Alterações no panorama do retalho

Cadeias alimentares como a Aldi ou Lidl têm conhecido nos últimos anos taxas de crescimentos assinaláveis (em alguns mercados atingindo os 50% de crescimento anual), sobretudo quando comparados com os seus concorrentes tradicionais. Esta realidade poderá à partida parecer estranha num contexto económico que revela algumas melhorias e dá sinais de uma tendência sustentada de recuperação, contudo diversos analistas acreditam que recessão despoletou um processo de transformação bastante mais profundo do que à partida se poderia supor, e que está relacionada com uma alteração radical dos hábitos de consumo.É consensual entre os diversos analistas de mercado que os hábitos de consumo criados durante os anos mais difíceis da crise económica, ditados essencialmente por necessidades de poupança, não desapareceram com o desanuviar do clima recessivo, mas pelo contrário se enraizaram. As pessoas passaram a entender que podem obter produtos básicos e de boa qualidade sem terem necessidade de pagar um preço elevado.Esta situação teve também um efeito agregador, uma vez que muitos destes novos conceitos se tornaram socialmente transversais, sendo que muitos deles contam hoje com largas fatias de clientes provenientes de classes A/B. Um exemplo bem ilustrativo deste fenómeno entre nós é representado pela cadeia Primark, inicialmente procurada por estratos sociais mais baixos, mas rapidamente “descoberta” por clientes de segmentos A/B.Um dos aspetos que tem também contribuído para a boa aceitação das novas insígnias de low cost por parte dos clientes é o ambiente informal de compra proporcionado por estas, muitas delas dispondo de pouco pessoal, instalações simples e de pouco investimento, em que o cliente se sente à vontade para experimentar artigos e deambular livremente sem constrangimentos de qualquer espécie, o que muitas das vezes são aspectos inibidores que condicionam o processo de tomada de decisão.É neste ambiente descontraído e informal que a variável preço ganha uma preponderância acrescida. A estratégia de preços baixos e de oportunidade gera níveis de euforia elevados e um sentimento de urgência da compra que afasta o cliente de modo instintivo de tomadas de decisão racionais. Em última análise, este é impelido a consumir bastante mais do que aconteceria numa situação normal, uma vez que não existe ninguém à sua volta exercendo qualquer tipo de pressão.Por forma a tirar partido desta situação, muitas lojas de desconto mantêm níveis de stock baixos mas com elevados níveis de rotação, permitindo-lhes desta forma terem sempre ofertas atuais e alinhadas com as últimas tendências de mercado.Muito se tem discutido relativamente ao futuro deste tipo de negócio, havendo quem coloque em causa a sua sustentabilidade tendo em conta o efeito saturação gerado, mas existe quem, por outro lado, acredite na sua longevidade tomando como referência exemplos de sucesso no mercado norte americano, onde alguns conceitos deste tipo já completaram mais de meio século de existência. Para já, é de prever que no curto-médio prazo o mercado europeu continue a assistir a um crescimento dos conceitos low cost.Paralelamente, e como forma de resistência a esta tendência de preços baixos e de profusão de oferta, o mercado de retalho tradicional, com menos argumentos competitivos, tem-se visto obrigado a reinventar-se lançando mão de fórmulas criativas e diferenciadoras. Quando se transacionam produtos indiferenciados, que podem ser encontrados em variados locais alternativos (e muitas vezes com preços mais competitivos), alguns retalhistas tradicionais vêm-se impelidos a estabelecer novas formas de relacionamento com os seus clientes, que se pretendem únicas e marcantes e que estabeleçam uma clara demarcação face ao tratamento despersonalizado das cadeias projetadas para massas.Têm surgido um pouco por todo o lado diversas formas de desconstrução dos modelos tradicionais de negócio como forma de resposta a esta realidade, bem como à concorrência dos canais de venda on-line, tendência que se tem consolidado e que representa uma ameaça crescente aos canais comerciais convencionais. As soluções encontradas tendem na maioria dos casos a proporcionar ambientes e experiências in store interactivas e inovadoras, que estimulem o contacto com o produto e gerem um impulso de compra que poderá ter concretização no próprio local físico ou eventualmente mais tarde através de um qualquer canal on-line.E acima de tudo, o desafio atual consiste em encontrar soluções que procurem corresponder aos novos perfis de consumidores, cada vez mais pulverizados e menos suscetíveis de catalogação, e que se tornem potenciadoras de relações emocionais com os mesmos.É, assim, neste quadro de transformação profundo, complexo mas ao mesmo tempo desafiante, que se começam a definir as novas matrizes que influenciarão as próximas tendências do retalho.

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