Embora o Imposto sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) seja devido, em regra, sobre a transmissão de um imóvel, é verdade que, já desde os idos tempos da SISA, este imposto pode abranger outros atos e contratos que, embora não impliquem a transmissão propriamente dita (i.e. legal) do direito de propriedade, implicam, em maior ou menor grau, a transmissão da propriedade económica dos bens.São casos emblemáticos os contratos promessa acompanhados de tradição ou com cláusula de livre cessão da posição contratual de promitente adquirente, ou ainda a outorga de procuração irrevogável com poderes de alineação. Subjacente à tributação destes atos está a ideia de que através deles os contribuintes adquirem direitos que, embora fiquem juridicamente aquém do direito de propriedade, lhes permitem atuar como verdadeiros proprietários no plano económico (podendo, por exemplo, usar livremente o imóvel nos casos em que houve tradição, ou dispor dele, nos casos em que podem transmitir a sua posição contratual ou têm poderes de representação para isso).No entanto e porque não existe verdadeira transmissão, o que justifica a tributação é também uma preocupação de combate à fraude e à evasão fiscais, já que historicamente era comum os contribuintes socorrerem-se destas figuras em lugar da celebração de um contrato de compra e venda e, assim, evitarem o pagamento do imposto.É nesta categoria que se insere o IMT devido sobre o que o legislador denominou “arrendamentos a longo prazo”, por si definidos como “os que devam durar mais de 30 anos, quer a duração seja estabelecida no início do contrato, quer resulte de prorrogação, durante a sua vigência, por acordo expresso dos interessados, e ainda que seja diferente o senhorio, a renda ou outras cláusulas contratuais”.Em regra, o IMT sobre estes arrendamentos é devido no momento da respetiva celebração do contrato ou da prorrogação, conforme aplicável, e é devido pelo arrendatário, que, para este efeito, é tratado como adquirente. O imposto incide sobre o valor de 20 vezes a renda anual, quando seja igual ou superior ao valor patrimonial tributário do prédio.Ainda que a lei ofereça, como vimos, uma definição de contrato de arrendamento a longo prazo, a aplicação deste conceito nem sempre é fácil. Na verdade, embora não se levantem grandes dúvidas nos casos em que as partes acordam inicialmente uma duração de mais de 30 anos, a definição do que deverá entender-se por duração superior a 30 anos que resulte “de prorrogação, durante a sua vigência, por acordo expresso dos interessados” pode ser bem mais discutível. Sobretudo, depois dos esclarecimentos que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) prestou sobre o assunto.Um desses esclarecimentos foi dado através da Informação Vinculativa n.º 2887, de 2011, na qual a AT, perante a intenção das partes de prorrogarem o contrato de arrendamento, concluiu que, para efeitos da determinação da sujeição a IMT, deveria somar-se o prazo inicial do contrato e o prazo da prorrogação. Ou seja, se “a prorrogação do contrato, adicionada ao tempo entretanto decorrido (desde 1995 [a data de início do contrato]), tiver uma duração superior a 30 anos”, haverá IMT. “Já se a duração do contrato de arrendamento, incluindo a prorrogação do mesmo pela sociedade requerente, for inferior a 30 anos, esta situação não configura uma transmissão que se subsuma na regra de incidência da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º do CIMT”.Da nossa parte e reconhecendo a ambiguidade da lei, parece-nos que esta não será a melhor interpretação. De facto, ao estabelecer que de uma prorrogação pode resultar uma duração superior a 30 anos e consequentemente o pagamento de IMT, a intenção do legislador foi, em nossa opinião, a de tributar contratos que, seja por via do termo inicialmente fixado, seja através de uma prorrogação, conferissem ao arrendatário a expectativa de ocupar de forma pacífica e incontestada o imóvel por um período superior a 30 anos. Na verdade, só essa expectativa, acompanhada do ónus correlativo criado na esfera do proprietário, é que se aproxima suficientemente de um direito de propriedade por forma a justificar a tributação.Quer isto dizer que, se for celebrado um contrato por 30 anos, sem que esteja prevista qualquer prorrogação, e chegado ao seu termo as partes acordarem numa prorrogação por (mais) 30 anos, não haverá IMT. Diferentemente se, na vigência do contrato acima referido for, desde logo, acordada pelas partes a sua prorrogação por mais 30 anos, sem que seja possível outro desfecho que não seja a prorrogação (desde logo, porque é afastada qualquer possibilidade de oposição das partes), então, estaremos em presença de um “arrendamento a longo prazo” sujeito a imposto, porque, precisamente graças à certeza dessa prorrogação, as partes podem legitimamente contar que o arrendamento durará mais de 30 anos.Em 2019, a AT voltou a pronunciar-se sobre o assunto, na Informação Vinculativa n.º 14791. Nesta informação, começa por dizer que, “sendo indispensável o acordo expresso das partes na prorrogação, não basta a renovação tácita prevista no art.º 1054.º do C.C., para que ocorra a sujeição ao IMT”.Com base na mesma exigência – de acordo expresso entre as partes – a AT, em seguida, afirma que, um contrato de arrendamento com um prazo de 29 anos, em que seja clausulado o direito potestativo do arrendatário de, mediante comunicação ao senhorio e sem direito deste a opor-se, prorrogar esse contrato por mais 10 anos, não está sujeito a IMT, no momento em que tal cláusula de prorrogação é acordada, mas apenas se e quando esse direito à prorrogação for exercido.Já se o mesmo contrato previr “a sua renovação automática, pelo período de 10 anos, após o respetivo termo inicial, isto provocará a alteração da sua qualificação, passando a ser considerado um contrato de arrendamento com a duração superior a 30 anos, uma vez que, está definido desde essa data, que a sua renovação automática irá ocorrer”.A AT não esclarece, no entanto, o que entende por “renovação automática”, o que tem levado a que alguns considerem que, prevendo as partes expressamente no contrato que o mesmo se renova automaticamente, e ainda que seja possível a oposição de uma delas a essa renovação, pode haver desde logo IMT se o prazo inicial adicionado da (eventual) renovação exceder os 30 anos.Em nossa opinião e mais uma vez esta não nos parece a solução mais correta. Com efeito, sempre e quando a prorrogação ou renovação (resulte ela da lei ou de uma cláusula contratual) seja meramente contingente (por exemplo, porque é possível a oposição de uma das partes) não deverá haver lugar ao pagamento de IMT. Parece-nos também que, ainda que a informação vinculativa acima citada seja passível de equívocos, é este o único entendimento lógico que dela se pode retirar. No entanto, melhor seria que a AT clarificasse a sua posição.Na realidade e por tudo quanto se disse acima, esta é uma matéria que está longe de ser clara, sendo que a incerteza e os equívocos que existem podem mesmo afetar terceiros que não intervieram na celebração do contrato de arrendamento ou sequer na sua prorrogação, uma vez que o IMT goza de um privilégio creditório especial sobre o imóvel, oponível a terceiros que venham a adquiri-lo.Todas estas circunstâncias conduzem, muitas vezes, à consagração de soluções contratuais menos interessantes para as partes ou ao pagamento indevido de imposto e ainda à identificação de contingências que, tantas vezes, dificultam e oneram transações imobiliárias que têm por objeto imóveis arrendados, limitando-se a liberdade dos agentes económicos e entorpecendo-se injustificadamente o funcionamento do mercado imobiliário. Seria assim importante que se vertesse luz sobre esta questão, não havendo qualquer razão para que ainda se mantenha controvertida.