O mercado de NPLs em Portugal

Opinião Susana Bento, Associate Partner da Deloitte De facto, no período até 2018, o nível de atividade no mercado foi relativamente reduzido face ao stock de NPLs nos balanços dos bancos (a Deloitte estima um volume de crédito vendido em cada um dos anos de 2016 e 2017 um pouco acima de €2mM), com diversas transações lançadas no mercado e concluídas sem sucesso. Entre os principais fatores que contribuíram para o fracasso dessas operações de venda podem identificar-se expectativas de preço muito desalinhadas entre vendedores e compradores, algumas transações que foram lançadas em mercado apenas como “testes” para aferir o preço potencial e sem verdadeira intenção de venda, estruturas de transação complexas e pouco transparentes ou fraca qualidade do pacote de informação disponibilizado para análise dos compradores. Para além disso, na medida em não existia um pipeline expectável de transações, muitos investidores internacionais especializados em NPLs não investiram em entender as especificidades locais, ao nível do enquadramento legal, processos e timings de recuperação, capacidades de servicing, perspetivas de evolução da economia, etc. e voltaram-se para outros países com maior volume e diversidade de oportunidades. O mercado espanhol foi um dos mercados mais dinâmicos nos últimos anos, embora com um nível de competição muito elevado, o que encaminhou muitos investidores para Portugal, onde encontram menor concorrência, ativos de qualidade e perspetivas de evolução positivas. A revisão em alta do rating atribuído à dívida soberana portuguesa em 2017, com uma perspetiva positiva sobre a recuperação da economia, e o dinamismo observado no setor imobiliário permitiram reforçar a confiança dos investidores, ao mesmo tempo que estes puderam observar desde então uma intenção de venda mais visível por parte dos principais bancos. O ano de 2018 marcou um volume inédito de vendas de portfolios de NPLs e REOs em Portugal (que se estima próximo de €9.000M). O stock de NPLs está muito concentrado no balanço de um número reduzido de bancos, os quais prepararam e submeteram ao regulador planos de desinvestimento, que estão atualmente a ser cumpridos e superados em alguns casos. Os fundos de investimento e private equities internacionais, especializados neste tipo de ativos atuam a nível global e são também em Portugal os investidores mais ativos e com maior capacidade de execução das transações. Entre estes, existe uma especialização por segmento de negócio, tipicamente alinhada com o processo de recuperação subjacente, atuando em direta colaboração com servicers locais. Esta dinâmica crescente no mercado de NPLs, que se espera que possa manter um nível de atividade elevado nos próximos anos, tem conduzido a movimentações também entre os players na área do servicing, com intensificação da atividade ao nível de fusões e aquisições. Nos últimos anos, diversas empresas foram adquiridas por novos entrantes ou entidades já presentes neste mercado procuraram consolidar a sua posição ou alargar a sua área de atuação. Estas operações de aquisição foram executadas sobretudo por fundos de investimento ou private equities internacionais, que consideram esta atividade complementar ao negócio de aquisição de NPLs e que permitem assegurar a capacidade local de analisar e concretizar oportunidades de investimento. O negócio de aquisição de NPLs é desenvolvido por entidades com um perfil de risco agressivo, que procuram consequentemente obter níveis de rentabilidade elevados. São referidos targets de retorno diferenciados, mas em qualquer caso superiores a 12%-15%, variáveis com a tipologia de ativos e dimensão das carteiras, associada à capacidade de implementação de estruturas financeiras mais eficientes com recurso a financiamento externo. Embora o processo de recuperação tenha algumas etapas comuns nas diversas tipologias de ativos, existe um nível elevado de especialização destes investidores, alguns mais focados na aquisição de créditos granulares sem garantia (consumo), com elevada dispersão do risco num elevado número de devedores e garantes e assente num processo de contacto e negociação ou execução judicial dos créditos com base em processos standard e com prazo estimado de recuperação razoavelmente curto. Outros investidores têm preferência por créditos hipotecários, podendo ainda distinguir-se os créditos a indivíduos (habitação) e créditos a empresas. No caso do crédito a habitação, os portfolios também são compostos por um elevado número de operações de valor razoavelmente reduzido e o processo de recuperação assenta em procedimentos standard. Na maioria dos casos, os créditos colocados para venda nesta tipologia encontram-se em processo judicial de execução das hipotecas, após esgotadas as opções de negociação ou dação em pagamento, terminando o processo com a recuperação e venda subsequente dos imóveis. Os créditos a empresas apresentam maior diversidade e, consequentemente, a estratégia de recuperação assenta num leque alargado de opções, a selecionar nomeadamente em função da capacidade de geração de cash flows do negócio ou do valor percebido dos colaterais. Os créditos à promoção imobiliária são atrativos para investidores com vocação específica para o setor imobiliário, envolvendo muitas vezes a tomada de posse de ativos em fases de desenvolvimento diferenciadas, que implicam a reavaliação dos conceitos iniciais dos projetos, tendo estes sido interrompidos muitas vezes após licenciados ou com construção iniciada. A dispersão geográfica destes ativos, as especificidades do mercado imobiliário nas diferentes regiões do país, bem como as alterações ocorridas nos planos municipais e de ordenamento do território entre o momento em que os créditos foram concedidos e os projetos concebidos e a data em que os ativos são retomados para colocação em mercado, implicam um nível de conhecimento muito relevante da realidade do país e das condições atuais e prospetivas no setor imobiliário. A entrada com sucesso neste mercado assenta de forma muito relevante na capacidade de estabelecer parcerias com players locais que permitam uma adequada avaliação dos ativos e execução eficiente dos planos de recuperação que lhe estão subjacentes. Estes fatores são mais relevantes na medida em o período de recuperação estimado seja mais longo, envolva um maior número de stakeholders e uma maior concentração de valor em ativos específicos. Para além disso, a estabilização do sistema bancário e a retoma das condições que permitam a concessão de novo crédito aos compradores finais de imóveis acabados, aquando da sua colocação em mercado na fase final do processo de recuperação, bem como novo crédito para finalização de projetos imobiliários ou reestruturação de empresas e negócios viáveis são outros fatores dinamizadores do mercado de NPLs. Este processo irá requerer uma revisão dos processos internos de concessão de crédito e avaliação de risco de crédito nos bancos, o que será determinante para a situação da economia a médio e longo prazo. Abordagens muito conservadoras ou muito agressivas por parte dos bancos irão determinar um maior ou menor incentivo ao crescimento económico e a geração de um novo ciclo com fluxos de incumprimento mais ou menos compatíveis com os níveis de rentabilidade exigidos no setor e que permitam a criação de valor para os acionistas. Em resumo, espera-se que o setor continue a registar uma intensa atividade, conjugando o interesse dos bancos e dos investidores em concretizar as transações. Para 2019, antecipa-se que a atividade neste mercado possa estar pelo menos ao nível do verificado em 2018.

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