Perspetivas

MLS: a revolução que o imobiliário português já não pode adiar

A tecnologia é hoje omnipresente. Num mundo cada vez mais digital, não é admissível que um setor ignore as ferramentas disponíveis ou deixe de procurar constantemente soluções para melhorar processos e oferecer mais valor. O setor imobiliário não é exceção. Sendo um dos maiores mercados a nível global, foi também um dos últimos a abraçar de forma plena a evolução.

No entanto, a transformação do imobiliário está em curso, impulsionada por uma combinação de fatores: a crescente digitalização dos serviços, o acesso a dados em tempo real e, sobretudo, o surgimento de uma nova cultura de colaboração entre profissionais. Uma das soluções tecnológicas mais transformadoras, já amplamente consolidada em mercados como os Estados Unidos, é a utilização de plataformas MLS (Multiple Listing Service).

A maioria das transações imobiliárias no mercado norte-americano decorre através destes sistemas, que se tornaram infraestruturas centrais para a organização da mediação. Ao agregar informação, estruturar processos comerciais e promover práticas de partilha profissional, as MLS contribuem para uma maior maturidade e profissionalização do setor. Portugal tem agora a oportunidade de seguir o mesmo caminho. Contudo, importa reconhecer que essa transição não será isenta de resistência.

É previsível que surjam bloqueios por parte de algumas entidades e players à entrada e consolidação de um sistema MLS em Portugal. Muitos desses agentes operam hoje num ambiente de informalidade, opacidade ou baixa exigência, beneficiando de um modelo desestruturado. Para estes, a transparência, o controlo e a regulação trazidos por um MLS representam uma ameaça direta. Mas é precisamente por isso que o setor precisa desta mudança.

Não é a primeira vez que se tenta introduzir um sistema de partilha estruturada no mercado português. Houve iniciativas anteriores, bem-intencionadas, mas que falharam. Na minha opinião, essas tentativas não resultaram porque o conceito fosse errado, mas sim porque surgiram num momento em que o setor ainda não estava preparado. Faltava vontade coletiva, massa crítica e uma cultura de cooperação suficientemente madura.

Hoje, o contexto é outro. Assiste-se a um movimento real de muitos dos principais players que querem elevar o patamar do setor. Há um desejo genuíno de mais profissionalismo, mais transparência e mais estrutura. E, acima de tudo, existe agora uma solução ancorada numa associação setorial com capacidade para regular, auditar e garantir o cumprimento de boas práticas. Esta é a grande diferença.

Ao contrário de outras tentativas anteriores, o novo MLS (Sync MLS) nasce com uma dimensão ética e institucional, sendo desenvolvido com base na experiência acumulada de sistemas implementados nos EUA e cuidadosamente adaptado à realidade portuguesa. Os benefícios do MLS vão muito além do setor imobiliário. O Estado português e os cidadãos em geral também têm a ganhar com a sua implementação. E muito.

Num momento em que o país enfrenta uma grave crise habitacional, um sistema MLS pode desempenhar um papel determinante. Ao centralizar e qualificar a informação do mercado, o MLS permite conhecer com rigor o stock de habitação disponível, os preços praticados e os padrões de procura. Esta visibilidade é essencial para que políticas públicas sejam desenhadas com base em dados reais e não em estimativas ou perceções.

O Estado poderá, assim, atuar com mais eficácia na regulação do mercado, no planeamento urbano e na definição de medidas fiscais e habitacionais mais ajustadas. Por outro lado, um MLS combate diretamente a especulação e os abusos informativos, ao tornar transparente o histórico de preços, os tempos de venda e as características dos imóveis. Isto beneficia os cidadãos, que passam a ter acesso a uma informação mais clara, comparável e confiável, protegendo-se de práticas lesivas e promovendo a literacia imobiliária.

Além disso, a cooperação entre mediadoras encurtará o ciclo de venda e reduzirá a duplicação de imóveis no mercado, permitindo respostas mais rápidas à procura. Isto poderá aliviar a pressão sobre determinadas zonas urbanas e ajudar famílias a encontrar soluções habitacionais com maior agilidade. Um ganho de eficiência que, numa crise como a que vivemos, é particularmente valioso. Nenhuma tecnologia será eficaz sem uma transformação real na mentalidade do setor.

O MLS e outras soluções digitais exigem compromisso com a integridade, com a partilha de conhecimento e com a qualificação contínua. A liderança será chave. Precisamos de líderes com visão estratégica e equipas preparadas para atuar num ambiente mais integrado e orientado por dados.

A inteligência artificial, por sua vez, está a abrir novos caminhos para um setor mais eficaz na sua capacidade de resposta. Ferramentas de IA permitem prever tendências de mercado, automatizar tarefas comerciais e melhorar a experiência do cliente. Esta nova realidade está a moldar um novo perfil de consultor imobiliário, onde o domínio técnico e a literacia digital caminham lado a lado.

Quem souber integrar estas soluções de forma inteligente terá maior relevância no mercado. A tecnologia não substitui o fator humano, mas potencia-o de forma decisiva. Ficar à margem desta evolução significará perpetuar ineficiências que travam o crescimento sustentado do setor. O imobiliário português tem agora a possibilidade e a responsabilidade de se alinhar com os padrões internacionais de excelência. O caminho está traçado. Cabe-nos a nós percorrê-lo com coragem, visão e sentido de missão.