As projetadas alterações ao regime do arrendamento urbano

Mais concretamente, e atenta a atual disseminação deste regime por vários diplomas, aos arts. 1083.º, 1084.º, 1094.º e 1103.º do Código Civil; 9.º, 10.º, 12.º, 35.º, 36.º e 54.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, substancialmente alterada pela Lei n.º 31/2012), e 4.º, 6.º. 8.º e 25.º do Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados (RJOPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157/2006). O sentido destas alterações é reforçar a proteção do arrendatário, essencialmente, no que diz respeito à extinção do contrato por decisão unilateral do senhorio e à transição do regime de pretérito para o NRAU. O que poderá vir então a mudar na posição jurídica do arrendatário com a entrada em vigor das alterações ao regime do arrendamento urbano?Quanto à extinção unilateral do contrato pelo senhorio, dilatam-se dois dos prazos respeitantes ao exercício do direito de resolução: aumenta em um mês (passa de dois para três meses) o período de atraso no pagamento das rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, suscetível de constituir o direito de resolução do senhorio, e cresce também em um mês (passa de um para dois meses) o prazo dentro do qual se permite que, cessando a oposição do arrendatário à realização de obras, fique sem efeito a resolução com esse fundamento pelo senhorio (arts. 1083.º, n.º 3 e 1084.º, n.º 5, CC).No caso de denúncia do contrato pelo senhorio, justificada pela demolição ou realização de obra ou restauro profundo que obrigue à desocupação do local arrendado, o pagamento da indemnização ao arrendatário sobe de um para dois anos de renda e a garantia alternativa de realojamento alarga-se a três anos (arts. 1103.º, n.º 6, CC e 6.º RJOPA).Ainda no âmbito da denúncia do contrato para realização de obras que obrigam à desocupação do locado, o Projeto Lei n.º 310 cria duas novas garantias para o arrendatário: reconhece a transmissão mortis causa da posição do arrendatário no caso de ter havido realojamento deste e concede-lhe o direito de preferência na hipótese de celebração de novo contrato de arrendamento pelo senhorio no locado onde se realizaram as obras (introdução de dois novos artigos: art. 57.º- A ao NRAU e art. 9.º-A ao RJOPA).Quanto à aplicação do regime transitório, isto é, o conjunto de regras que visam assegurar a passagem do regime antigo (aplicável aos arrendamentos habitacionais celebrados antes de 1990 e não habitacionais anteriores a 1995) para o novo sem perturbar a confiança e expetativas criadas à sombra do regime pretérito, é introduzida uma significativa alteração, que consiste na prorrogação por 10 anos do período de transição dos contratos antigos para o NRAU.Esta dilação do período transitório fere, de modo intolerável, as fundadas expetativas criadas aos senhorios com o regime estabelecido pela Lei 31/2012. Por aplicação deste, os senhorios que tivessem dado início ao processo de transição para o regime novo, definido nos arts. 30.º e ss. NRAU, contavam, pelo menos neste ano de 2017, recuperar a disposição do locado. Ora, o aumento do período de prorrogação que se tem em vista introduzir adia esse momento para o ano 2022 (resulta das regras previstas para resolver as questões de aplicação da lei no tempo que, na hipótese de a lei nova estabelecer um prazo mais longo, desconta-se o período já decorrido sob vigência da lei antiga, art. 297.º, n.º 2, CC).Dir-se-á que o diferimento deste período de transição abarca apenas arrendatários merecedores de uma proteção acrescida em virtude da sua posição especialmente débil – arrendatários que auferem um rendimento insuficiente para satisfazer as rendas mais elevadas correspondentes ao valor de mercado do imóvel, isto é, aqueles cujo RABC (rendimento anual bruto corrigido) é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais; arrendatários de idade avançada (igual ou superior a 65 anos) ou portadores de deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60% – ou arrendatários cuja proteção satisfaz um interesse social de ordem histórica ou cultural, ou seja, estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local (alvo de uma proteção especial que o Projeto Lei n.º 155 tem em vista criar).Entendo, porém, que a realização da justiça social constitui incumbência dos poderes públicos, não pode ser exercida por hipoteca do direito dos proprietários de imóveis arrendados. Sendo um postulado do Direito a realização de justiça material que passa pela proteção da parte mais fraca do contrato, é essencial que, por um lado, esta proteção não se torne injusta por demasiado onerosa para a contraparte e, por outro, que ela seja definida de modo eficiente.O resultado de uma excessiva tutela do arrendatário é sobejamente conhecido: degradação do parque imobiliário e asfixia do mercado de arrendamento. Em contrapartida, há um ponto que nos parece merecer a atenção do legislador, justificando-se a sua modificação para melhor garantia da posição do arrendatário, mas ao qual, apesar de visado pelo Projeto Lei n.º 310, não foi introduzida alteração de relevo. Referimo-nos ao prazo de duração do contrato de arrendamento. Presentemente, este é deixado ao critério das partes, fixando-se um prazo supletivo de dois anos. Prevê-se um aumento do prazo supletivo para cinco anos, o que nada alcança na garantia de estabilidade do vínculo contratual.

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