Arquitetura por arquitetos

Desde logo porque o acordo a que se chegou nessa altura previa um prazo de transição, de 5 anos, para acautelar direitos adquiridos de alguns profissionais, e acima de tudo porque o acordo a que se chegou para além de equilibrado, foi assinado de boa fé, ou seja, no pressuposto de que era para ser cumprido. Já em 2015, quando estava a esgotar-se o prazo de transição foi pedida, e concedida, uma prorrogação do prazo por mais 3 anos. Não nos parecia, já então, haver qualquer razão para que isso acontecesse, mas considerámos que o seu caráter transitório não deveria ter a nossa oposição. O que agora se verificou é bem diferente, pois trata-se de permitir que os engenheiros que nunca quiseram, ou não conseguiram, cumprir o previsto na legislação de 2009 e 2015, nomeadamente obtendo formação, enquanto arquitetos, sejam premiados com a possibilidade de assinarem projetos, ditos de arquitectura, para todo o sempre. Não sabemos quantos são, mas um único que fosse e a nossa opinião seria a mesma. Não entendemos este como um problema corporativo, mas sim como aquilo que é: um “retrocesso civilizacional”. De facto, a necessária e saudável complementaridade, destas duas profissões, não deve nunca confundir-se com a possibilidade dos profissionais de cada uma delas fazerem o trabalho dos outros. Manifestámos por isso o nosso total desagrado pelo resultado da votação que recentemente teve lugar na Assembleia da República, e com todo o respeito que, naturalmente, temos por este órgão de soberania, pela votação feita, parece-nos que muitos dos deputados não saberiam bem o que estavam a votar. A viabilização da redacção proposta iria permitir o exercício dos actos próprios da profissão por não arquitectos, e, consequentemente, desregulamentar a profissão em clara oposição à realidade europeia e contra critérios de salvaguarda da qualificação profissional e regulação deontológica. Mas, a redação agora votada vai ainda muito além do alcance inicial, aprovado na generalidade, ao contemplar também a competência na direcção e fiscalização de obras. Neste âmbito, foi nesta votação aprovado que a direção e fiscalização de obras até um valor onde estão incluídas grande parte das empreitadas, seja feita por profissionais sem formação específica, enquanto aos arquitetos continua a ser exigido três anos de experiência profissional para poderem fazer esse mesmo trabalho. Pensamos que, mais do que nunca, torna-se necessária uma reflexão sobre o que pretende a sociedade civil, como ficou manifesto nas sucessivas petições legislativas de iniciativa dos cidadãos a favor da Arquitetura e do seu exercício regulado, e aquilo que os Deputados da Assembleia da República consideram. A mensagem que infelizmente resulta desta votação é a de que o esforço individual para a qualificação e desenvolvimento profissional não compensa, continuando em cada novo ciclo legislativo a colocar-se em causa as conquistas dos cidadãos, premiando o laxismo e minando a confiança dos cidadãos no Estado. Foram os resultados deste projeto de lei objeto do veto do Presidente da República o que remete de novo o processo para a Assembleia da República. Esperamos todos que com um resultado mais refletido que só pode ser o da sua liminar derrota. A Ordem dos Arquitectos nunca se resignará às consequências de uma Lei que considera ser um retrocesso democrático e uma injustiça. Está ainda em curso no Parlamento a discussão de uma petição, “Arquitetura por Arquitetos”, com mais de 11.000 assinaturas, que versa sobre os exactos temas agora debatidos. Uma petição que sentimos apoiada pelos muitos que se juntaram a nós, a uma só voz, envolvendo-se nesta causa, que é de todos os arquitectos, mas também de todos os cidadãos, e que reflecte bem a imagem da nossa profissão e o nosso lugar na sociedade. Estamos convictos que Portugal não quer, não precisa e nem merece, tão má lei.

CONTEÚDO EXCLUSIVO PARA ASSINANTES