Da eventual exigência de aceitação, pelos credores hipotecários, do instituto da dação em pagamento

Da mesma forma que, com repercussões impactantes, a crise abalou, em termos históricos e sem precedentes, a economia das famílias, obrigadas, agora, a adaptações exigentes na gestão dos seus rendimentos. Note-se, que não obstante o ligeiro decréscimo registado nas insolvências singulares no passado ano, verificou-se o crescimento exponencial do recurso, por pessoas singulares, ao Processo Especial de Revitalização, também ele, sinónimo de dificuldades financeiras.Estas três realidades, em si, indissociáveis, levaram à criação de novos mecanismos inter-relacionais, não obrigatoriamente assentes em diplomas legislativos, que acabaram por revolucionar a interação entre as famílias, a banca e o sector imobiliário, nomeadamente no âmbito da negociação de créditos em incumprimento ou em risco de incumprimento, muitas vezes tendo em vista evitar uma eventual execução da hipoteca constituída sobre a casa morada de família.De facto, se a banca restringiu as condições de concessão de crédito, as famílias recuaram na intenção da compra de habitação própria permanente e o mercado imobiliário (que, por vezes, se confunde com a própria Banca) foi obrigado a procurar novas soluções de rentabilização dos seus activos.Estas novas circunstâncias relacionais, que confrontaram a Banca com um considerável número de situações de incumprimento no crédito à habitação, implicaram, quer por via do Processo de Insolvência ou do Processo Especial de Revitalização, quer por via da acção executiva, que um elevado número de imóveis entrasse na sua esfera de domínio.A atual realidade tem obrigado à criação, por parte da Banca, de mecanismos de rentabilização desses imóveis. Tais mecanismos, aparentemente ainda precários, terão em vista uma rentabilização rápida e eficiente de tais imóveis, em moldes capazes de alavancar, por si só, o mercado imobiliário nacional. Abre-se a possibilidade da Banca rentabilizar, por via do arrendamento (rural ou urbano), os imóveis que detém, em paralelo com a criação de uma rede de comercialização destes independente da que funciona por via da normal actividade desenvolvida pelos agentes imobiliários do mercado.A nova orientação político-legislativa nacional tem colocado especial tónica no relacionamento supra expedido, assumindo clara vocação para a defesa do cidadão devedor eventualmente diminuído ou dotado de menos recursos no confronto com a Banca. Sinal deste virar de página é, desde logo, a recente aprovação da Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio que vem permitir que, reunidos determinados pressupostos, se inviabilize a venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria penhorado em processo de execução fiscal.Neste sentido, e na prossecução do sugerido pela Diretiva 2014/17/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação e que altera as Diretivas 2008/48/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.o 1093/2010, exige-se a discussão da possibilidade de uma eventual exigência de aceitação, pelos Bancos, credores hipotecários, do instituto da dação em pagamento, isto é, quer por cláusula constante do contrato de crédito ou da escritura de hipoteca, quer por sugestão, à posteriori, do mutuário, determinar-se que a devolução ou transferência para o mutuante da garantia prestada é suficiente para o reembolso do crédito. Falamos, no nosso ordenamento civil, do instituto da dação em cumprimento, previsto no 837.º do Código Civil e, no âmbito do processo de insolvência, do artigo 202.º do Código de Insolvência de Recuperação de Empresas, que determinam, ambos, a necessidade da expressa anuência do credor na dação.É, portanto, óbvio o impacto que teria uma eventual imposição desta obrigação pelo credor hipotecário, quer do ponto de vista do sistema jurídico e jurisprudencial do nosso país numa perspetiva de aplicação dinâmica do direito constituído, mas, fundamentalmente, do ponto de vista do funcionamento e solvabilidade dos integrantes no sistema bancário. Todavia, e atentas as já aferidas mudanças estruturais e relacionais entre o cliente e a Banca, e não sendo de descurar tal hipótese, exige-se, nesse sentido, um incremento da estabilidade financeira, incentivando e criando mecanismos de dinamização do setor do imobiliário, garantindo que os mutuantes tratam de forma proativa o risco de crédito emergente, assegurando, no entanto, que uma eventual imposição do instituto da dação em cumprimento, que evita o processo executivo e a execução hipotecária, não significa um novo crash do sistema bancário, antes, um polo dinamizador do setor imobiliário, por exemplo, focado no mercado do arrendamento.Note-se, por último, que uma eventual rentabilização dos imóveis detidos pela Banca por via do mercado de arrendamento seguiria aquela que é tendência atual do mercado imobiliário, que privilegia o arrendamento em face da compra de habitação própria, num mercado que, de acordo com os operadores do setor, continua a não responder, por via da oferta, à procura demonstrada.

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