O futuro da atividade da Avaliação Imobiliária

Com cerca de 2.000 profissionais a operar no setor das avaliações, cerca de dois terços dos avaliadores imobiliários desenvolvem atividade para o setor financeiro, muitos em exclusividade. Não obstante a entrada, nos últimos 5 anos, de duas ou três centenas de novos avaliadores imobiliários no mercado, a realidade é que grande parte do universo de avaliadores pertence a uma geração formada há mais de vinte anos.A estes torna-se difícil a passagem para uma nova realidade, onde a atividade necessita de recorrer cada vez mais à tecnologia para ganhar eficiências que permitam rentabilidade, num universo onde os honorários estão estagnados há anos ou atualizam-se timidamente, não acompanhando a subida de outros custos essenciais para a atividade, como o combustível, as portagens, etc. O virar da segunda década deste milénio coloca aos avaliadores imobiliários o desafio mais importante de todos – teremos futuro?A implementação das novas tecnologias nesta atividade vinha em crescendo até 2019, existindo cada vez mais soluções de software disponíveis para a avaliação, bem como plataformas eletrónicas de controlo dos níveis de serviço. Neste grupo de novo software começavam a aparecer algumas soluções de AVM (Automated Valuation Models), na sua maioria ainda ajustadas apenas à realidade de outros Países, como Espanha e pouco sensíveis ao mercado Português. A pandemia de Covid 19 veio, no entanto, alterar este paradigma e de um momento para outro, uma maior dificuldade na realização das inspeções aos imóveis, decorrente das restrições pandémicas, criou uma oportunidade para o aparecimento de novas empresas tecnológicas, com core business centrado na construção de megabases de dados de asking price e introdução nos bastidores de algoritmos de análise de dados para construção de AVM. Na sua maioria, essas soluções estão ainda longe de garantir fiabilidade, agravado pelo fato de Portugal ser um País de fraca transparência no que diz respeito ao acesso a informação sobre as transações de imóveis, o que nos obriga a manter na dark age do mundo da avaliação, ou seja, naquele pequeno grupo dos Países que realizam avaliações baseadas quase exclusivamente em amostras de asking price. No entanto, as tecnologias estão aí, existem e já estão a ser utilizadas por alguns bancos para a realização das reavaliações obrigatórias decorrentes do Acordo de Basileia. São milhares as avaliações que já deixaram de ser realizadas por avaliadores e que ficam sujeitas a mecanismos de inteligência artificial, mais ou menos “inteligentes”.A pressão para que este tipo de tecnologia seja aceite nas avaliações do setor residencial, sente-se um pouco por toda a Europa e já tem eco na Comissão Europeia, pelo que será apenas uma questão de tempo. E de pouco tempo.Não faz sentido lutar contra o avanço tecnológico. Ele existe e o setor da avaliação imobiliária não será exceção. No entanto será importante que, em Portugal, como noutros Países, se prepare os avaliadores para esta realidade incontornável e se aceite a existência dos AVM, mas como um produto nunca desligado da intervenção dos avaliadores imobiliários. A sensibilidade e a experiência de um avaliador imobiliário dificilmente serão substituídas por uma máquina, pelo que qualquer modelo de AVM não deverá estar desligado da intervenção do avaliador, até mesmo para o manter calibrado e fiável. No entanto, não obstante, entender que os stand alone AVM (sem intervenção de avaliadores) não constituem uma solução credível para o mercado da avaliação imobiliária em Portugal, a penetração no mercado dos AVM será incontornável e isso deixará grande parte dos avaliadores imobiliários, sobretudo aqueles que estão muito focados no mercado residencial, a necessitar de alterar o foco para outras áreas da avaliação. É aqui que surge o segundo grande desafio à atividade. Como é que conseguiremos adaptar uma geração com 15, 20 ou 30 anos de experiência em avaliação residencial, a encarar e preparar-se para outro tipo de avaliações?Mesmo vingando apenas o modelo de AVM com intervenção de avaliadores imobiliários, o número de avaliadores imobiliários necessários para a atividade será substancialmente mais reduzido. Não nos enganemos – nem todos irão permanecer na atividade. Os que se especializaram ao longo de anos no setor residencial, terão de se adaptar aos outros setores de avaliação e terão de ganhar competências que lhes permita realizar avaliações mais complexas, como terrenos com potencial de construção, edifícios de comércio e serviços, entre outros. É aqui que entra um conceito fundamental para o futuro de qualquer avaliador imobiliário da terceira década do séc. XXI – visão. É preciso visão, para perceber que os tempos estão a mudar muito rapidamente e que em poucos anos esta realidade que descrevi nos parágrafos anteriores, não será uma mera suposição. Assim, um avaliador que pretenda permanecer mais uns bons anos nesta atividade terá de se adaptar, de se formar, de evoluir. As acreditações profissionais, nomeadamente o REV (Recognised European Valuer) do TEGOVA (The European Group of Valuers Associations), é um dos caminhos nesse trajeto de evolução, mas não é o único. É preciso investir em formação e aí as associações de avaliadores têm um papel fundamental. Mas o conhecimento sobre avaliação tem de ser encarado numa perspetiva transfronteiriça, onde as associações congéneres de vários Países se podem ajudar mutuamente. Nem sempre é fácil encontrar em Portugal especialistas em determinadas áreas de avaliação dispostos a partilhar o seu conhecimento e, por outro lado, muitas vezes é importante ouvir e analisar as abordagens que os colegas de outros Países têm para determinados temas específicos da avaliação. A formação terá cada vez mais importância no futuro dos avaliadores imobiliários. Aqueles que não procurarem uma formação continua e diversificada terão muita dificuldade em permanecer no mercado. É certo que a atividade se debate com alguns problemas, sendo a questão dos baixos honorários transversal à grande maioria dos Países da Europa. No entanto, é preciso sair rapidamente do estado letárgico do lamento inconsequente e procurar novas soluções e novos posicionamentos no mercado. É obrigatório que o avaliador imobiliário interiorize uma realidade que só esperava daqui a 5 ou 10 anos, mas que a pandemia acelerou. Será apenas uma questão de tempo para que as entidades financeiras, na busca incessante de reduzir custos, cedam à tentação de integrar gradualmente as plataformas de AVM. As alterações à legislação comunitária que permitem esse passo estão em marcha e 2023 trará à luz do dia esta nova realidade. Cabe aos avaliadores imobiliários estarem um passo à frente e preparem-se para integrar o grupo dos que se adaptaram, dos que progrediram e que irão permanecer ativos e influentes no futuro.

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