.O caminho a percorrer no futuro ciclo político não pode passar pelas constantes alterações legislativas que levam a que há mais de 40 anos exista um mercado de arrendamento onde persiste um sentimento de desconfiança insuportável e que não encontra paralelo em democracias consolidadas a nível europeu.Da mesma forma não se pode insistir na Lei do arrendamento como um emaranhado de leis das quais chegam a resultar contradições. Vejam-se, por exemplo, situações completamente anómalas, como a legislação atual remeter para artigos do regime do arrendamento urbano que entrou em vigor no ano de 1990 e que se encontra há muito revogado pela lei de 2006.Para combater veementemente a redução do número de imóveis colocados no mercado, bem como a degradação dos imóveis arrendados com contratos vitalícios, há que proceder a alterações imediatas nas políticas da habitação no novo ciclo político, nomeadamente ter a coragem de acabar definitiva e irrevogavelmente com o congelamento de rendas, sucessivamente prorrogado, que dura há mais de 110 anos.O congelamento de rendas português empurrou para os privados uma função que compete apenas ao Estado. Constitui-se como uma injustiça histórica que provoca uma distorção de mercado (casas com rendas muito altas compensam aquelas que são forçadas há décadas a ter rendas muito baixas) e é um entrave à reabilitação urbana – uma situação que é mais visível nos grandes centros urbanos, que têm o seu edificado arruinado e os seus proprietários descapitalizados, incapazes de poderem realizar as operações de grande monta de recuperação do seu património, acabando por vender os seus imóveis.Para a ALP, o fim do congelamento de rendas é central e prioritário porque atua como um vírus que destrói a confiança de proprietários em todas as outras matérias da Habitação e Arrendamento. O fim do AIMI – Adicional ao IMI, também conhecido como “Imposto Mortágua”, seria também um inequívoco sinal de tempos de mudança e que se mudaria uma página negra da história da habitação em Portugal.

CONTEÚDO EXCLUSIVO PARA ASSINANTES