Ir além do óbvio: redefinir a vida urbana

Falo não apenas de mudanças conjunturais, mas estruturais. A tensão entre a procura e a oferta habitacional, a pressão sobre os custos de construção, a escassez de solo disponível e os desafios do licenciamento são bem conhecidos. Mas, mais do que medidas reativas – e o que nem sempre se discute neste momento – é a necessidade de haver visão e um pensamento estratégico para dar resposta à redefinição da vida urbana de hoje, olhando para além do óbvio para a criação de projetos de relevo.Enquanto o mercado permanece orientado por abordagens e lógicas estritamente técnicas ou comerciais, acredito que é urgente haver um comprometimento real com uma abordagem mais profunda em cada projeto, através da curadoria conceptual dos espaços, da integração com o tecido urbano e do foco no impacto duradouro das nossas escolhas.Habitação como uma infraestrutura de vidaEste momento de viragem na promoção habitacional pede exatamente este posicionamento, onde os valores vão além da construção de metros quadrados, concentrando-se na criação de valor social, urbano, ambiental e económico. A habitação deve ser pensada como infraestrutura de vida, não apenas como produto imobiliário, e isso obriga a fazer as perguntas certas: Que tipo de cidade queremos projetar? Que tipo de comunidade queremos fomentar? Que estilo de vida queremos promover? Além disso, importa ouvir as perguntas de quem procura e deseja nova habitação, colocando o foco também no cliente final: que expectativas têm? Procuram que tipo de cidade, que género de vida comunitária? Parte da resposta está na descentralização. É urgente o investimento em projetos com novas centralidades urbanas e em territórios consolidados e em crescimento, com elevado potencial de regeneração e criação de valor. Esta descentralização visa não só aliviar a pressão nos grandes centros, mas também contribuir para a coesão territorial e o acesso mais equitativo à habitação.Mas para que não se percam qualidades de uma vida central, é fundamental que os projetos sejam pensados como um todo, onde podemos conciliar a componente habitacional e as infraestruturas necessárias para uma vida comunitária no que diz respeito a espaços de lazer, supermercados, restauração, serviços e muitos outros.Olhar além do óbvio em cada projeto, incluindo estas componentes identificadas é também criar projetos onde a sustentabilidade surge como eixo fundamental e que vai além do fator ambiental. A sustentabilidade não se trata de uma exigência de mercado ou de uma resposta às agendas internacionais – na nossa perspetiva é o único caminho a seguir. Temos vindo a integrar práticas sustentáveis nos nossos projetos de forma consistente e transversal, muitas vezes em detrimento de rendimento ou maior área vendável porque acreditamos que, no contexto atual, não existe outro rumo. Esta opção por soluções que valorizam o espaço verde, a relação com a envolvente natural e a integração com a comunidade local é um valor acrescentado não apenas para os desafios com os quais somos confrontados, como para quem procura por nova habitação. A sustentabilidade é um equilíbrio entre o urbano e o natural, entre o presente e o futuro. É criar espaços que promovem o bem-estar, respeitam os recursos e contribuem ativamente para o desenvolvimento das cidades de forma mais consciente. Projetos turísticos e comerciais icónicos, espaços de habitação inovadores e multifuncionais, são pensados com este desígnio em mente: transformar o território de forma positiva e duradoura.“A promoção em Portugal está a mudar; e ainda bem!”Aquilo que realmente distingue um promotor visionário é a forma como aborda os desafios urbanos: com sentido de responsabilidade e inovação, para que cada projeto seja pensado como um manifesto e uma resposta concreta a uma necessidade urbana, mas também uma proposta para o futuro da vida nas cidades.A promoção habitacional em Portugal está a mudar – e ainda bem. Mas essa mudança só será bem-sucedida se for acompanhada de um realinhamento ético e estratégico do setor. O momento de viragem é também um momento de escolha: assumir o risco e a responsabilidade na liderança de novas ideias ao invés de continuar a responder aos problemas com soluções do passado.A promoção de habitação não é um fim em si. É um meio para criar comunidades mais fortes, cidades mais equilibradas e vidas mais plenas. A habitação tem de ser olhada como um legado e não como um produto e é esse legado que queremos deixar em cada projeto que assinamos.Fotografias cedidas pela AM48

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