A pandemia de Covid-19 e a consequente evolução epidemiológica que se tem verificado no nosso país, associada a uma preocupação séria e fundamental de preservação da saúde pública, tem dado azo a uma série de iniciativas legislativas que visam oferecer uma resposta cabal à necessidade de se encontrarem soluções alternativas à realização presencial de uma variedade de atos, permitindo-se assim a dispensa física dos seus intervenientes nos mesmos.Nessa senda, entrou em vigor no dia 4 de abril de 2022 o Decreto-Lei n.º 126/2021, de 30 de dezembro, que estabelece um regime temporário, completamente inovador “aplicável à realização, através de videoconferência, de atos autênticos, termos de autenticação de documentos particulares e reconhecimentos que requeiram a presença dos intervenientes perante conservadores de registo, oficiais de registo, notários, agentes consulares portugueses, advogados ou solicitadores”.Permitindo este novo regime a celebração de determinados atos por videoconferência, consagra contudo, um conjunto de regras que, como não poderia deixar de ser, oferecem aos intervenientes todas as garantias de segurança e autenticidade.O propósito deste artigo não será o de efetuar uma análise detalhada sobre o objeto e âmbito deste novo regime, já sobejamente analisado em variados escritos entretanto publicados - sendo inquestionável a aplicabilidade do mesmo às transações imobiliárias sujeitas a atos próprios da competência de profissionais legalmente habilitados para o efeito - mas antes levantar algumas questões e indagar sobre as potencialidades e também dificuldades ou desvantagens que a sua utilização poderá eventualmente implicar.Importa, desde já, referenciar dois aspetos essenciais que este regime apresenta, como sejam o carácter facultativo do procedimento, não se apresentando como única solução mas sim como uma alternativa à disposição dos intervenientes, não prejudicando a opção pelos habituais regimes e procedimentos aplicáveis, e o facto de a sua aplicabilidade se encontrar balizada no tempo, porquanto vigorará durante dois anos, findos os quais será objeto de avaliação, o que de certa forma revela alguma incerteza na adoção definitiva da medida.Tornar-se-á esta caducidade legalmente estabelecida numa renovação automática/implementação definitiva do regime? Tudo leva a crer que sim. Ainda que os resultados em termos de utilização não venham a ser os perspetivados, pouco sentido faria dar-se este passo para depois se desistir de tal medida.Mas outras interrogações prévias se colocam, na realidade.Desde logo, a de saber se terá este regime pecado por tardio? A questão parece pertinente se tivermos em consideração que, apesar de todos os constrangimentos resultantes de um período bastante conturbado no que à saúde pública diz respeito, a verdade é que, aparentemente, estaremos mais próximos da normalidade, ou pelo menos da apelidada “nova normalidade”, que permite estabelecer ou retomar uma série de comportamentos tidos por usuais.Aliás, diga-se em abono da verdade que o mercado imobiliário, nomeadamente ao nível das transações, sempre se mostrou extremamente resiliente, não evidenciado uma quebra que pudesse considerar-se significativa.Todavia, e sem prejuízo do timing, tendo presente as tendências recentes aos mais diversos níveis, sempre no sentido de um futuro seguramente mais digital, a iniciativa deve considerar-se positiva e de inegáveis potencialidades.A utilização da plataforma digital permitirá sem dúvida obter algumas vantagens, designadamente ao nível das deslocações e tempo despendido com as mesmas, rentabilizando-se esse período na execução de outras tarefas, bem como na gestão de todos os custos associados, o que para alguns intervenientes, particulares ou institucionais, não será de somenos importância, promovendo o cumprimento de objetivos de maior eficiência e produtividade.Diria, contudo que, não desconsiderando as óbvias vantagens potenciais, emerge a dúvida sobre o sucesso desta ferramenta, em virtude essencialmente de dois fatores: por um lado, a preparação e predisposição dos utilizadores no que respeita a este tipo de plataformas, que implicará, no que às transações diz respeito, uma indubitável mudança de mindset - mais ainda quando as transações apresentem elevado grau de complexidade a vários níveis – e, por outro, a previsível dificuldade na utilização da plataforma e a constatação de uma elevada burocracia associada, que possam ter repercussão na efetiva utilização de tal ferramenta (veja-se o exemplo do Balcão Nacional do Arrendamento, cuja utilidade prática ficou muito aquém das expetativas iniciais).Concluindo, apresentando-se este regime claramente com uma visão e propósito de futuro, em sintonia com uma era de transformação digital e teoricamente munido dos ingredientes essenciais ao objetivo traçado, vislumbra-se uma fase de adaptação que poderá ser ou não curta, em função de eventuais dificuldades que a plataforma digital apresente, pelo que o sucesso deste meio telemático somente poderá ser aferido após o início de vigência deste novo regime e com a divulgação dos primeiros estudos realizados sobre o impacto da sua utilização.Como tudo o que é inovador, este mecanismo suscita mais dúvidas do que certezas, não sendo possível neste momento responder à questão crucial: Será realmente mais simples concretizar uma transação através desta nova ferramenta digital?Cá estaremos, atentos, para a seu tempo tirar as devidas ilações.