Os direitos (auto)excluídos da usucapião

É um meio aquisitivo da propriedade, assim prescreve o artigo1316º do CC, a par do contrato, da sucessão por morte, etc. A finalidade subjacente do presente texto visa discutir a utilidade prática em torno do artigo 1293º do CC, “Direitos excluídos”, atendendo que existe, hoje, através da evolução hodierna, uma panóplia de meios e conhecimentos que ultrapassam, em muito, o sentido de legislador, e por muito esforço de metonímia que se faça, não é possível “esticar” as normas sob pena de ficarem obsoletas. É consabido que para haver usucapião terá de haver posse, nomeadamente pública e pacífica. E o nosso CC é perentório ao afirmar que a exclusão advém da não existência de posse. Concordamos em discordar! Deste modo, atente-se no teor do carácter excecional da alínea a) e b) do artigo 1293.º do CC. Em primeiro lugar, não é consentâneo que esta norma seja excecional (em relação à regra geral do 1287º CC), como se faz crer. Ela é mais uma consequência do embrenhamento jurídico que o legislador fez questão de apaziguar. Quanto à alínea a) do artigo supra citado, veja-se, comparando-o com conteúdo do artigo 1548.º do CC, este repete a solução já anteriormente dada e, no seu n.º 2, consagra uma solução paradoxal, ao prescrever que “Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelem por sinais visíveis e permanentes”. E num raciocínio ex ante questiona-se: como se tem a posse de algo se não visível? Ora, é lógico, se não há sinais visíveis não podem ser permanentes. Consequentemente, a posse tem que ser pública para efeitos de usucapião. As servidões não aparentes não são públicas, e por conseguinte, não pode haver usucapião porque, por definição, a posse não pode ser conhecida pelos interessados, ou seja, não se verifica o requisito da publicidade. E, na maior das vezes, estas servidões são similares com os que “se aproveitam da tolerância do titular do direito”, nos termos e para efeitos da alínea b) do artigo 1253.º do CC (1), logo por unidade do sistema a detenção não permite a usucapião. Desta forma, e no mesmo sentido, a alínea b) do artigo 1293º do CC, o problema in casu é a publicidade do ato, ou seja, trata-se de uma impossibilidade de dissociar os direitos de uso e de habitação do direito de usufruto. Pelo que não existe nenhum elemento visível nem caracterizável que possa conduzir à usucapião. Em ultima ratio, em concurso de posses (direito de uso vs. usufruto), estaremos a admitir em tese que este último não será usucapido, provocado, naturalmente, pela confundibilidade de direitos. Como se referiu, não se pretende descredibilizar o instituto da usucapião, pretende-se apontar algumas falhas do sistema não sendo despiciendo questionar-nos acerca do alcance prático do artigo 1293º do CC, e a resposta é clara: atrever-nos-emos a concluir pela inutilidade total de tal norma visto que tais alíneas já estariam excluídas de qualquer modo atento os princípios e regras que norteiam os Direitos Reais. Ora, perante isto, pergunta-se: o artigo alvo de escrutínio ainda fará sentido? Ou corresponderá a uma visão estática e arcaica? É que já vamos na septuagésima terceira versão do Código Civil... (1) Vide Acórdão TRC, de 10-07-2013, processo n.º2482/08.3TBAGD.C1, que dispõe no mesmo sentido:” A razão da proibição residia na circunstância do legislador recear que actos de tolerância, de solidariedade ou boa vontade dos proprietários, para com os seus vizinhos, tolerando a passagem destes pelos seus terrenos, se tornassem em motivo de aquisição de direitos, contrariando as expectativas de quem havia manifestado apenas tolerância e boa vontade.

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