Propriedade “Vertical” e a Revolução de Abril

Afinal, e enquanto as leis de Newton nos prenderem à terra, a propriedade da generalidade dos imóveis - rústicos ou urbanos - projeta-se sempre num plano horizontal, pelo que os regimes de propriedade que assentam na sobreposição de imóveis sobre outros poderiam denominar-se de “propriedade vertical”.Introitos à parte, a verdade é que o regime legal da “propriedade horizontal” - de importância nuclear, por regular a vasta maioria das relações que se estabelecem entre proprietários de imóveis que coabitam em condomínios - foi alterado no início de 2022, com a publicação da Lei n.º 8/2022 de 10 de Janeiro.Com a entrada em vigor agendada para o próximo dia 11 de Abril, as alterações introduzidas não são propriamente revolucionárias, como o costumam ser os eventos de Abril, mas as modificações ao regime introduzem nova regras que o mercado vinha clamando, e que terão um impacto importante no que é e será “a vida em condomínio” ou no desfazer da mesma, alterando-se os mecanismos de transmissão de frações autónomas, bem como as regras de organização e distribuição de funções nas assembleias de condóminos. Entre outras alterações, que o formato condensado deste artigo não permitem detalhar, diria que a alteração mais relevante é, sem dúvida, a alteração da regra da unanimidade dos condóminos para se conseguir alterar o titulo constitutivo da propriedade horizontal (que fixa o numero de frações, os usos permitidos e as partes comuns e/ou de uso exclusivo do prédio), criando-se, pela primeira vez, a possibilidade de se contornar o bloqueio por parte de um (ou de uma pequena minoria) de condóminos.Para contornar os chamados “bloqueios minoritários” passa a ser possível o recurso à via judicial para aprovar alterações ao título, porta esta que se abre desde que os votos dos condóminos que estiverem a bloquear uma determinada alteração sejam inferiores a 1/10 do capital investido, entre outras condicionantes.Não sendo uma solução perfeita para fazer valer a vontade da maioria, abre-se agora um caminho que, anteriormente quando bloqueado, não tinha solução, sendo por tal uma alteração relevante, sobretudo na ótica da reabilitação urbana de partes de edifícios em regime de propriedade horizontal que impliquem promover a junção ou alteração do numero de frações ou da configuração das partes comuns de um prédio, que tantas vezes esbatiam na falta de unanimidade e na mera recusa de uma pequena minoria, muitas vezes motivada por especulação económica ou pequenas disputas. Nota ainda para a exigência de um novo documento para a transmissão de imóveis: a nova lei veio exigir agora a entrega de uma “uma declaração escrita” que ateste a existência, ou não, de dívidas ao condomínio. É seguramente uma inovação útil, para suprir e procurar obviar as (frequentes) surpresas que resultavam da inveracidade das meras declarações verbais de que “está tudo pago” e que mais tarde se vinham a revelar incorretas, por existirem dívidas ao condomínio, que em cenários mais gravosos, podiam ascender a milhares de euros quando estavam em causa quota-partes de pagamento de obras de manutenção ou inovações ainda por regularizar. No que respeita às transmissões de frações autónomas, nota ainda para a obrigação, para o vendedor, de comunicar à Administração do Condomínio a venda da fração, indicando o nome e NIF do adquirente, gerando-se responsabilidades para o alienante se não fizer esta comunicação obrigatória.São contributos válidos para a segurança jurídica das transações, sobretudo num mercado dinamizado por compradores internacionais que nem sempre tinham visibilidade sobre o passado financeiro das frações que adquirem e que estavam a herdar ou que se mantém no radar dos condomínios, que se veem por vezes desesperados para conseguir identificar quem são os proprietários dos imóveis. Mas, no final, acrescentou-se apenas mais burocracia ao que se deveria estar simplificar, numa economia digital como é a nossa, em que os principais serviços imobiliários estão on-line e digitalizados.Estamos longe ainda da existência de um “Documento Único Predial” (DUP) que concentre, num único suporte, toda a informação predial, matricial, de licenciamento e de certificação de um imóvel, para obviar a panóplia de documentação - muita da qual com informação idêntica – que tem de ser compilada para se poder transacionar um imóvel ou, após a compra, se gerirem as relações e direitos e obrigações que emergem para um proprietário de um imóvel – notificações, convocatórias, pagamentos, obrigações fiscais.O DUP, a existir, seria sim uma revolução, para simplificar a Vida Imobiliária de todos.

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