O QUE MUDA NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA EM PORTUGAL

Trata-se de uma profunda reforma do quadro jurídico nacional de contratos públicos, em grande parte, motivada pela necessidade de transpor diretivas europeias de 2014, sobre a matéria. Por isso, neste momento, a grande questão é: o que muda verdadeiramente na contratação pública em Portugal com esta alteração legislativa? Começaria por dizer que muda, desde logo, o paradigma em que assenta a contratação pública. Assim, de uma visão meramente administrativista da contratação pública (administrative approach) passamos a uma visão estratégica (strategically and needs-driven approach), em que o processo aquisitivo não é apenas um meio instrumental para a satisfação de necessidades públicas (traduzido na aquisição de bens, serviços ou obras), mas antes um poderoso instrumento estratégico para o desenvolvimento de políticas públicas, tais como a inovação, a competitividade da economia, a sustentabilidade ambiental ou a inclusão social. É por isso que encontramos nesta nova ordem jurídica instrumentos como a parceria para a inovação, a regra da adjudicação por lotes como estímulo à participação das PME em contratos públicos, o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa tendo por base uma relação qualidade/preço e, sempre que possível, uma análise do custo do ciclo de vida ou a possibilidade de reservar contratos para entidades que empreguem pessoas com deficiência ou desfavorecidas. A contratação pública estratégica é um caminho sem retorno, pois é ela que nos permitirá alcançar uma Europa mais inovadora, mais inclusiva e mais sustentável do ponto de vista ambiental, económico e social. Esta nova realidade, com que nos iremos deparar a partir de 1 de janeiro de 2018, apresenta, porém, algumas dificuldades práticas resultantes da existência de normas legais mais abertas, que atribuem às entidades adjudicantes maior possibilidade de escolha na organização dos respetivos procedimentos aquisitivos e, portanto, maior margem de discricionariedade. Como contrapeso desta margem de liberdade, o legislador encarregou-se de dotar o organismo regulador dos contratos públicos (IMPIC) de poderes de emissão de orientações técnicas cuja função é auxiliar as entidades adjudicantes e os operadores económicos no cumprimento da lei. Espera-se que as mesmas tenham um efeito direto na sinalização de boas práticas a seguir e dos efeitos nefastos de outras práticas a evitar, mitigando assim a amplitude das normas legais, na perspectiva do caso concreto. A existência destas normas de boas práticas não será, por si só, suficiente para a boa compra pública. É por demais evidente que o novo paradigma a que me refiro – compras públicas estratégicas – tem de ser enfrentado por compradores públicos melhor qualificados. É por essa razão que a Comissão Europeia põe o enfoque na “profissionalização do comprador público”, precisamente pelo facto de estarmos em presença duma função vital e cada vez mais complexa das modernas organizações públicas, que deve deixar de ser vista como uma função menor, da responsabilidade dum qualquer departamento de segundo nível encarregue das tarefas administrativas numa determinada entidade adjudicante.

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