O responsável pelo cumprimento normativo (RCN) na Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais

E se o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (IMPIC, I. P.), nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 89.º da referida Lei, tinha já competência na verificação do cumprimento dos deveres que, nos termos aí previstos, impendiam sobre as entidades que exerçam atividades imobiliárias, e se, nos termos do artigo 94.º e do n.º 4 do artigo 46.º do mesmo diploma, lhe competia, também, regulamentar os deveres, quer gerais quer específicos, que sobre essas entidades impendiam, o Regulamento 276/2019 veio dar um passo complementar na operacionalização desses deveres. No âmbito deste novo regulamento, essa previsão legal sai, de facto, reforçada, sendo que se estabelecem, ao abrigo da supracitada umbrela legal e competencial, as condições de exercício, assim como o conjunto de procedimentos, instrumentos, mecanismos e formalidades inerentes ao cumprimento dos deveres, gerais e específicos, estabelecidos na Lei, e os demais aspetos necessários a assegurar o cumprimento dos deveres de prevenção e combate de branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (BC/FT), por parte das entidades que exerçam, em território nacional, atividades imobiliárias, sujeitas à fiscalização do IMPIC, I. P.. O ponto de partida vinha já definido na supracitada Lei e acabava por estipular que no âmbito dos seus deveres de prevenção e deteção de atividades ou operações suspeitas de BC/FT, as entidades obrigadas, lato sensu, deviam: i) definir um modelo eficaz de gestão de risco, com práticas adequadas à identificação, avaliação e mitigação dos riscos de BC/FT; ii) desenvolver políticas, procedimentos e controlos em matéria de aceitação de clientes e de cumprimento do quadro normativo aplicável; iii) promover planos de sensibilização e formação dos colaboradores acerca das funções e responsabilidades. Mas, concretamente, as entidades obrigadas estão agora obrigadas a designar um responsável pelo controlo do cumprimento do quadro normativo (RCN) em matéria de prevenção e combate ao BC/FT: nas sociedades por quotas ou empresário em nome individual, cujo número de colaboradores, em regime de contrato de trabalho ou de prestação de serviços, seja superior a cinco e nas sociedades anónimas. Mas, atenção, mesmo que uma determinada entidade não esteja obrigada, pelas suas características a designar RCN, as funções sempre devem ser materialmente asseguradas por colaborador designado para o efeito. As entidades obrigadas devem garantir que o responsável pelo cumprimento normativo exerce as suas funções de modo independente, permanente, efetivo e com autonomia decisória necessária a tal exercício, dispondo, para tal, da idoneidade, da qualificação profissional e da disponibilidade adequadas ao exercício da função. Mais do que isso, o RCN terá que dispor de meios e recursos técnicos, materiais e humanos adequados e ter acesso irrestrito e atempado a toda a informação interna relevante para o exercício da função. Não se encontrando sujeito a potenciais conflitos funcionais, o responsável pelo cumprimento normativo deve, inter alia: participar na definição e emitir parecer prévio sobre as políticas e os procedimentos e controlos destinados a prevenir o BC/FT; acompanhar, em permanência, a adequação, a suficiência e a atualidade das políticas e dos procedimentos e controlos em matéria de BC/FT, propondo as necessárias atualizações; assegurar a centralização de toda a informação relevante das diversas áreas de negócio da Entidade Obrigada; e desempenhar o papel de interlocutor das autoridades judiciárias, policiais e de supervisão e fiscalização. Se a especial regulamentação destas exigências de BC/FT no âmbito imobiliário está directamente relacionada com a importância e crescimento exponencial do setor, a verdade é que o papel concreto do responsável pelo cumprimento normativo irá acabar por levantar desafios concretos, por um lado, às empresas de pequena e média dimensão que terão custos acrescidos com a formação destes profissionais e, por outro lado, aos próprios profissionais que irão ver mais esta vertente competencial, porventura sem especiais preocupações de sensibilidade formativa, adicionada ao seu core de funções. Estas especificidades referentes ao RCN são, apenas, a ponta do icebergue de um problema legal que se adensa e revela como incomparavelmente maior. Começam, assim, a identificar-se fragilidades graves (quiçá a roçar os limites da inconstitucionalidade) concretamente quanto às previsões ínsitas naquela rede legal de não aplicação de princípios da constituição processual penal, nomeadamente com a não proibição da aplicação da reformatio in pejus e com a punibilidade tout court da tentativa (em claro arrepio ao que é um lastro de garantias efetivas dos arguidos). No fundo, existe uma inegável preocupação com a adequabilidade e equilíbrio entre aquilo que são os objetivos preambulares da referida Lei 83/2017 e o largo espetro de entidades obrigadas que poderá dificultar a sua operacionalização. Fará sentido o limite sem crivo nem regra do índice-limite dos €15.000,00 para justificação da supervisão prevista na Lei de BC/FT? Fará sentido que uma pequena empresa, por exemplo de mediação imobiliária, esteja adstrita a esta concreta exigência do RCN? No fundo, e para lá de um esforço automático de transposição de diretivas, o problema mantêm-se: não se compreende como se enxerta o fenómeno do branqueamento de capitais a um outro, o de terrorismo, que, estabelecendo com ele relação nunca verdadeiramente o esgota, comprometendo a eficácia e alcance da legislação em causa; não se compreende, sobretudo, a falta de sensibilidade na definição e assunção de um adn legislativo próprio, compreendendo as especificidades do fenómeno mas inserindo-o num lastro normativo próprio. Persiste a senda da legislação meramente cosmética sem aplicação real?

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