Escritórios

Os edifícios de escritórios podem ser reciclados

Nos últimos anos, a transformação de alguns edifícios de escritórios tornou-se uma tendência importante, parecendo evidente ser esta uma abordagem de resposta às dinâmicas do mercado imobiliário. Três grandes dinâmicas parecem-me estar a promover esta tendência: (1) consistência no mercado para usos alternativos que oferecem opções de maior rentabilidade, novo normal dos requisitos ESG dos distintos stakeholders no mercado de escritórios e um modelo de trabalho nas empresas em evolução igualmente com novos requisitos.

Com um mercado habitacional a apresentar um desequilíbrio estrutural entre a procura e a oferta – nos distintos segmentos, com a procura no setor hoteleiro consolidadamente em crescendo nos seus distintos indicadores de performance, com as empresas ocupantes de espaços de escritórios a imporem um conjunto de requisitos (de ESG e outros) que aterram em características infraestruturais dos edifícios num plano de eficiências energéticas e operacionais, muitos proprietários de edifícios de escritórios vêm um caminho cada vez menos óbvio para obter a rentabilidade esperada dos investimentos que realizaram que não seja através de mudança do seu uso atual de escritórios - serviços.

Em cidades como Lisboa e Porto, a conversão de edifícios de escritório com grau de desadequação elevado cujo salto qualitativo para mitigar essa desadequação exigiria um volume de investimento financeiro relevante, a conversão em oferta residencial ou hoteleira é um caminho com campo aberto para percorrer, sempre e quando o planeamento urbano assim o permita.

As conversões que se observam, não são somente motivadas por dinâmicas de procura do setor habitacional e hoteleiro que acenam com uma rentabilidade potencial atrativa. Observamos dois fatores que impactam de forma determinante a capacidade de um edifício ser atrativo para um ocupante moderno e sofisticado com capacidade para oferecer uma rentabilidade elevado a um senhorio investidor: (1)Os requisitos obrigatórios para que um espaço de escritório seja elegível para destino de uma empresa que persegue objetivos de sustentabilidade ambiental, social e de governance, exigindo espaços ambientalmente eficientes, que gerem também experiências aos utilizadores e promovam o bem estar dos seus colaboradores, alinhados com um modelo de trabalho que está em evolução, esses requisitos não são em muitos casos compagináveis com a oferta do parque de edificado existente.

(2)Os novos requisitos chegam também dos investidores e financiadores, a serem mais e mais exigentes na minimização da pegada ambiental dos investimentos que realizam premiando investimento com elevados níveis de sustentabilidade face a outro que o não apresente, têm impacto material na qualidade de um edifício que se queira atrativo para o mercado.

Estes dois fatores são determinantes fazer entrar vários edifícios existentes numa espiral de perda de competitividade face a outros que surgem no mercado decorrentes de nova construção ou de remodelações mais ou menos profundas, fazendo os existentes deixarem de ser atrativos para os novos ocupantes e consequentemente obrigar a entrar numa guerra de preço ou entrar na espiral de desocupação.

Hoje, quer a nova construção, quer remodelações profundas fazem incorporar nos conceitos de edifícios características modernas de promoção do bem estar dos utilizadores, funcionalidades sustentáveis e sempre que possível nos instrumentos de gestão territorial aplicáveis, o desenvolvimento de espaços de usos mistos, combinando habitação, comércio e espaços de trabalho e/ou recreativos num só edifício ou num conjunto de edifícios. Estes hubs multifuncionais promovem comunidades vibrantes e criam oportunidades económicas e sociais que conferem resiliência aos projetos.

É contudo importante reconhecer que o processo de conversão de edifícios de escritórios também apresenta desafios. Inadequações estruturais dos edifícios e às regulamentações presentes, quer técnicas quer de gestão territorial aplicáveis a cada área e terreno, e a necessidade de modernizar ou adequar profundamente infraestruturas dos edifícios existentes para produzir um produto com procura, podem criar obstáculos à concretização de projetos de alteração de uso que somente uma abordagem colaborativa e precoce entre especialistas do mercado, arquitetos, promotores, financiadores e a comunidade local permitirá ultrapassar.

Em Portugal, temos esperança que os avanços legislativos como o programa ‘Simplex’ sejam uma ajuda a simplificar processos, mas não é a solução para todos os desafios.

Uma realidade está clara: a transformação de edifícios de escritórios que deixam de ser atrativos para ocupantes e investidores, é mais do que uma tendência: é uma abordagem estratégica e sustentável com impacto para o desenvolvimento urbano e consequente bem estar das comunidades. Seria útil para as cidades e para as suas populações que esta dinâmica fosse inserida num plano mais estratégico pensado para a cidade e menos em um modelo case by case.